Blog do Inácio Araújo

O sublime e o atroz

Inácio Araújo

O sublime

Quando chegava ao velório de Leon Cakoff, na noite de sexta, um casal de amigos (cujo nome não direi, porque não lhes pedi autorização para isso) deixava o prédio do MIS.

Tinham ido prestar reverência a Leon, e explicaram: foi numa Mostra que começaram a namorar. Já se conheciam, mas o namoro começou ali, no cinema. Isso foi, disseram, na 3ª Mostra. Podiam ter esquecido. Não esqueceram.

Acho que esse cumprimento vale muito mais, infinitamente, do que a cobertura de “celebridade” que vi acontecer aqui e ali, como se Leon fosse um astro pop ou algo assim.

E, aliás, não é a sociabilidade um dos papéis da Mostra (e do cinema)? Que o digam as muitas filas em que pessoas parecidas puderam se conhecer e se aproximar.

Será bom lembrar que a Mostra está em ótimas mãos. Renata Almeida foi mais que uma colaboradora de muitos anos, foi um braço direito de Leon Cakoff por muitos anos. Mas nestes últimos meses segurou a doença e a mostra ao mesmo tempo.

… e o atroz

São Paulo foi invadida por uma onda estranha de violência. A toda horas pessoas são agredidas (homossexuais em particular) ou mortas (por automóveis, em geral), embora o caso mais recente seja de um futebolista.

A violência está também, sobretudo talvez, na linguagem.

Tomemos o caso do jogador de futebol, que estava deixando o clube onde joga, o Palmeiras. Teria sido interpelado por um torcedor sobre os maus resultados de seu time. Teria reagido agredindo o tal torcedor. Ele diz que o torcedor teria chutado seu carro

Esses detalhes são irrelevantes. O certo é que nenhum torcedor tem o direito de interpelar um jogador de time nenhum. Não é seu papel.

Para isso existe técnico, diretoria, o diabo. O jogador joga aquilo que pode, que sabe. Ninguém tem culpa de não ser Pelé.

Muito bem: estamos nisso quando um grupo de torcedores sai do bar em frente e passa a agredir o jogador.

Vejo que muita gente engoliu esse papo de que, por ter dado o primeiro soco (ou chute, é indiferente), o jogador foi o culpado pelo evento.

É um caso de conformismo involuntário (porque ligado à linguagem) quase absurdo.

Alguém que, sentindo-se acuado (vítima de bullying, para usar um termo que hoje se compreender) desfere um pontapé não tem que ser agredido por dez ou quinze marmanjos que estavam vagabundeando no bar em frente.

É uma coisa indizível. Esses selvagens existem por aí às pilhas. Mas essa demissão, essa aceitação passiva de uma explicação que não explica nada (quem deu o primeiro soco) é que me parece alarmante.

Quanto aos dois caras que agrediram os rapazes “com um tapa”, por terem sido “provocados”, não há o que dizer: o cara que dá um tapa e quebra três costelas do agredido é fenômeno a ser estudado pela ciência (músculos e cérebro).