Blog do Inácio Araújo

Quem foi Heleno de Freitas ?

Inácio Araújo

 

O estranho em “Heleno” é que tudo funciona. Os figurinos e a maquiagem, a cenografia e a fotografia. Não falemos de Rodrigo Santoro: sempre que dele se exige o extremo, responde indo ao extremo e mais um pouco, a se exaurir. As duas atrizes são bem escolhidas e os coadjuvantes também. É boa a direção dos atores

No entanto, a gente sai de lá sentindo falta de um filme… Como se cada parte fosse acessória, mas faltasse um coração. E não digo isso por ter ficado com a impressão de algo falso ou mesmo oportunista (impressão que a Conspiração lega com tão insistente freqüência). Não fiquei.

No que pude perceber, penso que há dois setores um tanto equivocados. O primeiro, o de roteiro. A opção por abolir a cronologia, que poderia ser feliz, resulta apenas um tanto confusa. Eu mesmo, que conheço razoavelmente (mas de muito tempo atrás) a trajetória do craque do Botafogo, às vezes não sabia em que ponto estávamos e muito menos porque estávamos ali, que papel tinha uma tal sequência estando em um dado ponto da intriga.

A opção pela cronologia poderia talvez ter deixado mais evidente o percurso e as circunstâncias que o levam da revelação de um talento luminoso à decadência precoce. Na pior das hipóteses, haveria a possibilidade de estabelecer um crescendo dramático. E permitiria talvez desenvolver de maneira mais aprofundada as relações complexas entre uma sociedade de preconceitos com o futebol, e do futebol com um jogador que destoava inteiramente desse meio (era bacharel, vinha de família bem posta, era um tipo galã, inteligente etc.).

O roteiro também deixa escapar certas particularidades do próprio Botafogo, um clube que aceitava bem essas excentricidades, digamos assim, no seu meio futebolístico.

Vale, porém, dizer que “Heleno” evita o novelesco tão característico da dramaturgia cinematográfica brasileira atual. Essa coisa 1930.

Quanto à parte terminal de sua vida, o desenvolvimento não cronológico não é problemático.

A direção é o outro problema, talvez o mais grave. Ao final do filme não sabemos o que era Heleno, afinal: um louco, um rebelde, um arrogante, um mulherengo, um bêbado, um doente crônico, um sedutor ou um chato.

O filme hesita muito. Essa hesitação é, me parece, o que faz a diferença entre um filme que começa bem e depois patina loucamente, já que as situações novas propostas não fazem senão reiterar aquilo que já vimos anteriormente, com ligeiras variações.

O que tento dizer é que, se ao final sabemos muito pouco sobre Heleno de Freitas não é porque o filme criou uma atmosfera de mistério, de tal forma que ele poderia possuir qualquer um desses atributos ou vários deles.

Parece, antes, que a direção simplesmente não soube escolher que linhas acentuar. Ou, em suma, o que dizer sobre Heleno. Admito que não é fácil, mas há momentos em que ele parece apenas um arrogante, um bocó metido a besta. E não era assim. Desde o início não era assim. Não optar claramente por um aspecto ou dois (“o rebelde”, “o maldito”, etc.) limita o filme mais do que amplia o conhecimento ou nossos devaneios a respeito.

Um ponto à parte, porque não diz respeito apenas a “Heleno”, é a timidez mórbida na filmagem de sexo. Não é, claro, exclusividade deste filme. Hoje em dia é assim que funciona no mundo todo, a menos que você se chame Cronenberg, ou De Palma, ou algo assim.

Mas aqui fica meio escandaloso, porque é do sex appeal de um cara que se trata ao menos durante um terço do filme. E em pelo menos mais um terço do sex appeal de duas garotas bem atraentes.

No filme, porém, tudo acaba nuns beijinhos, o mais das vezes, ou numas transas absurdas, como aquela de Rodrigo e Angie Cepeda, em que só vemos os dois rostos pulando na tela. A exclusão do corpo é tão mais escandalosa quanto é de corpos que se trata: a cantora e o jogador de futebol são corpos, antes de tudo.

As coisas não melhoram muito com a mulher de Heleno. Aí tem uns clichês meio radicais, do tipo a mulher que enfia o pé no peito dele deitado na cama. Pô, faz favor…

O pior momento é aqueleem que Helenopuxa a cantora, a Cepeda, pelos cabelos e a gente pensa, agora vai. Agora vai ter uma transa de Cronenberg, dessa em que os dois vão se arrebentar os ossos, a pele, a alma. Mas aí o que se segue são os beijinhos de sempre.

É importante acentuar que este filme me pareceu honesto. Foi feito com mais sentido de paixão do que de oportunidade, o que não costuma acontecer no novo cinema brasileiro. Apesar da produção de época, o filme tem menos frufru do que a média da produtora.

Já falei do elenco? Rodrigo Santoro, sempre que se pede algo excepcional dele, comparece. Incrível. O elenco é ok. Essa Angie Cepeda seria a sex symbol do Mercosul, se houvesse um sentido de marketing no Mercosul.

(Já está muito comprido. Volto amanhã com Raul Seixas).