Blog do Inácio Araújo

Mistérios de Ozu a Kiarostami

Inácio Araújo

Ozu é um mistério, e dele acredito que o único a ter dado conta realmente é Kiju Yoshida em seu livro “O Anti-Cinema de Yasujiro Ozu”.

Entre outras coisas, ali ele postula que Ozu rompe a tradicional identificação entre público e personagem devido ao uso da câmera baixa, que ergue o queixo dos atores e impede que a direção dos olhares seja fixa, direta. Os olhares passam a fazer parte de um sistema de flutuação, de imprecisão, que não permite que nos vinculemos aos personagens.

Mas o que então nos liga ao filme?

Penso que pode ser a tremenda capacidade de observar os fatos do cotidiano, de maneira que nos identificamos aos acontecimentos, aderimos a eles, sentimos sua verdade. Por exemplo, a dificuldade dos namorados de falarem a verdade (ou seja, que se amam) em “Bom Dia” é algo de que qualquer um partilha porque já passou por acontecimento semelhante. Ou quem é o filho que nunca sentiu vergonha do pai sem razão? Isso é o que se vê em “Viagem a Tóquio”.

Não é preciso que tenhamos experiência dessas situações, basta que saibamos de sua existência, claro. Talvez não sejamos como o médico que esconde da mãe que vem de longe visitá-lo o fato de não ser o homem de sucesso que ela imaginava (aí é o filho que tem vergonha de si mesmo). Talvez nem tenhamos conhecimento de alguém nessa situação. Não é necessário. O fato de ela ser possível nos vincula a ela e ao filme, embora não haja necessidade de nos sentirmos engajados no destino do médico.

Ozu é um inovador do cinema como poucos.

Há dias vi em um documentário Kiarostami dizer que havia visto seus filmes nos anos 1970 e gostado.

Mas só muito tempo depois percebeu o quanto eles o haviam influenciado.

Abbas mente muito nas entrevistas (no que faz bem, um dia falarei sobre isso). Despista. Mas esse era um documentário, acredito que tenha sido verdadeiro.

De certa forma, o sistema revolucionário que produziu com seus filmes tem em Ozu um elo forte.