Blog do Inácio Araújo

O Homem-Aranha começa outra vez

Inácio Araújo

Não posso concordar com o comentário dos colegas Barcinski e Alpendre no quadro do Guia da Folha.

Eles falam de “mais do mesmo”. Não consegui ver isso.

O Homem-Aranha que renasce nesse quarto exemplar é um outro.

Infelizmente é um outro, posso acrescentar.

Há, claro, o 3D. Não me acostumo muito ao 3D.

Se duas dimensões quebraram tão bem o galho para Leonardo, Michelangelo e tantos outros, porque precisariam nossos cineastas de uma dimensão a mais?

Mais real? Não consigo ver. O 3D é bom para filmar coisas sonhadas, ele dá justamente uma dimensão de irrealidade às coisas.

Mas voltemos ao Aranha, em que dimensão for. Em sua formulação original ele era um herói trágico. Salvava sua cidade, mas ninguém o compreendia. A polícia e a imprensa o perseguiam implacavelmente. No entanto, ele próprio alimentava com as fotos que tirava o jornal que o difamava.

Sua identidade era secreta. Não podia ser revelada à menina a quem amava, e não sendo revelada isso lhe trazia outros tantos problemas.

O Homem-Aranha vivia enrolado em sua teia, em suma.

Nada a ver com o novo Aranha. Desde logo sua namorada saberá de quem se trata. E se o pai dela é o chefe de polícia e dispõe-se a prender o rapaz, isso é uma coisa meio gratuita, meio sem sentido, e fadada a ser ultrapassada pelos acontecimentos.

Não há segredos, eu dizia, exceto em casa. Mas ali isso não faz nenhuma diferença, nenhuma diferença essencial.

Por último, há o opositor. O Lagarto. Desde o tempo do gibi um feroz inimigo, diga-se. Devo dizer que o Homem-Aranha é o único gibi de que acompanhei o nascimento. E me lembro da aventura contra esse inimigo. Chamava-se “Onde Rasteja o Lagarto”.

Terrível.

Desde já posso dizer que os esgotos do filme são bastante limpinhos, bem assépticos. Bem pouco esgotos, na verdade.

De todo modo, o inimigo é bom. Me parece que, quando o temos de longe ele é melhor, sua forma é terrível, quando visto de rosto, não: parece mais o Hulk do que outra coisa.

Se perde em caráter, se temos um Aranha domesticado, beirando a boçalidade mesmo, em troca o 3D nos proporciona sensações igualmente bobas, como a do Aranha experimentando suas novas qualidades aracnídeas e voando de cá pra lá, valsando de parede em parede, o que serve para justificar o 3D, mas não vai muito longe.

Por fim, diga-se que, com todos os senões, um filme como esse se deixa ver bem. Alegra a garotada no sábado-domingo. Não incentiva a prática de tiro ao alvo dentro dos cinemas, nem assassinatos. Preserva algo de profundamente incômodo, que é esse caráter mutante dos personagem. Dá até vontade de ver como seria um exemplar dirigido por David Cronenberg.