Blog do Inácio Araújo

O resgate dos trópicos

Inácio Araújo

“Tropicália” é o filme perfeito para encontrar os amigos na saída.

Antes podia ser na chegada também. Mas com esse papo de lugar marcado a gente só se vê mesmo na saída.

E é um pouco isso o que o filme de Marcelo Machado representa: o resgate de um momento em que o pensamento sobre o Brasil sofreu uma torção, em que no lugar do velho nacionalismo apareceu, ou reapareceu, a opção oswaldiana, a opção antropofágica.

Isso se deu simultaneamente em várias áreas, começando pelos concretos.

E não é um mérito menor do filme passar por todas ou quase todas as artes afetadas por esse movimento.

De certa forma, “Tropicália” faz eco com “Cara ou Coroa”, que evoca mais ou menos o mesmo período de forma inversa.

Quer dizer, “Tropicália” fala de uma música que rompe com certos critérios de maneira completamente vital num momento em que tudo era desfavorável. Caetano em Paris, em exílio, cantando “Asa Branca”, é de cortar o coração.

“Cara ou Coroa” começa por focar esse momento e essas coisas da política, a tortura, a repressão, o reacionarismo etc. Mas a isso sobrepõe a mesma vitalidade que havia naquele momento.

Por que esse momento, o da ditadura, nos afeta, afinal, tanto?

Se “Tropicália” (a música ajuda) se deixa compreender mais facilmente pelas pessoas mais novas, a questão, me parece, é a mesma.

Em ambos os casos, existia muito viva uma utopia.

Não importa julgar o que ela era, se certa, errada, isso não interessa.

Importa que o fim das utopias, nossa entrada no presentismo, isto é, nesta fase da humanidade que não vislumbra futuro, que se dedica apenas ao imediato, que quase se deleita a pensar no fim do mundo.

Enfim, eu proporia um belo programa duplo, de ficção e documentário: “Tropicália” e “Cara ou Coroa”. Um documentário, aliás, muito bem documentado. E uma ficção bem feliz.

Ambos nos levam a refletir sobre, justamente, o presente. O que nos falta, o que bate vazio, o que espera ser pensado neste mundo que se transforma muito vertiginosamente, mas parece suscitar mais do que tudo lugares-comuns (reacionários, se possível). São filmes até euforizantes, mas trazem ambos uma inquietação a transmitir a seus espectadores.