Blog do Inácio Araújo

Na Mostra e na TV

Inácio Araújo

Acho a Mostra 36 formidável e previsível.

Ou antes, previsivelmente formidável.

O melhor filme recente que vi foi Um Alguém Apaixonado.

Kiarostami é o artista que melhor responde ao mundo de hoje, às questões contemporâneas. Me parece.

E Um Alguém Apaixonado, esse filme sem começo nem fim, tem esse achado: primeiro, a gente mesmo tem que imaginar os personagens (como quando entramos no meio de uma sessão).

Depois, como bem disse o Tonacci, o final, abrupto, gruda em nós, fica na lembrança, com seu enigma.

Claro, há outros bons, Oliveira etc., mas Abbas para mim é o mais forte.

“Tabu” confirma Miguel Gomes como um cineasta com todas as possibilidades de se firmar como um dos grandes da Europa.

Kleber Mendonça começa com um filme realmente formidável, esse O Som ao Redor.

É desses que, de tão forte como estréia, dá até medo de que o autor não consiga tão já reencontrar~se num filme tão feliz. Mas como a bilheteria será mesmo baixa, os espectadores serão poucos e tal… Tudo bem… Ele pode até dar menos certo no futuro próximo que haverá tempo de se reencontrar.

Acho que estou falando besteira: o pessoal de Pernambuco não dá ponto sem nó, gosta e entende do que faz. Vai dar tudo certo.

Entre os filmes antigos:

“Raros Sonhos Flutuantes” é o último filme e a última obra-prima de Eizo Sugawa.

Quem viu, viu…

Não sei se a Fundação Japão tem cópia, se há jeito de passar o filme no programa da Mostra na TV… O certo é que é raro. Parece que não tem nem em DVD no Japão.

Os Deuses e os Mortos passou graças a Positif, comemoração dos 60 anos.

Depois de mais de 40 anos revi só os últimos 20 minutos.

Mais ou menos isso.

Mas não é o que importa.

Basta olhar um plano para ver a força, a convicção, a paixão, tudo que está envolvido na história.

E um minuto apenas basta para perceber que esse é um filme de sonoridade notável, absoluta.

É o melhor Othon Bastos.

Na obscuridade: um filme da opacidade, do mistério das coisas, do insolúvel do mundo…

Agora, precisa de restauro.

Se não restaurar, daqui a pouco vai ser um filme em preto e branco.

Na TV

Eleição para prefeito.

Nós, jornalistas, adoramos dizer que os candidatos não discutem programa, não falam de coisas sérias, etc.

O domingo de eleição era, portanto, um grande dia para entender um pouco essas coisas.

Liguei na Cultura atrás do TV Folha, mas só tinha a Cultura mesmo.

A cobertura era, aparentemente, uspiana: só professor.

Isso não ajudava em nada.

As questões eram: por que fulano ganhou? por que beltrano perdeu?

E, claro, chovem hipóteses, que é tudo que pode acontecer nessas circunstâncias.

Nem lá, nada do que existe ou existiu de profundo, por exemplo, na discussão sobre os bilhetes, ou sobre a organização da saúde na cidade conforme a visão de A ou de B.

Passemos à Globo News.

Horas e horas de programa.

E ali a pobre LoPrete tratando de tourear o melhor possível aquele comentarista de gravata, o Merval, aquele que entrou na Academia.

Ele é uma espécie de Galvão Bueno do comentário político, quer dizer, oscila entre a obviedade e a besteira.

Com nítida preferência pela besteira.

A horas tantas só faltou dizer que ganharem São Pauloera tão complicado para o PT, o Lula, a Dilma e não sei mais quem que o melhor teria sido perder…

E a LoPrete só toureando…

Mas ela não toureia o tal do Camarotti. O cara é o rei da futrica. Ele faz questão de mostrar que sabe, que conhece os bastidores, que fala com A e com B.

Se não falasse seria a mesma coisa, porque não entende patavina do que escuta.

Só a futrica.

Com isso, o programa passou horas falando de 2014. O que acontece com o Aécio, com o cara do PSB, com a mulher que patrocinou o Fruet…

E daí? Como o Fruet vê o mundo? O que tem a dizer a Curitiba? E Haddad?

Não podia ser alguns minutos, alguns apenas, sobre a maneira como concebe a cidade?

Isso parece não existir, não fazer sentido.

Parece que desinformar é uma espécie de missão.

Com isso, não estranha que ninguém se escandalize quando um desses vândalos dos programas de suposto humor pretendem, por exemplo, dar cigarros a José Genoino para ele fumar no tempo em que ficará na cadeia…

Não há nem o que dizer de uma coisa dessas: esses caras não é que não tenham noção do que seja ética. Não têm noção nem de etiqueta.

Ah, sim, e se fazem passar por jornalistas. E acham, com isso, que podem tudo.

Nossos problemas educacionais já foram parar nos programas de suposto humor.

A pergunta é: como foi se formar uma geração de gente tão mimada?

Ou antes: tão ignorantemente mimada.