Blog do Inácio Araújo

O que se move ou… Um Biscoito Fino

Inácio Araújo

Porque de uns tempos para cá a idéia difundida é que o cinema é que precisa correr atrás do público.

Vide RioFilme, GloboFilmes, Conspiração etc etc.

Todos esses querem saber “o que o público quer” e, em seguida, “dar o que o público quer”.

Mas desde quando o público sabe o que quer?

Nós somos aqueles que não sabemos: o artista é que indica, mostra, vai na frente.

Essa é sua função no mundo.

Mas é preciso separar o artista do fazedor. Fazedores há muitos. Artistas, nem tanto.

Eu digo isso depois de me encantar com “O que se Move”, o belo filme de Caetano Gotardo.

É um filme perfeito? Longe disso.

No primeiro episódio, sobretudo, há escolhas incompreensíveis: um menino que fica olhando meia hora para um cisne, para um cisne, enquanto a gente pede: “corta, corta, pelo amor de Deus”.

E, mesmo avançando no terreno pegajoso do verossímil, me pareceu bem incômodo uma família paulistana com um filho que fala que nem se tivesse crescido no interior, com uma outra família (ah, não, nenhuma relação com o terceiro episódio).

Há também algumas distâncias incômodas. Por que Cida Moreira entra em PP logo de cara? O que isso quer dizer?

As coisas aos poucos se acomodam. Compreendemos logo que ali há uma experiência estética, a busca de um entendimento das coisas.

Não é um desses filmes alienados que vivemos fazendo sobre vidas paulistanas.

Estamos no território Bresson. É justo que um estreante apanhe um pouco. Quase necessário.

E ao longo do filme mesmo as coisas melhoram. O elenco se ajusta. As distâncias também.

Algumas soluções de elenco se mostram muito, muito boas: O menino do terceiro episódio é notável.

Enfim, esse filme não correu atrás do que eu, público, queria. Eu é que tive de correr atrás dele. Que alegria, isso. Ir buscar um filme dentro de nós…

Pernambuco nos tem dado essa satisfação regularmente. São Paulo, muito pouco. Havia Anna Muylaert, por exemplo, mas isso não faz volume. É preciso outros filmes, outros artistas, de tal modo que o espectador compreenderá, pouco a pouco, que não quer tanto assim ver as ficções que a Globo exporta da TV, que a vida tem outras coisas a dizer.

Arrisco dizer que a massa ainda pode muito bem comer desse biscoito fino: o artista não pode correr atrás dessa massa. Ela é que virá atrás, interessada, lembrando que está viva.