Blog do Inácio Araújo

Sobre “Gravidade”

Inácio Araújo

(texto para a Ilustrada)

O programa a que se propõe “Gravidade” não é extenso, embora complicado: trata-se de mostrar, o mais realisticamente possível, a vida no espaço. E por “a vida no espaço” entenda-se que boa parte do filme de Alfonso Cuarón se passa fora de qualquer estação ou cápsula. A missão sobre a qual o veterano Matt Kowalski (George Clooney) tanto brinca que tem maus pressentimentos efetivamente passará por problemas – e não dos menores.

Ao lado de Kowalski está uma novata, a médica Ryan Stone (Sandra Bullock). Durante uma missão (dela) e um passeio (dele) fora da cápsula, as coisas começam a deteriorar. Seu equipamento principal é atingido por uma nuvem de detritos espaciais. A partir de então segue-se quase a rotina desse tipo de aventura: a deterioração sempre crescente, a possibilidade de uma salvação próxima, essa possibilidade se esvaindo em função de novos problemas. Etc.

Estamos no espaço, e a falta de gravidade é,já se vê, o menor dos problemas que nossos astronautas enfrentarão. Desde a falta de ar até a completa ignorância da dra. Stone da língua chinesa, tudo parecerá perigoso. Perigoso e bem resolvido do ponto de vista visual, que é o que essencialmente interessa.

Pois com “Gravidade” estamos na esfera do cinema-espetáculo. O desenvolvimento das personagens é mínimo. Mesmo os aspectos que podem comover alguém (por exemplo, os referentes à morte da filha da dra. Stone) não servirão para fazer ninguém chorar, exceto, talvez, ela própria.

Mas isso, em definitivo, não importa. O alvo de Cuarón é a pura aventura: estar no espaço, flutuar, contemplar a beleza (tudo isso no início). E mais tarde, ora ser jogado de um lado para outro no espaço, ora um corpo em velocidade tentar desesperadamente agarrar uma estação espacial, ora respirar com seu oxigênio se exaurindo.

O que Cuarón nos oferece é uma aventura quase sem transcendência, em que o essencial é sobreviver, mas também sem baixezas (não se serve do 3D para ficar nos atirando meteoritos no rosto, esse tipo de coisa). Seu ponto mais forte talvez seja a suave passagem de bastão de uma geração a outra: como Kowalski usará sua experiência para ajudar Ryan em sua luta pela sobrevivência.

A odisséia espacial de nossos astronautas não será um questionamento sobre quem somos nós, humanos, diante do espaço (universo) e do tempo, como no “2001” de Kubrick. Nem para reconstituir a real agonia relatada por “Apollo 13”. Mas é possivelmente o filme que até hoje melhor cria a idéia de como o homem e o espaço sideral se relacionam fisicamente. Um programa não extenso, mas cumprido: é mais do que nada.