Blog do Inácio Araújo

Tatuagem

Inácio Araújo

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Hilton Lacerda tem sido, anos a fio, um dos nomes centrais do cinema de Pernambuco, como roteirista.

Era quase esperado que seu primeiro filme fosse, como Tatuagem, um jorro, um expulsar de antigos fantasmas.

Tatuagem volta a 1978 para situar a república onde abriga toda a diversidade homossexual do mundo. Faz dela um lugar gay, quer dizer, alegre. Mas tenso também.

Estamos na ditadura. Mas o pior não vem disso: o homossexual é forçado a criar um submundo, que tem do poético e do sórdido, como modo de sobreviver aos preconceitos e provocações.

O filme tem um traço do último Pasolini, fesceninamente agressivo, agrupando corpos heterogêneos, produzindo um desfile de fantasmas que, no entanto, se opõem a algo de morto na vida da cidade, introduzindo subitamente a beleza num musical horrível.

Eu gosto do lado Pasolini, não gosto do Fellini, gosto menos, mas que importa? Hilton Lacerda se lança de cabeça em cada plano, e se sai bem. Filma uma relação amorosa homossexual e se sai bem, porque o faz com sinceridade e termina por convencer mesmo os céticos, como eu, de que poderia dar certo. Dá, porque é uma coisa apaixonada, verdadeira.

O filme é uma mistura de várias coisas. Há do bom e do menos bom. Mas é essa desigualdade que faz seu interesse, porque vem da inquietude.

Ao lado de que gostei muito colocaria a montagem, que introduz com tato as imagens envelhecidas.

Não curti muito o parti-pris fotográfico, muito escuro com frequência, como se faltasse luz.

E gosto dos momentos que se impõem pela insistência, como o gran finale, que eu comecei repudiando para depois sair entoando a musiquinha do TemCu.

É um filme de que saí com muitos espantos e poucas certezas. Uma delas é que Hilton Lacerda tem tudo para ser um cineasta complexo, vigoroso, inesperado.

Ah, claro, o primeiro Almodóvar está lá, claro. Isso tinha me escorregado da lembrança, mas estava registrado no blog do Egypto, com um texto muito mais preciso do que este aí, diga-se.

Ah,sim, e claro, não se vê este filme sem lembrar dos Dzi  Croquetes.

Mas uns Dzi Croquetes em versão mambembe, mais agressiva.

Nada, nada, nunca, que lembre o conformismo dominante.

Enfim, uma bela forma de acertar as contas com seus anjos e demônios, chutando a porta.

Dá para esperar pelo que vem por aí.

Cine Hollyúdi

Será essa a grafia?

E o autor do filme poderia sempre se perguntar sobre a grafia do cinema.

O filme cearense é bem primitivo. Mas tem um humor que lembra a TV brasileira de algumas décadas atrás, isto é, não é sórdido.

Repete-se muito e tal. Mas diverte o público simples. Tem uma singeleza interessante, apesar do palavreado que esteia o humor, mas insiste muito num linguajar supostamente local, no exotismo.

Em todo caso, eis um filme que ajuda bem a responder à questão insistente:

Será a neochanchada de hoje a chanchada do futuro?

Digo desde já: não, não e não.

Como os filmes dos Trapalhões continuarão sendo fracos (exceto os que não eram…)

Só se pode dizer isso sem perceber a inteligência e o talento implicados na chanchada. O artesanato de Carlos Manga, a inteligência de José Carlos Burle.

Digo: vamos rever De Vento em Popa, Depois eu Conto.

Ou qualquer Zé Trindade…

Havia inteligência, pulsação, força. Onde nas globochanchadas há cálculo, padrão, essas coisas.

O filme cearense me fazia lembrar um pouco do cinema de bordas, com sua sinceridade comovente, mas alguns degraus acima, e também com sua simplicidade um tanto canhestra, mas ao mesmo tempo cativante, que envolveu bastante o público que lotou a sala do Espaço Pompéia.

Aliás, que cinema: lotado lotado lotado. Gente pra todo canto. Um shopping frequentadíssimo. Para o meu modo de ser, com franqueza, infrequentável…