Blog do Inácio Araújo

Bouvard e Pécuchet ou No Reino do Lugar-Comum

Inácio Araújo

Illustration from 'Bouvard et Pecuchet' by Gustave Flaubert (1821-80) (coloured engraving)

Às vezes, os dois parceiros criados por Flaubert encarnam em um cara só.

No momento, em alguém que me inclui numa estranha lista do que chama de “esquerdistas reacionários”.

Deve ser porque eu admiro Howard Hawks e Godard, ou Robert Bresson e Buñuel, Céline e Primo Levi ao mesmo tempo.

Enfim, o conceito ainda é vago, embora não desinteressante como lugar comum.

“Put it on a paper”, como dizia um professor diante de coisas absurdas.

Isto é: convém esquecer esse tom de estar revelando de um grande segredo.

Em vez, escreva uma tese a respeito.

Ou aprenda com esse grande reacionário de direita que foi Griffith: Intolerância é o nome do filme.

Jovem e Bela

A verdade é que de um mês para cá o cinema melhorou muito.

Mas não incluo nessa melhora o filme mais recente de François Ozon.

Me parece coerente com sua inquietação com o corpo.

Por conta dela gostei muito de um filme de que ninguém gostou, sobre um menino que nascia com asas.

A garota de Jovem e Bela também nasce com asas.

No entanto, tenho a impressão de que o filme é que não voa.

Ameaça esse lado esquisito do Ozon, mas acaba ficando ali, como um Belle de Jour envergonhado de evocar Buñuel.

Azul É a Cor Mais Quente

O filme que ganhou a Palma de Ouro. Fiel ao meu princípio de não furar a Folha, não vou me deter sobre um filme sobre o qual devo escrever para a Ilustrada.

Mas um trailer vale: o filme de Abdellatif Kechiche me pareceu um exemplo de inteligência, de filme em que a pergunta central é “o que é um homem?” (vale para mulheres também). O que é estar à altura de si mesmo? Porque ser homem não é um dado da natureza, mas uma conquista cotidiana.

Essas questões hawksianas Kechiche capta classicamente: como se não houvesse cinema antes. Sem comentar o cinema, as imagens, nada. Está perfeitamente confortável dentro daquilo a que se propõe.

Além dos Limites

Um filme americano-isrealense-palestino sobre amor homossexual entre um judeu e um árabe.

No começo sugere uma bobagem interminável.

Mas engrossa na medida em que as intolerâncias de parte a parte engrossam e invadem a vida privada.