Blog do Inácio Araújo

A Cara do Massacre

Inácio Araújo

A primeira coisa que fiz foi passar reto pelo vídeo do cara que provocou o massacre de Realengo. Não queria ver aquilo, a cara dele, e muito menos ele falando.

Foi a história da internet que me fez mudar de idéia. Claro que não é o fato de estar ligado na internet que o leva a adquirir tendências homicidas ou suicidas.

Será a religião?

Como em muitos outros casos, fiquei com a impressão de que a religião é uma fachada para outros problemas.

Ele faz uma salada de Corão, Bíblia, retórica dos programas evangélicos da TV ou manifestos da Al Qaeda.

Mas tudo é afinal muito laico: o problema são as mulheres, as meninas que em algum momento devem tê-lo esnobado e feito sofrer. O bullying, segundo ele.

O cara pode ser louco, mas absorve a retórica que rola na mídia rapidinho.

Essas idéias circulam como as do dr. Mabuse. Quem assistir “O Testamento do Dr. Mabuse” notará a semelhança: Mabuse, preso, escreve loucamente na sua cela. E esses papéis, essas ideias que têm o poder como centro, hipnotizam, sim. E hipnotizam os caras que nem esse de Realengo, de cabeça fraca, digamos assim.

Não foi à toa que os nazistas tiraram o filme de circulação. Eles sabiam que o Fritz Lang, de algum modo, se referia a eles.

O cara do massacre fala como leitor desses blogs tipo Bruno Fascistinha que existem às pilhas por aí. Profissionais ou amadores, tanto faz.

* * *

Agora é o bullying a questão: o mal do século dos próximos meses.

Não é que não exista. Não é que não seja desagradável.

No meu tempo de escola, se o cara era muito branco chamavam de Coalhada; se era mais escuro, chamavam de Tição; se era gordo, virava Pudim. As garotas feias eram maltratadas pelos caras, que nem deve ser até hoje. As bonitas nos maltratavam, até porque na adolescência é difícil saber o que fazer com a atração que se exerce.

Pelo que entendi, o cara não era puro. Não tinha nada de puro (quem tem?). Ele não pegava nada e aí ficou desse jeito, resolveu que as mulheres são o mal do mundo, essa coisa toda.

Coisas assim rolam de fato na internet, e muito, porque as pessoas falam qualquer coisa, colocam ali suas frustrações, ressentimentos, ódios, mas fica só isso, um desabafo, uma manifestação subjetiva, nenhum conceito, nada de aproveitável, em resumo.

Agora vem a criminalização do bullying.

Claro que é uma coisa condenável, eventualmente horrível. Mas a exagerar, vamos pretender buscar na Justiça indenização e pena para cada um de nossos sofrimentos.

O bullying, como se diz, é o ato de importunar o outro, seguidamente, seja por qual motivo for. O motivo é o de menos: inventa-se. O importante é dar saída para a agressividade. Todos temos, inclusive “o puro”. Sobretudo “o puro”.

O importante é o que se faz com isso. Agora há pouco li no Uol que James Joyce sofreu bullying. Grande novidade. Quem não sofreu? Quem pode passar pela adolescência sem sofrer?

O Joyce foi ser o Joyce, não matou ninguém. O cara de Realengo fez diferente: não é que a internet forme boçais. Ela os agrupa, é da sua natureza. Também agrupa outras categorias de pessoas.

O cara de Realengo, essa confusão mental absurda, mas essa ritualística voltada para a câmera, essa espécie de terrorismo iconográfico, que no fundo se copia de Hitler e do nazismo, tudo isso ele tinha.

* * *

Na hora do luto a gente fala muita besteira. É quase indispensável ao luto.

Eu mesmo reclamei da segurança na escola pública.

Concordo com quem disse, como a Patricia, que a escola pública (ou não) não deve se tornar um bunker.

No mais, a catástrofe, pelo que li, teria acontecido de qualquer modo.

Mas fiquei aliviado, hoje, quando vi uma turma de alunos de escola pública transitando pela rua com dois PMs atrás, fechando fila, e depois parando o trânsito para elas passarem: é preciso que as crianças sejam protegidas. E que tenham condições de aprender, claro.

* * *

Como nessas horas se fala muita besteira, Sarney desencavou o plebiscito sobre armas de fogo.

Bem: passado o impacto, as pessoas serão contra de novo.

Não adianta dizer, racionalmente, que isso é mais perigoso: ninguém vive se não tiver a sensação de segurança, por falsa que seja.

* * *

Último ato: por venderem uma arma já foram presos três.

Aonde se vai chegar com isso? A absolutamente nada.

  1. Inácio Araujo

    21/04/2011 12:52:07

    Ricardo, respondo a você e mais a alguns outros. Se dei a impressão de ser a favor do bullying foi por engano de escrita. Eu sou evidentemente contra. Apenas não acho que sair por aí matando as pessoas seja uma resposta adequada.

  2. Inácio Araujo

    21/04/2011 12:49:59

    Veja bem: eu não sou a favor da violência, nem da bulinagem, nem da prática de maldades, nem do racismo ou da molestação de crianças. Bem pelo contrário. Conheço essas dores e essas marcas. Sei que um garoto ou garota se afirma pela destruição do outro. Se for possível reprimir a agressividade humana, especialmente essa da infância e na adolescência, seria ótimo. Mas, desculpe, eu sou bem pessimista a esse respeito: mais importante será fazer tratamentos da psique que ajudem a conviver com isso, pois não se supera. Mas o que quis dizer é que das dores é que se tira, também, a força. Isso não quer dizer que as dores desapareçam.

  3. Yara Azevedo

    17/04/2011 08:49:14

    Você de luto, Inácio, soltou notas afinadíssimas. Gostei muito."mas eu achava que, se da corda de um alaúde – esticada até o limite – se podia tirar uma nota afinadíssima..." (Raduan Nassar)

  4. karla

    16/04/2011 00:51:39

    muito simplista

  5. Andre

    15/04/2011 18:51:28

    tentando publicar o resto....

  6. Andre

    15/04/2011 18:46:19

    Pela milésima vez, tentando enviar o comentário - já sei, deve ser problema de caracteres, então picotei.1- É preciso pensar melhor o que chamam de bullying. Joyce foi vítima de bullying?? ele passou um ou dois anos sendo humilhado publicamente (ou não), sem condição psicológica de reagir?2- Ser chamado de Cabeça de Melão, Tição ou Coalhada (risos) não é bullying. Se entre amigos, é parte positiva até da convivência. "Quem não sofreu bulliyng"? A maioria dos alunos - a menos que provem que ser chamado de um apelido ou ficar de fora da equipe de futebol seja isso (aí confesso que pratiquei bullying sem parar - risos). continua

  7. Andre

    15/04/2011 17:54:59

    Olá, enviei umas 3 vezes o mesmo comentários, há tempos. Comento com alguma frequencia, nem sempre. Algum problema técnico (com o teor, sei que não há nenhum). abraços.

  8. Fernando Pereira

    15/04/2011 13:55:11

    Foi um excelente desabafo, que eu concordo plenamente com isso!Hoje tudo que acontece, vem um tal de bullyng, justificando certas atitudes de individuos, que agiram assim por conta de ter sido maltratado quando criança na escola, ou ter sofrido algum tipo de preconceito e mais....Se fosse assim quem seria James farmer, professor Melvin Tolson que eram negros, nos estados unidos na epoca, os negros eram bastante perseguido... eram apedrejados, queimados e nao havia lei alguma para punir essas pessoas.E eles foram pessoas brilhantes que chegaram longe, axo que o ocorrido em Realengo foi um absurdo total... uma pessoa fraca que com uma mente pscicopata fez um absurdo, matou 12 inoscentes que foram estudar em uma escola e acabaram mortos. Nao eram meninos de rua que estavam se drogando e sim jovens que estavam indo estudar, aprender a ser alguem melhor na vida. Isso e um absurdo imenso, que o Brasil todo parou para ver essa indignacao!O que eu posso dizer a todos é que, isso me deixou muito triste... e que força a todos os familiares que perderam seus ente queridos!

  9. Milton do Prado

    15/04/2011 11:23:02

    Oi, Inácio. Realmente há um pânico atual exagerado com a história de bullying, mas isso talvez ocorra como resposta ao silêncio que havia antes. Uma coisa é o cara ser chamado de Tição, outra é ele apanhar por meses (ou anos) por ser o negro (ou o "mais negro") da turma, que é o que eu presenciei na minha escola.Também acho que isso não explica (nem justifica, evidentemente) nada, nem procurar UMA explicação. O que houve foi uma combinação de bullying, confusão (doença?) mental, solidão, mau uso da internet, fácil acesso às armas e outros motivos que não saberemos nunca.De resto, achei teu texto foi um ótima contribuição para reflexão sobre o fato.

  10. pedro noizyman

    15/04/2011 10:54:10

    Olá Inácio, tudo bem?Sobre o bullying tem esse texto escrito por uma mulher que foi de vítima a praticante. Bem contundente e esclarecedor. Se der, dá uma lida.http://malvadezas.com/2011/04/03/olha-pra-mim-retardado-2/Grande abraço e parabéns pelo blog, do qual sou assíduo.Pedro

  11. marcos nunes

    15/04/2011 10:12:21

    Uma sociedade de controle passa por ser necessariamente uma sociedade de imagens. O problema maior não é a bulinagem, mas o fato dele ser registrada não somente nas retinas e nos corpos de quem a sofre e pratica, mas o fato dela ficar registrada em imagens, mesmo quando não é fotografa e filmada. Quando a imaginação aprendeu a se estruturar pela imagem, ela a multiplica mesmo quando não há registro factual: a narrativa a recria e imprime socialmente seus elementos, envolvendo as vítimas da bulinagem com o estigma do registro inapagável. O controle é uma faca de dois gumes: protege ao mesmo tempo em que vitima. A obsessão pelo registro pode prever o crime como yambém planejá-lo. No "Mundo Livre", a condição de sustentabilidade é o apartheid de imagens catalogadas, estratificadas, postas em guetos que se difundem através da Internet e criam identidades que, espalhadas por web câmeras, se permitem a tudo ao refletirem tudo.

  12. Lauro

    15/04/2011 03:04:38

    Inácio, sou seu fã, mas acho que você deveria se informar mais sobre bullying antes de dar a sua opinião. Pessoas próximas a mim foram vítimas dessa prática e carregam até as marcas do sofrimento. A experiência do bullying é traumática e pode ter repercussões muito graves no longo prazo. Em entrevista que vi recentemente na tv francesa, uma psicóloga relatava o quanto eram frequentes os casos de suicídio de pessoas que sofreram o bullying na infância/adolescência. É claro que isso não explica, e muito menos justifica, os atos do assassino. Mas se algo de positivo pode sair dessa tragédia é justamente alertar a sociedade para a ocorrência dessa prática nas nossas escolas. As instituições de ensino são absolutamente omissas e precisam ser responsabilizadas ou novas tragédias irão acontecer.

  13. Ricardo

    15/04/2011 00:43:38

    Bullyng... Todo adolescente já foi vitima e já praticou de alguma forma, isso é da natureza deles... Eu sei, eu fui adolescente, assim como todos. Porem, o que não podemos nos deixar a levar que qualquer ação, como descrito acima, de se chamar um branquelo de copo de leite, leite azedo, polaco (EU), seja considerada Bullyng. Bullyng é o exagero, e todos sabemos que o exagero em tudo é prejudicial. Exagero no achismo, no protecionismo! Um asolescente tem que aprender a se defender, e se qualquer piadinha de colegio for transformada em bullyng com professores, pais e sei la mais quem transformando isso num circo, imagine o que a "vitima" vai aprender? que qualquer coisa pode correr pra saia da mãe!

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