Blog do Inácio Araújo

Arquivo : November 2013

Na Papuda
Comentários Comente

Inácio Araújo

papuda

Não sei porque, algo soa muito estranho no presídio da Papuda.

A toda hora, as prisioneiras Simone não sei do quê e uma outra aparecem “tomando banho de sol”.

Tenho minhas dúvidas: elas são vistas tomando banho de sol.

Mas pode-se exibir imagens de prisioneiros assim sem mais nem aquela?

Isso não atenta contra a dignidade delas?

Elas têm que se submeter à exposição?

Ou por outra: prisioneiros não têm qualquer direito?

É essa a ideia?


Hilton Lacerda fala de seu “Tatuagem”
Comentários Comente

Inácio Araújo

tatuagemhilton15451082

Agora que o blog está para acabar me veio essa ideia de pedir a realizadores de que me sinto próximo para que falem bem à vontade sobre seus trabalhos. Hoje é a vez de Hilton Lacerda, do estranhamente belo e envolvente “Tatuagem”

Entrevista de Hilton Lacerda ao blog.

Você tem sido roteirista por vários anos, desde pelo menos “Baile perfumado”. Como sentiu a passagem à direção?

Apesar de estar mais diretamente ligado ao roteiro, a direção sempre esteve presente em meu horizonte. Desde os curtas que dirigi (“Simião Martiniano, O Camelô do Cinema” e “A Visita”), os documentários para a TV e o próprio “Cartola – Música Para Os Olhos”, onde divido a direção com Lírio Ferreira, o que sempre me guiou foi o processo narrativo do cinema. – e isso levando em consideração todas as nuances que a narração pode trazer. Na grande maioria dos roteiros que trabalhei, acredito que a cumplicidade com a direção e a produção foi fundamental para a construção dos projetos. E quase sempre estou no set, conversando com a direção, com o elenco… Acho que é uma mecânica que interessa para nosso grupo, quando isso é possível. E isso para, juntos, aproveitarmos o máximo nossas contribuições. E no meio de tudo o embate, a defesa, a problemática.

Mas a natureza do roteiro é bastante diferente da direção. E no filme o que mais interessa é onde você coloca seu olhar, seu enquadramento, sua noção narrativa. Então, passar de uma função para outra, principalmente na complexa produção de um longa-metragem de ficção, me puxou para uma responsabilidade mais apurada. Mais autônoma. E muito mais excitante. Costumo brincar dizendo que agora já não posso culpar possíveis deslizes do outro para me justificar.

A passagem do roteiro para direção tem, para mim, uma tomada de posição. E o “Tatuagem” escrevi com essa intenção. Com a idéia de colocar ali minhas convicções narrativas e minha imensa paixão ao cinema brasileiro. Uma prestação de contas comigo mesmo e usado o público como cúmplice.

Vendo “Tatuagem” me pareceu um filme por tantos motivos distante e próximo ao mesmo tempo de seus outros trabalhos. Próximo, por exemplo, de certo gosto iconoclasta do Claudio Assis, por exemplo. E ao mesmo tempo bem diferente, talvez mais próximo do último Pasolini… Ao mesmo tempo, tive a impressão de uma estrutura bem livre, bem pouco roteirizada, no sentido de uma organização prévia estrita. Não estou certo do que digo, por isso pergunto como você vê seu novo trabalho, deste ponto de vista…

A liberdade que tenho nos trabalhos com Cláudio Assis, que costumo usar como referência, pois temos uma produção mais contínua – pelo menos uma trilogia palpável – permeia algumas de minhas investigações com relação ao cinema e suas possibilidades. Mas claro que Claudio é uma personalidade muito específica, tem um furor imensamente criativo e iconoclasta. Ele é sua principal marca. E diante disso a paixão de trabalhar com ele passa por essa troca, por esse respeito de um libertar o outro em relação as suas funções. Mas mesmo aí tenho uma afeição muito grande pelo roteiro. Sei que está bem em voga a busca pela libertação das amarras da escrita, da criação no momento etc. e tal. Mas não consigo escrever levando isso em consideração. Não acho que o roteiro cinematográfico seja uma receita de bolo. Perco muita energia e atenção construindo detalhes, imaginando passagens, detalhando ambientes, dando formas a personagens…  Não que isso seja uma fórmula, ou que deva ser cumprida por quem dirige. Provavelmente é um defeito de quem, quando jovem, gostaria de fazer cinema, mas não tinha instrumentos.

Tudo isso é para dizer que a estrutura na qual trabalhamos não foi “bem livre”, mas foi trabalhada para que o filme exalasse essa liberdade. Claro, estávamos mexendo com elementos que nos permitiam interferências muito interessantes. O próprio teatro anárquico, a utilização do público nas apresentações do Chão de Estrelas (este não sabia os números que veriam durante as filmagens; queríamos surpreender nosso elenco de apoio). Além de experimentar uma vivência entre o elenco – principalmente do grupo de teatro – que nos emprestasse uma intimidade maior que o tempo que tínhamos para prepará-los. E ali tínhamos atores, bailarinos, fotógrafos… E o grupo tinha participação ativa na construção do espaço, na execução dos figurinos e fantasias. E o grupo, durante as semanas de preparação, montou os textos teatrais que estavam no roteiro. E isso foi um dado importante: trazer os atores pelo teatro, mas colocá-los numa dimensão cinematográfica.

E os atores trouxeram uma carga de participação muito impactante. Claro que várias passagens vieram da liberdade desses atores durante as filmagens, as gags, as brincadeiras… Não existia uma prisão, obviamente. Mas uma intenção muito clara de não perder de vista o que me interessava.

Como foi o trabalho com Irandhir? Foi a primeira vez, acho, que o vi fazendo travesti, e achei extraordinário. O momento em que ele canta é de uma força muito grande…

Irandhir Santos é um ator com quem mantenho uma afinidade muito grande. Gosto muito de sua conduta, de sua entrega, de sua generosidade. Um animal cinematográfico bem robusto. E o tipo de ator que você conta como parceiro. Como parte dessa cumplicidade que já falei anteriormente.

Quando escrevia o roteiro já imaginava Irandhir como o personagem Clécio. Ele só veio a saber disso quando o convidei para o papel. A partir daí estreitamos nossa amizade, nossas conversas, nossas intenções. Ele foi uma peça bastante importante na preparação do filme. E peça fundamental, junto com Amanda Gabriel – que nos ajudou na preparação do elenco –  a excitar o resto do elenco em busca de uma tomada de posição sobre o que fazíamos. Ele provocava a ação do gesto na construção desse corpo político. Apesar de se passar no fim dos anos setenta, tinha uma discussão sobre pós-gênero que ele entendeu muito rapidamente. Parte importante de nosso projeto da corrupção do olhar.

Ainda a propósito desses momentos: o musical está bem presente em “Tatuagem”, não? Mas não como instituição familiar. É uma espécie de musical a serviço da subversão, ou de subversão do musical, talvez… Ou ambos?

Desde o início do “Tatuagem”, quando ele ganhou uma forma em torno de um grupo de teatro, o musical estava rondando nosso projeto. Claro que um musical subvertido, repensado como processo narrativo, mas que essa junção não tivesse uma leitura fácil. E que bebesse em alguns filmes brasileiros que tocassem nessa questão. E aí é bom lembrar, de maneira muito pessoal, como foram importantes o “Sem Essa Aranha” (Sganzerla) e “A Lira do Delírio”* (Walter Lima) na busca dessa atmosfera. E assim, subvertendo um gênero o colocamos a serviço da subversão.

DJ Dolores, parceiro de longa data, foi acionada para dar musicalidade às idéias que estavam no roteiro. A maior parte da trilha teve que ser composta para ser interpretada nas filmagens. E todas foram gravadas ao vivo, no set. A única dublagem que temos é a da música Álcool, interpretada por uma transformista (Diego Salvador, integrante da trupe).

* apesar de Mair Tavares ter montado meus dois curtas e o “Cartola”, não é a toa que ele também assina a montagem do “Tatuagem”.

Existe, ainda desse lado da subversão, alguns momentos bem fortes, em que chocar parece ser o objetivo final, como no número final, o das bundas, ou no da transa entre dois homens. Parece que o filme, nesses momentos, visa de maneira explícita tirar o espectador de sua letargia de espectador, de seu conforto. É mais ou menos isso?

O que pode ser chocante para alguns talvez não esteja em meu rol de preocupações. Mas tenho a dimensão daquilo que demove um olhar mais conservador. E não pela violência. Acredito que nos dois casos que você cita, o da Polka do Cu e as cenas de sexo entre Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos – com certo grau de ingenuidade no número musical e de afetividade nas cenas de sexo – existe o propósito de provocar o espectador a sair da letargia e do conforto. Podemos lançar mão de várias artimanhas para atingir um alvo, um interesse. E em cinema sempre me pareceu interessante como podemos nos constranger pelo outro. Como temos vontade de fechar os olhos para não sermos atingidos por determinada imagem. Mas aí duas conflituosas forças entram em cena. Uma mais reativa, que é a moral quando colocada em cheque. A outra mais provocadora, que é nossa ética, quando colocada à prova. A tentativa do campo de batalha.

“Tatuagem” foi realizado com uma intenção bastante política no sentido de provocar, de estabelecer discussão que não esteja na superfície do que você vê.


Missa Profana
Comentários Comente

Inácio Araújo

tatuagem

A cada dia Tatuagem me interessa mais, ou me fascina mais.

É estranho, porque isso acontece meio em paralelo com essas sessões de STF que aparecem na TV: há um quê burlesco ladeando todas aquelas formalidades que o Joaquim Barbosa bota de escanteio, meio como se fosse um Grouxo Marx sem humor.

E o Irandhir, ao contrário, monta no filme um burlesco, com travestis, máscaras, coisas que poderiam parecer Fellini caso não fosse uma agressividade de Pasolini no fim da vida, mas desse burlesco decorre uma solenidade estranha, subversiva, como de um sacerdote numa missa profana.

Isso me chama mais a atenção hoje porque ouço notícias da eleição no Chile, onde se pode usar as cédulas para protestar.  Aqui temos urna eletrônica e a TV vive se vangloriando desse vanguardismo que, aparentemente, não interessa a mais ninguém.

Ele existe porque somos um povo terrivelmente submetido ao autoritarismo. E a urna eletrônica é a excelência tecnológica desse autoritarismo. Ali não se usa a urna para protestar. Só se pode votar. Os nulos não são contados, como se não existissem. A contagem não se deixa recontar.

E Tatuagem se faz de belezas e garranchos. Contra essas coisas. Contra o bemfeitismo também.


Tatuagem
Comentários Comente

Inácio Araújo

tatuagem2

Hilton Lacerda tem sido, anos a fio, um dos nomes centrais do cinema de Pernambuco, como roteirista.

Era quase esperado que seu primeiro filme fosse, como Tatuagem, um jorro, um expulsar de antigos fantasmas.

Tatuagem volta a 1978 para situar a república onde abriga toda a diversidade homossexual do mundo. Faz dela um lugar gay, quer dizer, alegre. Mas tenso também.

Estamos na ditadura. Mas o pior não vem disso: o homossexual é forçado a criar um submundo, que tem do poético e do sórdido, como modo de sobreviver aos preconceitos e provocações.

O filme tem um traço do último Pasolini, fesceninamente agressivo, agrupando corpos heterogêneos, produzindo um desfile de fantasmas que, no entanto, se opõem a algo de morto na vida da cidade, introduzindo subitamente a beleza num musical horrível.

Eu gosto do lado Pasolini, não gosto do Fellini, gosto menos, mas que importa? Hilton Lacerda se lança de cabeça em cada plano, e se sai bem. Filma uma relação amorosa homossexual e se sai bem, porque o faz com sinceridade e termina por convencer mesmo os céticos, como eu, de que poderia dar certo. Dá, porque é uma coisa apaixonada, verdadeira.

O filme é uma mistura de várias coisas. Há do bom e do menos bom. Mas é essa desigualdade que faz seu interesse, porque vem da inquietude.

Ao lado de que gostei muito colocaria a montagem, que introduz com tato as imagens envelhecidas.

Não curti muito o parti-pris fotográfico, muito escuro com frequência, como se faltasse luz.

E gosto dos momentos que se impõem pela insistência, como o gran finale, que eu comecei repudiando para depois sair entoando a musiquinha do TemCu.

É um filme de que saí com muitos espantos e poucas certezas. Uma delas é que Hilton Lacerda tem tudo para ser um cineasta complexo, vigoroso, inesperado.

Ah, claro, o primeiro Almodóvar está lá, claro. Isso tinha me escorregado da lembrança, mas estava registrado no blog do Egypto, com um texto muito mais preciso do que este aí, diga-se.

Ah,sim, e claro, não se vê este filme sem lembrar dos Dzi  Croquetes.

Mas uns Dzi Croquetes em versão mambembe, mais agressiva.

Nada, nada, nunca, que lembre o conformismo dominante.

Enfim, uma bela forma de acertar as contas com seus anjos e demônios, chutando a porta.

Dá para esperar pelo que vem por aí.

Cine Hollyúdi

Será essa a grafia?

E o autor do filme poderia sempre se perguntar sobre a grafia do cinema.

O filme cearense é bem primitivo. Mas tem um humor que lembra a TV brasileira de algumas décadas atrás, isto é, não é sórdido.

Repete-se muito e tal. Mas diverte o público simples. Tem uma singeleza interessante, apesar do palavreado que esteia o humor, mas insiste muito num linguajar supostamente local, no exotismo.

Em todo caso, eis um filme que ajuda bem a responder à questão insistente:

Será a neochanchada de hoje a chanchada do futuro?

Digo desde já: não, não e não.

Como os filmes dos Trapalhões continuarão sendo fracos (exceto os que não eram…)

Só se pode dizer isso sem perceber a inteligência e o talento implicados na chanchada. O artesanato de Carlos Manga, a inteligência de José Carlos Burle.

Digo: vamos rever De Vento em Popa, Depois eu Conto.

Ou qualquer Zé Trindade…

Havia inteligência, pulsação, força. Onde nas globochanchadas há cálculo, padrão, essas coisas.

O filme cearense me fazia lembrar um pouco do cinema de bordas, com sua sinceridade comovente, mas alguns degraus acima, e também com sua simplicidade um tanto canhestra, mas ao mesmo tempo cativante, que envolveu bastante o público que lotou a sala do Espaço Pompéia.

Aliás, que cinema: lotado lotado lotado. Gente pra todo canto. Um shopping frequentadíssimo. Para o meu modo de ser, com franqueza, infrequentável…


Breaking Bad, Ano 5, capítulo 7
Comentários Comente

Inácio Araújo

bbsaymyname

Não segui Breaking Bad porque você tem de ter um horário para assistir, saber o canal etc. e tal. Eu sobretudo não tenho esse tempo.

Faz algum tempo que meu filho chamou minha atenção para ele. Desde então tenho visto fragmentos, com ele.

Bem, foi sem ele, que nesse momento estudava seu violão, que vi um capítulo inteiro. Verdade que atrapalhei seu estudo uma vez para perguntar quem era quem na trama!

Alguns momentos: Walt senta-se à mesa. Sua mulher está na outra extremidade. Ele prepara o prato e comenta algo. Ela não responde, dá o tempo do não responder, pega o prato, o copo e levanta-se em silêncio.

É assim que se propõe a crise conjugal. Não com gritos, explicações, acusações etc. Com silêncio.

Mais tarde, Mike, um dos gangsters, se vê vigiadíssimo pela polícia. Pede a Walt que pegue uma sacola num carro e leve até ele, em outro carro. Walt, o chefe, o ex-professor de química, faz isso.

Mike recebe a sacola, abre-a, percebe que o dinheiro está lá, assim como a cartucheira, mas não o revolver. Então, Walt, do lado de fora, chega perto do vidro com o revolver e dá um tiro no próprio capanga.

Para sua surpresa, o carro arranca. Eles estão num quase descampado, perto de um rio. Logo o carro bate numa árvore ou coisa assim e para. Walt vai até lá, a porta está aberta, Mike não está mais lá.

Com todos os cuidados de praxe, Walt o busca. Encontra-o sentado, próximo do rio, exaurido, com uma bala na barriga, sangrando.

Walt esboça uma explicação do tipo “por que você fez isso? Não precisava ser assim etc.” Mike diz, sem se virar: “Fica quieto. Deixa eu morrer em paz”.

Ok, a descrição é simplória, elimina um monte de coisas.

Mas não importa: basta ela para sugerir como é invulgar esse seriado. Pior: como ele faz o que o cinema parece já incapaz de fazer. Mostrar as pessoas, seus gestos, seus silêncios, suas pausas.

Nós, em suma.

Os espectadores, não sem razão, ocupam-se cada vez mais dos seriados.

Nos seriados ainda se sabe filmar, ainda se retém o que o cinema ensinou, se tem noção do cinema e dos corpos.

O cinema cada vez mais se ocupa do que não existe.


Frances Ha está com tudo
Comentários Comente

Inácio Araújo

Frances-Ha-e1382045245223

Às vezes eu ficava vendo outros filmes, há muito Truffaut ali, há Godard também, a própria música evocando Georges Delerue forçava isso.

Mas Frances Ha é ele mesmo, como filme, assim como Frances Ha, a personagem. Todo o tempo fiquei seduzido pelo ritmo, pelas alternâncias de situação e lugar, pela inquietação que move as personagens.

O filme serve às personagens, mas com que leveza nos conduz a um olhar agudo sobre eles, sobre o mundo tal como se desenha aos vinte, vinte e poucos anos.

Há, por um lado, a amizade sólida (desculpe, me foge o nome da amiga), as rupturas, as buscas de caminho. Há os encontros fortuitos que podem se tornar duradouros, profundos. Há a luta para pagar o aluguel, sem dúvida. E a perspectiva, sempre, do fracasso: do não ser aquilo que pensamos e sonhamos que éramos.

Frances é tudo isso: aquela que dá suas cabeçadas, em busca daquilo que deseja, mas também a menina que sai dançando pela rua.

Provas de que é completamente fora do convencional:

1. O  sexo não é uma obsessão das personagens (principais ou secundárias);

2. Frances é capaz de deixar Nova York e ir a Sacramento para o Natal em família e a festa é de aproximação. É feliz, pode-se dizer.

Que diferença de “Bling Ring”, que parece se deliciar mais à medida que seus personagens se deterioram…

E já nem falo daquele documentário infeliz sobre a moça brasileira que se matou ao tentar a sorte em Nova York…

É  filme de um tal frescor que, por um vez, o preto-e-branco não me incomodou nem me pareceu forçado (aliás, que linda fotografia P&B).

Eu nunca conseguia ver esse filme (problema de horário meu ou do cinema…). Agora quero rever e rever…


Exercícios do Caos
Comentários Comente

Inácio Araújo

marcha

Não é, não por enquanto ao menos, do filme maranhense de Frederico Machado que se pode falar.

O caos vem das decorrências do artigo de Antonio Prata na Folha e, sobretudo, de suas decorrências na coluna dos leitores. Está ficando cada vez mais maluco.

Vejamos o que diz o leitor Sebastião Feliciano, de Taubaté, na edição de terça, 5/11:

“Como assinante da Folha, estou decepcionado. Não fica bem pegadinha de mau gosto, que nada acrescenta à credibilidade do jornal. Senti-me traído, pois elogiei a coluna de Antonio Prata (“Guinada à direita”), já que com ela concordei no que se refere à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que é o que estamos precisando no momento. O Brasil necessita urgentemente de um governo forte, capaz de pôr fim à corrupção, entre outros grandes males que precisam ser combatidos.”

Minha dúvida agora é a seguinte: o Antonio Prata propôs um texto cheio de ironia, que muitos leram como sendo sua sincera opinião.

É um pouco espantoso: um texto daquele não nasce na cabeça de alguém da noite para o dia.

Mas o que propõe o leitor?

Será que está de gozação? Ou será que é mesmo a favor da tal Marcha?

Caramba: nem o papa sabe mais o que é a família, como ela se compõe, até ele já declarou ter momentos de dúvida, será que o leitor marchará com Deus, e quem é ele? e com a família, mas que família?, e pela liberdade?

Será tudo isso um repique do texto do colunista?

Será um humorista que nasce na cidade da minha avó ou será que ele acredita mesmo nisso?

Estamos caminhando para o exercício de um certo caos, talvez?

Meu Passado Me Condena

Meu-Passado-Me-Condena

Gostei do Fábio Porchat muito mais do que pensei que gostaria.

E do filme, que tem o título acima, também.

Não é aquele apanhado de grosserias que se passam por humor.

Mas o filme, em si, é horrível.

Agora, fosse eu o Fabio Porchat, faria uma imersão cinematográfica profunda.

Saber um pouco de Chaplin e Jerry Lewis, de Keaton e Tati, Gordo e Magro e tutti quanti.

Porque por ora o talento do cara vem mesmo é da stand up, da comédia falada, e suas gags são boas.

Mas não são visuais nunca. E nem são preparadas. Elas vêm em jorros verbais de que a ação é apenas complemento.

A direção do filme é de uma nulidade digna do cinema paulisto-carioca. Acho que é carioca, porque é um pouco mais crítica a coisa.

Só se sabe fazer campo-contracampo.

Exceto quando a filmagem é no Marrocos, coisa mais improvisada, e muda toda a linguagem, e passa a correr atrás dos atores só para cumprir roteiro.

E o personagem do amigo de Fabio que entra é um mala. Não só para o casal, Fabio e Miá, como sobretudo para o espectador.

Ainda assim, foi a primeira vez que vi algo fora da estrita imitação da Globo pegar o público. E isso é muito bom.

Agora, essa geração atual de comediantes tem como referência a TV. Pode funcionar no cinema, ao menos o Porchat, mas tem que dar uma de Jerry Lewis, se enfronhar em tudo, saber de tudo, ir atrás de tudo, ver os clássicos, muito.

Porque, no fim das contas, “Meu Passado Me Condena” não é senão uma comédia de recasamento. Anos 30. Do século 20. Não é que seja mal fazer isso hoje. É que é bom saber o que se está fazendo. É importante para o futuro, porque me pareceu que o Porchat tem ainda o que dar para o cinema.


Um tira e um Prata
Comentários Comente

Inácio Araújo

spprotestospoliciaaumentopassagemterra6

Li o artigo do Antonio Prata na Folha de domingo apenas depois de ler a espantosa, antológica coluna de cartas ao leitor da segunda-feira.

Não é apenas o direitismo agora atrevido das pessoas que assusta.

Somos um povo de direita, ao menos nós da classe média, marcados profundamente pela ditadura e pelo rancor (não sei se um e outro vêm juntos) – isso é sabido.

Queremos lei e ordem, sobretudo aparência de lei e ordem contra os fracos, contra os pobres. Penso nisso cada vez que vejo um desses carrões de vidros escuros fazendo conversões absolutamente proibidas, ou subindo na faixa de pedestres como quem entra em casa… Estamos construindo um novo Brasil, dizem. Ok.

Mas o que mais me espantou foi essa incapacidade tão paulista para o humor.

Quer dizer: de quatro pessoas que escreveram, três ao menos não perceberam que se tratava de um texto inteiramente sarcástico, uma paródia do que fazem os colunistas de direita.

Quem me ensinou a gostar do Antonio Prata foram os meus filhos. Eu sou da geração do pai, que é um grande e bem humorado sujeito.

Acho mais difícil a vida do jovem Prata.

Lida com uns caras que, num parágrafo, gritam contra o que chamam de politicamente correto e no momento seguinte se queixam de bullying

Mas, como dizia, o problema não são os escribas. São os leitores.

Essa gente que emporcalha a internet com sua bela ausência de cérebro, por exemplo.

Eles é que mantêm o debate ao rés do chão e se deleitam que ele esteja ali, onde acreditam poder entender alguma coisa.

Mas não entendem nem um humor um pouco mais sofisticado.

Sim, só lhes resta o Pânico. Em todos os sentidos.

Quero dizer: essa crônica de tantos méritos do Prata tem seu maior mérito fora dela. Vem desses boçais, desses bárbaros que compõem a classe semi-alfabetizada de São Paulo.

A meritocracia

Ele apareceu domingo no TV Folha. E hoje apareceu numa bela entrevista.

Um homem muito inteligente. Não esperava isso de um ex-PM.

Mas é justamente a questão da polícia que ele aborda em sua tese, que vai ser lançada em livro, que foi orientada por Celso Lafer.

Em resumidas contas diz: o espírito policial é herdado da ditadura (eu diria que vem de muito antes, vem de Canudos pelo menos, mas isso é detalhe); diz que o criminoso suposto é visto como inimigo, portanto deve ser morto (por isso ele fala de ditadura: é da guerra contra a guerrilha); diz que a polícia incentiva os assassinatos, isso é bem visto e premiado pela direção; diz que quando a coisa esquenta, sai na mídia, dá rolo, as chefias tiram o corpo fora e falam de “falha individual”; diz que se há tantas falhas individuais o sistema policial é perfeito.

Diz muitas outras coisas, que traduzo no meu estilo tacanho: a polícia foi feita para perseguir, prender e eventualmente matar, ou seja foi feita para oprimir pobres e pretos por todos os meios disponíveis.

Isso que alguns dos meus colegas favoritos chamam de meritocracia.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>