Blog do Inácio Araújo

Arquivo : December 2012

História de fim de ano
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Inácio Araújo

Um leitor simpático do Guia da Folha e do  blog no Uol estranhou que eu tivesse dado cotação mínima, uma estrelinha, para “Holy Motors”, no Guia, e aqui no blog tivesse dito que saí no meio da sessão. Queria entender isso. Sobretudo porque, dizia, eu estava em contradição com os colegas do Guia.

Posso acrescentar: com colegas do Guia, de fora do Guia e mesmo de fora do país, da França mais ainda e dos Cahiers Du Cinéma em particular.

Bem, assim é a vida: crítica não é uma ciência exata.

Nunca gostei do autor desse filme, que acho de um esteticismo intransponível.

Quando vi que “Holy Motors” era um filme sobre cinema e representação, dei o fora, sim.

Um ato estritamente individual, mas creio que esse diretor (desculpe, esqueci o nome) vai ser que nem aquele inglês insuportável (desculpe, também esqueci o nome) que durante alguns anos só se falava nele, se faziam teses às pilhas sobre ele e hoje, por sorte, ninguém mais sabe quem é.

Não digam nunca que o mundo está pior.

Conto de Natal

Então vou contar como aprendi isso.

Eu costumava ir ao cinema com o Jairo Ferreira, crítico, comediante e mártir.

Não me lembro qual era o filme, mas a gente tinha entrado há uns dez minutos.

Acho que era no cine Paissandu.

E o Jairo começou a ficar inquieto, até que não se aguentou e virou pra mim:

– Vamos embora, Inácio.

– Pô, Jairo, já? A gente acabou de comprar a entrada.

– Então: já perdi meu dinheiro, não vou perder meu tempo.

Foi uma lição de crítica.

(Dito isso: se eu vou ver um filme para escrever a respeito fico até o último fotograma. Fora isso, não me sinto obrigado a perder meu tempo).

* * *

Vejo na TV uma matéria entusiasta sobre a educação corporativa: aquela que se dá aos funcionários para que rendam mais para o patrão.

Na matéria, aparecem funcionários entusiasmados… Ah, o que acontecerá caso não demonstrem o devido entusiasmo?

Acho que na saída há um curso sobre demissão rápida.

Ou, voltando lá para o começo: sim, com Holy Motors estou fora da norma. Completamente. Absolutamente. É preciso estar. O cinema existe para isso. E não só ele: para dar olhos próprios para ver.

Saio de férias por uns dias.

Manoel de Oliveira está internado. Ele que tem os melhores olhos do mundo. Vou torcendo por ele.

E, como o mundo não acabou, só esquentou: um belo 2013 aos amigos.


Esse Mundo que insiste em prosseguir
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Inácio Araújo

Passou o 21.12.2012 e o mundo não acabou. Era a data do fim do mundo segundo um calendário maia desencavado não sei quando por não sei quem.

Há algum tempo também a profecia de Nostradamus foi para o espaço.

O mundo não vai acabar assim fácil, na boa.

Esse é um dos problemas do mundo.

Ele não acaba (nem permanece) sem propor questões.

Ou vai ser difícil.

O fim do mundo de Lars Von Trier era antes de tudo uma depressão. Seguimos e o Natal vem aí, e depois o Ano Novo.

O mundo seguirá. Também o cinema. Sei que estou meio ausente: vésperas de sair uns dias a gente trabalha muito mais.

E tem o Natal, com toda a trabalheira conexa. Outro ponto para minha plataforma de candidato à presidência: eliminar os finais de ano.

Não fica cabeça nem tempo para escrever um pouco aqui.

No entanto, com ou sem cabeça, algumas coisas me pareceram interessantes neste final de ano.

As Aventuras de Pi, de Ang Lee – me surpreeendeu aqui o uso do 3D. Ele radicaliza aquilo que o Scorsese tinha feitoem Hugo Cabret, quer dizer, a percepção de que o 3D não é um recurso realista, e sim fantástico. A sequência de naufrágio é muito forte.

As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino – Essa coisa do cinema italiano tem se repetido e espero que não se torne um destino: um belo filme e depois o silêncio, o desaparecimento ou a decepção. No entanto, aqui estamos diante de imagens muito bem articuladas, calmas, conscientes. Ou talvez algumas não tenham perdido o sentido de oportunidade e improviso: aquele cachorrinho no meio da estrada, quase o prefeito da estrada, é formidável.

Infância Vigiada – Não, o nome não é esse, mas não estou com paciência para procurar o verdadeiro. É um filme argentino produzido pelo Luiz Puenzo. Então, compreensivelmente, quase aderi no começo ao Videla e asseclas, porque era umas músicas horríveis e um gosto pelo primeiríssimo plano que tornava tudo enjoativo. Como argumento, uma coisa estranha: em pleno 1979, Montoneros decidem voltar do exílio, com famílias, para combater a ditadura. Como funcionava o serviço de informações desses caras? Bem, mas isso não vem ao caso, exceto pelo fato de o personagem central ser um pré-adolescente. E o filme muda todo quando ele tem seu primeiro amor, por uma coleguinha da escola. E desde aí o filme é bem levado, com essa particularidade, o do amor numa situação ao mesmo tempo muito tensa.

Carlos Oscar

O mundo insistirá em continuar sem Carlão.

Nosso cinema ainda não sabe direito o que perdeu, inclusive porque não conhece direito o seu trabalho.

Acha que ele era um bom sujeito.

Era, mas isso era uma parte só.

É o primeiro ano em que entraremos sem Carlão, sem poder conversar, divergir, aprender com ele.

Pensam que era um maníaco cinematográfico, mas não é verdade, ou não é toda a verdade. Conhecia literatura muito bem.

Revi há dias “Filme Demência”. É uma obra-prima. Mas não é, nem de longe, a única dele.

Carlão precisa enfim ser visto. Senão nossos alunos da USP vão continuar pensando que para fazer bons filmes é preciso não saber filmar.

Para a família do Carlão meus sentimentos,

Para os amigos, a solidariedade.

Vamos para o ano que vem

(com umas folgas nos próximos dias).


Independência e morte dos independentes
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Inácio Araújo

 

Muito interessante o artigo que André Sturm publicou na Folha de hoje (sexta, pág. 3. disponível aqui) sobre o esmagamento dos filmes pequenos ou mesmo médios sob os grandes lançamentos.

Não dá, efetivamente, para supor que a demanda por “Hobbit” ou algum assemelhado justifique tantas salas, uma ocupação territorial inadmissível do terreno simbólico.

Discordo, no entanto, que isso seja um privilégio das companhias americanas. A política brasileira vai no mesmo e insustentável sentido.

Pode-se recorrer ao fatalismo e sustentar que esse é o modo de distribuição que vigora hoje em dia, que são as condições de concorrência etc. e tal.

Pois os filmes brasileiros, tipo Globofilmes, espírita, o que for, quando podem usam o mesmíssimo tipo de distribuição.

Mas isso é controlável. A legislação argentina que taxa as cópias a partir de um certo número, e progressivamente, existe. E o que eu gosto mais é da justificativa: para que não se pense que só se faz um tipo de filmes…

Insisto: as grandes companhias, que hoje produzem aos montes no Brasil, hoje estão pouco se lixando se o filme é americano, africano ou javanês. Se cumprir aquelas condições de “universalidade” está muito bem. O cinema hoje busca criar unanimidade.

A Semana dos Realizadores

Já a Semana dos Realizadores, que acontece no Rio há alguns anos, teve este ano uma versão paulistana, no CCBB.

Segundo ouvi dizer, a Riofilme cortou a verba, não sei se toda ou apenas o máximo possível. Se foi isso é o fim da picada.

E se o ministério, o MinC, não serve para estimular esse tipo de coisa me pergunto para que serve: para a Ana de Hollanda ficar chorando as mágoas depois de sair de lá?

Pois bem: lá estão muitos filmes. Bons, maus, não importa.

Filmes que não veremos em cinema nenhum do planeta enquanto as coisas continuarem assim (exceto, claro, na Semana ou em Tiradentes).

Não é que o cinema, como indústria, não possa se sustentar desse jeito. É o cinema enquanto gosto, prazer estético, diversidade.

Se a gente for ao museu e encontrar só um tipo de quadros, se for à livraria e achar só um tipo de livros, a pintura e a literatura estarão mal.

Por que não notar que com o cinema se passa a mesma coisa?

E, por fim, porque a pergunta não pode deixar de ser feita: para que serve a Secretaria do Audiovisual se não é para regrar esse tipo de coisas?

P.S. – Cine Olido, CCBB e mesmo agora o MIS realizam sessões de filmes difíceis. Estão todos os lugares de acesso meio complicado (ou são pequenos e tal), mas vivem cheios.

Quer dizer que essa conversa mole de ir atrás “do mercado” é pra boi dormir.


Um chá de Niemeyer
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Inácio Araújo

A morte de Niemeyer não foi propriamente uma tragédia, mas algo que se pode definir, com precisão, como fatalidade.

É para onde vamos todos.

Uns deixam mais, outros menos. Ele deixou mais, claro.

Ocasião para jornais e telejornais se derramarem em torno do gênio nacional.

Justo, mas já começou a ficar demais.

Estão querendo fazer dele o Ruy Barbosa do traço.

Mas algo nele escapa a esse espírito celebratório.

Era um cara contra a corrente.

Comunista, para começar.

Os de bem com a vida, os comunistas de quando pegava bem ser comuna, viraram as costas a tudo, como se não fosse como eles.

Niemeyer permaneceu, com todo mundo gozando dele, da amizade com Fidel, essas coisas.

Eu acho que se não fosse assim ele seria um arquiteto convencional.

Deu tudo com os burros n’água no comunismo, tudo bem.

Mas pensar diferente, sonhar diferente é que permite fazer novo.

Tudo isso é meio evidente.

Mas o que eu vejo como legado principal de O.N. mesmo é a capacidade de ver o mundo integrado.

Ele fala dos morros, do Einstein, das curvas, da música, do povo, tudo de uma vez.

Não separa. Agrega.

Um diálogo muito interessante que ele relata, com Rodrigo de Mello Franco.

O Rodrigo M.F. diz para ele da importância de conhecer os clássicos.

Niemeyer agrega isso na hora.

Os clássicos estão inteiros nos prédios dele. Florença e tudo mais.

Kafka e tudo mais.

Isso é muito interessante, esse mundo integrado, que não despreza o exato, nem o inexato, onde a ciência e o pensamento não se desdizem, são uma coisa só.

Penso que o legado principal não tem a ver com imagem do Brasil, glória do Brasil, essas bobagens.

Tem a ver com o MEC.

Ao menos é minha impressão.


Cinema, Teatro
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Inácio Araújo

Uma vantagem de não ter de escrever a crítica de certos filmes: não precisei ver “Holy Motors” até o fim. O que é aquilo? Uma sessão de tortura? A Europa vindo abaixo e o que Leos Carax tem a mostrar é isso?

Em todo caso estamos melhor ali do que com “O Homem da Máfia”. Não há nada pior do que violência com filosofia. E a frase que define o filme vem do assassino profissional Brad Pitt: A América não é um país, é um balcão de negócios. O sentido em todo caso é esse. O que dizer? Isso acontece quando ele está negociando o preço das mortes que praticou. Não é só violência com filosofia, por filosofia entende-se esse cinismo que justifica tudo (atrás rola a crise econômica, bom pretexto…). Há também essa espécie de euforia criminal: cada assassinato vem em câmera lenta. Não é um procedimento analítico, como em Sam Peckimpah, é estetização da violência mesmo. Não via nada tão torpe desde “Kalifórnia”. E sem talento, também. Sem encanto nenhum.

“Curvas da Vida” é um filme estranho, porque tem uma pilha de temas característicos de Clint Eastwood (o velho contra o novo, a tensão familiar, a mulher morta etc.). Mas está longe de ser um filme clintiano. Em primeiro lugar, a ideia de remissão é evidente. Nos filmes que Clint dirige o mundo não é um happy end. Como aqui tudo, literalmente tudo, se encaminha para encontros, reencontros e coisa e tal. Não é ruim. É vulgar. Parece que estamos assistindo ao nascimento de um novo Buddy van Horn. Quer dizer, de alguém que vai dar nem nada.

* * *

Tenho que ser muito franco: ao longo do tempo fui desenvolvendo um preconceito contra o teatro. Começou quando veio uma trupe da Comédie Française e foi recebida esnobemente pelo pessoal daqui. Diziam que era acadêmico e tal. É possível. Mas a mulher sussurrava lá no palco e eu escutava tudo lá no fundo da plateia. E era no Cultura Artística, um teatro que, diziam, não era bom para teatro. Ora, o nosso hábito é chegar na boca do palco e pôr a boca no mundo. Nossa técnica é uma desgraça, vamos admitir. E acho que nossa sensibilidade também tem se desgastado, não sei por conta do quê. Talvez os grandes atores lá do tempo em que o teatro formava atores tenham quase todos morrido, e os mais novos são muito ligados á TV, não sei, estou chutando: parece que há falta de referências, exceto quando Antunes Filho monta uma peça e traz novos atores, mas se eles não vão para a TV não sei o que acontece. Enfim, falo mesmo como amador.

Agora, pelo pouco que vejo me pergunto porque as montagens do André Guerreiro, que são por vezes prodigiosas em matéria de articular novas relações de espaço e meios, passam em branco (ao menos para mim), não recebem críticas, nem nada… Acho que o teatro é um meio vicioso, como o cinema, aliás, mas talvez mais um pouco.

Aliás, vamos à literatura. A Folha publicou um artigo do famoso “jurado C” do Jabuti. O tal que deu uma nota baixa para certos livros e, com isso, fez com que um romance determinado ganhasse o prêmio. Não li nenhum deles, mas a repercussão é o que importa. Primeiro veio o escândalo: como dar o prêmio a um desconhecido em detrimento de autores conhecidos e tal? A sequência é sempre aquela: com a diferença vem a desonestidade (suposta) e  o escândalo, a suspeita. Todo mundo grita e acusa. Agora, meses depois, surge o artigo do cara. Muito equilibrado, com bons argumentos. Não li os livros, mas me parece alguém que sabe do que está falando. Pode-se sempre perguntar: não houve um exagero em dar notas altíssimas para um e baixa para outros? Não sei, pode ser. Pode ser desses caras que sabem que notas assim fazem pender o resultado para um lado, haja o que houver. Trata-se de criar mecanismos de proteção, que nem fizeram com as escolas de samba do Rio.

Voltando ao teatro. Fui ver “Odisséia”, convidado pelo Miguel, amigo do meu filho. Um espetáculo que me pareceu longo demais e cheio de desequilíbrios. Começa bem (com uma luz tipo Bob Wilson), mas depois vem o excesso, os berreiros, a ocupação meio forçada do espaço. Enfim, durante uma boa parte da peça, parece que a gente está vendo um ataque histérico. O Miguel me explica, depois da peça, que esse tipo de procedimento é uma maneira de compensar a falta de técnica do elenco (saído há pouco da escola Célia Helena) pela energia. Mas me parece que é melhor deixar a deficiência se manifestar e tentar corrigi-la depois. Me parece mais eficaz. Mas, claro, tenho a impressão de que não é só isso. Essa impressão vem também do excesso de música, do que parece ser um temor injustificado do silêncio. O espectador também precisa repousar os sentidos, isso faz parte do ritmo.

Tudo melhora muito depois que Ulisses volta a Ítaca, isto é, ao Brasil. A peça melhora muito, para começar: porque a Grécia, Ulisses, tudo era um pretexto. Então fica muito tempo lá com Aquiles, cavalos, essas coisas. Quando ele chega, já associações muito boas: o canto das sereias com o crack, por exemplo, é muito bem colocado (cenicamente, para começar). No mais, há humor, há um sentido crítico com o qual pode-se não concordar o tempo todo, mas que, enfim, está lá. Então a peça termina bem, ou quase. Poderia se privar das referências abundantes a Shakespeare, Cervantes, Tchecov, para ficar só com os que percebi. Isso não leva a coisa alguma. Se tirasse as referências explícitas e procedesse imitando os autores citados, me parece que o autor da peça estaria melhor. Mas a peça termina numa nota alta, o que é muito bom, e o público, que parece bem menos chato que eu, aplaude de pé.

Acho que aplaudiria mais esse elenco muito simpático se a peça tivesse uns 20 ou 30 minutos a menos.


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