Blog do Inácio Araújo

Arquivo : June 2011

Gustavo Dahl, o bravo guerreiro
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Inácio Araújo

Estou no paraíso da cinefilia: correndo atrás de tudo que acontece, mas é impossível. Anoto tudo para, quando tiver tempo, relatar a maravilha que é isso aqui, Bolonha durante o Cinema Ritrovato.

Estava nisso. Mas a morte de Gustavo Dahl é outra historia.

Quem foi ele? Bem, na última vez que estivemos juntos, eu tive a má idéia de voltar a pé do restaurante ao hotel onde estávamos. Gustavo topou. Sofreu muito mais do que eu imaginava, não por causa do coração, mas da perna, que tinha doente.

No dia seguinte fui pedir desculpas pela gafe, porque achei que seria agradável voltar a pé, sem calcular o quanto isso poderia ser dolorido para ele. E Gustavo disse: – Mas Inácio, de que vale Ouro Preto se a gente não fizer um bom passeio?

Era isso, Gustavo Dahl. Talvez o grande conciliador do cinema brasileiro.

Não fosse por ele, por sua capacidade de aproximar as idéias mais disparatadas do mundo e disso tirar um conjunto, o Congresso do Cinema Brasileiro de Porto Alegre não teria dado em nada. Era impressionante a paciência que tinha, tanto quanto a sapiência.

Mas seu prazer estava além disso. Gostava de pensar nos filmes e de vê-los. No tempo daquelas reuniões inúteis do Conselho da Cinemateca era um consolo quando chegava para mim e dizia: “Mas o Biáfora, hein, Inácio…

E começava a falar dos ensinamentos ora geniais e ora malucos do Ruben Biáfora. Porque Gustavo era um raro caso de paulo-emiliano radical que, talvez por ter sido diretor, entendia o que significava o ensinamento de Biáfora. Foi nesse tempo, por sinal, que nos aproximamos.

(Aliás, um de seus últimos textos, belíssimo, esta na ultima Filme Cultura, é dedicada ao s seus tempos de cinefilia, ao Biáfora).

Agora, Sheila está escrevendo suas memórias. Não sei se o trabalho estava completo, mas tenho certeza de que será cheio de vida, porque acompanhei um pouco do trabalho que faziam e as coisas que tinha a dizer são vitais. Dizem respeito à formação do Cinema Novo, à Embrafilme, à cinefilia, à critica, à busca da institucionalização do cinema brasileiro.

Gustavo Dahl passou por tudo isso sem perder o humor.

Ah, e fez três filmes. Um deles, o ultimo, eu acho ruim. Talvez ele tenha parado por achar também isso. Talvez porque tivesse mais gosto cuidando da distribuição, sei lá.

Mas, mesmo num filme errado, ele sabia o que era mise-en-scène tanto quanto sabia ver um filme.

Fará falta ao cinema brasileiro. E pessoalmente considero sua morte muito dolorosa.

Vamos em frente. Não há mais o que fazer, não é assim?


A arte do catálogo
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Inácio Araújo

Começamos, enfim, a fazer catálogos de primeira para acompanhar mostras de primeira, isso que há Cinemateca Portuguesa faz há décadas e diante dos quais só restava babar, invejar e, se possível, comprar.

Agora o CCBB desenvolve essa arte no Brasil.

No ano passado houve a retrospectiva John Ford. E agora a de Hitchcock. Entre as duas, mais modesta, a de Luc Moullet.

Todas com catálogos de primeira linha: bem informadas no que diz respeito às traduções e também bons textos brasileiros.

De novo a apresentação é de Ruy Gardnier, que continua a escrever magnificamente bem.

Na minha opinião, ficou faltando apenas um trecho, ao menos, ou uma menção ao belo livro de Jean Douchet sobre o grande mestre inglês.

Não é uma reclamação, claro, só uma observação.

Só estive na retrospectiva no dia em que participei do debate.

Quem quiser fazer elogios ou críticas, sinta-se à vontade.


Caos aéreo e outros caos
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Inácio Araújo

Não pude fazer mais que um bate-volta no CineOP deste ano. Precioso como sempre. Homenagem a Carlos Manga, um dos grandes artesãos do cinema brasileiro, e ao tempo da chanchada, de que ele foi um dos principais cultores.

No passado a gente ria muito com a história da URSS, cujo passado se modificava conforme as últimas decisões do Politburo.

Mas, é estranho, o passado muda muito mesmo, cada vez mais. A chanchada, que já foi vista como vergonha nacional, passou a patrimônio importante do nosso cinema.

O tempo transforma a visão das coisas.

Penso que hoje existe a tendência a caminhar para uma perspectiva mais equilibrada, e foi isso o que se viu lá, nessa observação dos nossos anos 50/60.

Quanto mais o tempo passa, mais me parece claro que o cinema novo, menos que uma ruptura, é um corolário dos erros, acertos, experiências, tentativas, idéias dos anos 1950.

Há mesmo intersecções interessantes: Anselmo Duarte (cineasta que precisa ser revisto num próximos encontros, sem dúvida, e pelo Brasil em geral), que tem um pé na Atlântida e outro na Vera Cruz.

O Ministério do Medo

No começo do atual governo, Eder Sader estava indicado para um posto e caiu antes de tomar posse porque chamou a ministra da Cultura de “meio autista”.

Não sei o que ele faria na Casa de Ruy e parece que os projetos eram mesmo pouco ortodoxos, mas disso eu não entendo.

Eu sei que apontar autismo não é ofensa a ninguém. Fora do quadro patológico significa que a ministra não se comunica bem. Não era motivo para demissão ou retirada de convite ou lá o que fosse. Ela só se embanana mesmo.

Segue o enterro: Por que a Secretária do Audiovisual não estava em Ouro Preto?

Acaso discutir sobre história do cinema brasileiros e preservação de filmes brasileiros não faz parte de suas atribuições?

O autismo no MinC seria programático e não um estágio superável?

Rico ri à toa

Eu gosto de muitos filmes do Roberto Farias, mas raramente me entendo com as opiniões dele.

Ele acredita que no Brasil, até aqui, as pessoas fizeram os filmes que quiseram. Que agora a situação exige outra postura.

Não sei se é (e foi) bem assim. Sempre houve filmes para mais público e sempre para menos público. Uma coisa não deve eliminar a outra, e não seja a evocação da chanchada motivo para isso.

Na outra ponta, Maximo Barro, professor de cinema e antigo montador, lembra que José Carlos Burle, em “conversas de moviola” dizia detestar fazer chanchadas.

De fato, observe-se as obras “´sérias” e compare-se às chanchadas desses diretores, como Burle.

As coisas sérias hoje nos aparecem, com raras exceções, insuportáveis. As chanchadas, ao contrário, sobreviveram alegremente. Ou seja, detestar fazer ou não detestar acaba não sendo um bom critério.

Tropa de Elite

A Severiano Ribeiro chegou com uma tropa de elite a Ouro Preto, disposta a defender com unhas e dentes sua versão da história.

É importante, isso. Porque a primeira tendência dos historiadores é escutar quem esteve lá, diretores, técnicos, críticos. A impressão é sempre de que o produtor, distribuidor, exibidor, é um belo explorador, etc.

Nem sempre é assim. Nem em tudo é assim.

Acho importante cotejar dados. O pessoal da Severiano Ribeiro fala que os equipamentos eram os melhores do mundo. Só falta dizer que os estúdios punham os da Vera Cruz no chinelo.

Ora, a pobreza das produções Atlântida é franciscana. Isso está na cara. Não é nem um defeito. Era um modo de produção. Era o que dava para fazer.

Severiano Ribeiro era aliado dos americanos? É mais que verossímil. Senão, como sobreviveria naqueles anos uma cadeia de exibição?

Enfim, sempre há o que matizar, porque a visão da história não pode surgir de um lado só. A presença da SR é boa.

Mas convém conter certos exageros. As críticas a SR não são porque ele era nordestino. Isso não tem rigorosamente nada a ver. Esse tipo de visão já é muito subjetiva, algo que parece uma espécie de lenda familiar. Colocada em público, querendo transformá-la em versão final é já caminhar para a eliminação pura e simples do superego. Não fará mal à defesa da história da Atlântida a presença de seus representantes. Mas, como com frequência acontece, a suposição de que a sua história é a única possível vai derivando aos poucos para o burlesco.

No chão e no ar

É o seguinte. Ao contrário do que se possa imaginar, o caos aéreo continua firme e forte. Apenas que agora é mais organizado, de maneira que não dá mais para criar aquelas cenas de gente desesperada na TV.

Mas o princípio é o mesmo. Eu tinha avião às 13h52. Embarquei às 15h30. Atraso razoável. Não dá tempo nem de ir ao Procon reclamar. O problema é que não foi atraso coisa nenhuma.

Juntaram o meu vôo com o vôo seguinte, de tal modo que, na chegada a Belo Horizonte, eu vinha num vôo, mas o número de vôo afixado nas informações era outro.

No entanto, a minha mala estava lá, na esteira com número errado.

Claro, como sempre acontece nesses casos, marcam duas pessoas no mesmo lugar, essas coisas. Enfim, a diferença é que agora as coisas estão entre as aéreas e quem controla o movimento e tal. Enfim, está encoberto, mas ativo.

Como somos um país concebido, há séculos, para poucos terem tudo e muitos não terem nada, uma ligeira mudança nesse panorama parece um cataclisma.

Tentar chegar a um guichê da Gol no dia em que voltei equivalia quase a uma declaração de guerra. Com os funcionários da companhia (que se matavam para organizar as coisas, diga-se), com as pessoas atrás ou na frente da gente (que nos empurram com os carrinhos ou são empurradas, conforme a posição).

É impressionante, aliás, o Aeroporto de Confins. Vai ser ser ampliado? Parece um ovo, comparado a, digamos, Congonhas.

Do jeito que está, mal dá hoje em dia para receber o campeonato mineiro. Que dirá o mundial.

Quando comento essas coisas com minha parceira, ela não está nem aí. “Olha, na Europa e nos EUA é daí pra pior e eles acham que está tudo certo e que a vida é assim mesmo”.

A história precisa de no mínimo duas perspectivas.


Em Paris, Woody Allen está em casa
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Inácio Araújo

Nada mais familiar a alguém de Nova York, a um apaixonado por Nova York como Woody Allen, do que Paris.

Ele está em casa. Não estava em Londres. Nem em Barcelona. Paris é uma festa.

O lugar para jogar com um noivado que tem tudo para ir por água abaixo. E o lugar, por conseguinte, para colocar seu escritor-protagonista em contato com Hemingway, Picasso, os Scott Fitzgerald, Buñuel, Dalí, Gertrud Stein.

Um quê de “De Volta para o Futuro”. Ou antes, de volta ao passado, primeiro. E depois ao presente, ao agora, ao urgente. Ao que age. Eis a questão.

Entrar em Paris é entrar em sua história e dela retirar algo. Sendo americano, claro, nada melhor do que os anos 1920.

E Woody deixa bem claro: não se trata de um sonho, mas de uma viagem no tempo. Ou seja, de um filme fantástico.

Inútil dizer, é de lá que o protagonista voltará com um livro por escrever. Voltará com vida.

Porque a vida está menos na cidade do que nas marcas que o tempo vai deixando nela.

A família da noiva é bem pouco interessante. Mesmo como contraste valeria tirar um pouco daquele republicano. Mas está bem, no geral.

A mãe preocupada apenas com sua pequena sabedoria rica e doméstica (barato é barato).

E o intelectual pedante, porém sedutor, porque falador. Não podia faltar em Allen.

Enfim: está em casa, como se estivesse em NY, mais ou menos.

Um dos filmes mais interessantes deste ano até aqui bem decepcionante.


Carlos, Hitch, Demy
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Inácio Araújo

“Carlos” está terminando. Quarta (dia 15) passa o último capítulo na TV5 Monde. Não dá nem vontade de falar, porque quase ninguém mais tem a TV5.

Só que “Carlos” é uma obra-prima. Mesmo quem não viu os primeiros capítulos se deixará fascinar pela aventura do mais famoso terrorista do século 20, tal como narrada por Olivier Assayas.

O terceiro e último segmento é o da decadência. Nem por isso menos interessante do que os demais. Um filme essencial para conhecer a Europa (e Oriente Médio) da segunda metade do século passado.

Hoje começa Hitchcock, a maior mostra que já houve. Total. Todos os filmes dele. E ainda um pouco de TV. Pena que a obra completa entra no CCBB e sua sala minúscula, apenas. Pelo que me disseram, uns 20 filmes vão para o Cinesesc. Melhor que nada e menos bom do que se fosse tudo. A mostra merecia.

E há também uma mostra Jacques Demy na Cinemateca, segundo me disseram. Não sei quando começou. Mas Jacquot de Nantes também não é pequeno, não. E a sala da Cinemateca é uma beleza.


Um fillme começa quando eu entro…
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Inácio Araújo

Uma experiência que não se pode ter mais é a de entrar no meio dos filmes.

As bilheterias são informatizadas, de maneira que o computador impede a venda de ingressos a partir do momento em que começa o filme principal. Para mim, perde-se em prazer. E também em saber.

Como dizia o Jairo Ferreira: o filme começa quando eu entro e termina quando eu saio. O que significa dizer que cada um de nós monta sua fábula conforme seu olhar, mas também durante o tempo em que permanece lá dentro.

Quando eu entrava no meio dos filmes, como não sabia o que tinha acontecido, na verdade iam se passando dois filmes. Um se desenrolava a partir da minha entrada na sala. O outro, ia de trás para frente, construído na imaginação a partir dos dados que os personagens agora nos forneciam.

A história nunca ficava completa, fechada. Quase sempre surgia um elemento para perturbar a ordem do que havia sido contado e a compreensão do início, da parte perdida.

Depois, costumava-se (se o filme não fosse vagabundo) ficar para ver o começo de novo. E, surpresa, normalmente aquilo que eu (mas creio que não só eu) imaginava mostrava-se muito mais rico, cheio de detalhes e aventuras do que o que realmente se passara na tela.

Não quer dizer que a imaginação do espectador fosse melhor do que o filme. Cada um tinha sua função. A da nossa fabulação de espectadores consistia em imaginar o maior número de hipóteses possível.

Estranho Encontro

Outro dia isso aconteceu na TV, na TV Justiça para ser mais preciso, em algo chamado Sessão Cinemateca.

É claro, devem ser filmes vindos da Cinemateca. Mas ela não faz alarde a respeito: tudo que diz respeito a difusão do cinema parece embaraçar nossa velha instituição.

O certo é que corria na tela um filme brasileiro, claramente anos 50. Eu sabia que era brasileiro porque essa é uma sessão de filmes brasileiros. E também porque se falava em português sincronizado, não dublado.

Mas havia uma loura com cara de atriz estrangeira, num carro. Uma loira apavorada que lembrava a Janet Leigh, mas não era. Quem seria essa atriz que nunca vi em parte alguma?

Ela tem um diálogo estranho com o homem que dirige o carro, e que não distingo quem seja. Sei que ele ameaça uma espécie de duplo suicídio no carro mesmo.

Por fim, o carro pára e a loira desce. Não se vê o homem que desce pouco depois, apenas que ele segura um bastão para ajudá-lo a caminhar.

Todo o clima é de um filme noir. Não de um arremedo de filme noir. Seria um filme da Maristela?

O homem com a bengala é uma pista: onde vi isso antes? Seria uma lembrança de “Gilda”?

O cenário seguinte elimina a idéia de Maristela: o quarto é muito amplo, a decoração chique demais. Tem cheiro de Vera Cruz. Mas uma classe que a Vera Cruz não tinha. Não é luz da Vera Cruz.

Aí aparece Sergio Hingst. Então a hipótese Vera Cruz existe, mas apenas como lugar físico. Pela época, o filme é mais Brasil Filmes. Mas não “Ravina”, com certeza.

Quem poderia fazer um filme na Brasil Filmes com tamanha classe? Anselmo Duarte poderia, mas não era filme dele.

Então era filme do Walter Hugo Khouri, só podia ser.

Observando melhor, essa luz leve, delicada, precisa, só podia ser de Rudolf Icsey.

Então era filme do Khouri. E eu entendia porque Glauber fez tanta questão de vir a São Paulo mostrar seu primeiro filme a ele. Decupava como pouca gente. Controlava a imagem perfeitamente.

O que vem a seguir: o homem da bengala aparece. É Luigi Picchi. Então fica claro que o filme é “Estranho Encontro”, que eu não via há tanto tempo. Pelo que vi, continua ótimo.

Quase não lembrava da intriga, o que me permitiu aproveitar melhor certas fusões, certas associações de imagens que o filme traz. Depois foi só esperar o momento principal: aquele em que a loira levanta o vidro do carro e, no reflexo, terrível, podemos ver, ao mesmo tempo que ela, a imagem de Luigi Picchi.

Foi um bom, agradável exercício de retorno ao tempo em que se entrava no meio dos filmes. De passagem, pude rever uma boa parte desse filme admirável, que não via há tanto tempo e que é, me parece, talvez o melhor de Khouri.

Em tempo: vi no Imdb que a atriz se chama Andrea (ou Andréia) Bayard. Não me lembro dela em nenhum outro filme.

Em tempo 2: a Tv Justiça irá reexibir “Estranho Encontro” neste domingo, às 18h30.


Quem ganhou Cannes?
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Inácio Araújo

Com toda franqueza, não me lembro.

Claro, se consultar os arquivos, o nome aparece. Mas não preciso de nenhum arquivo para lembrar de Lars von Trier e “Melancholia”.

Ou seja, ele soube como chamar a atenção sobre si. É uma arte.

Hitchcock a dominava como ninguém, na era clássica: tornou-se ele próprio um personagem.

Depois houve Godard. Sabia se fazer amado e odiado. Para cada ocasião tinha uma frase cortante. Uso o pretérido não porque ele tenha morrido, mas porque representa um tempo já passado. Hoje ele continua um bom publicitário, mas mais por inércia.

Na atual geração, Von Trier parece ser o único a topar essa parada. Desde o Dogma, num momento em que o blockbuster esmagava tudo que encontrava pela frente.

Ele conseguiu, com muito barulho e produções mínimas, impor o cinema nórdico. É um aspecto importante do cinema, goste-se ou não dele (da publicidade e de Lars).


Tropa de Elite 2 papa o Grande Prêmio
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Inácio Araújo

Peguei por acaso, no Canal Brasil, a cerimônia do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Décima edição.

Algumas homenagens interessantes: Norma Bengell, Remo Usai, Luis Carlos Barreto. Salvo que este quase recontou a história da humanidade. Achei boa a parte pessoal (namoro e casamento, iniciação ao cinema, etc.).

A ideologia (nacionalismo às antigas) podia ter ficado de fora. A horas tantas aquilo virou comício, praticamente.

A premiação obedeceu à ordem do dia: Tropa de Elite 2 ganhou tudo que podia ganhar. Significa que os eleitores (os membros da Academia de Cinema Brasileiro ou algo assim) estão, hoje, perfeitamente alinhados à idéia de um cinema em que o sucesso é o começo e o fim.

Entendo: um desejo louco de estar perto do público. Não é de todo injusto.

E Tropa é, digamos, um filme hoje indiscutível. Não vou nem argumentar: não se discute com 11 ou 12 milhões de bilhetes vendidos.

No entanto, a seleção geral, com exceção dos documentários, ia praticamente em linha direta nessa direção. Chico Xavier, Lula, Nosso Lar… É a idéia de “cinema indústria” que se celebrou ali.

Estamos num desses delírios triunfais a que o cinema brasileiro se entrega de tempos em tempos.

A cerimônia sub-hollywoodiana não deixa dúvidas a esse respeito.

Não sou contra certo cerimonial nas entregas de prêmio. Fazem parte do jogo.

Mas, caramba, já que é para ser assim pelo menos contrate uma pequena orquestra, ou faça uma sonoplastia honesta. Colocar um par de músicos desengonçados no palco não ajuda nada. (Melhor nem falar da apresentação musical no fim da festa).

Outra: se é para transmitir pela TV precisa fazer uma luz de TV. Dava a impressão de que as pessoas iam receber o prêmio numa boate de chanchada dos anos 50.

Se é para ser indústria, por favor, comportem-se como tal.

Em poucas palavras: está mais do que na hora de reabilitar o Prêmio Jairo Ferreira, da velha ala dos dissidentes dessa geléia industrial.

Outro espetáculo

Esperei para ver se algum especialista tocava no assunto, mas não encontrei nada.

Bem: o jogo Barcelona vs. Manchester United foi, como se sabe, um baile do time de Messi.

Nesse jogo belíssimo, o time inglês correu atrás da bola o tempo todo, mais parecia um jogo de João Bobo.

No entanto, se se for ver, o número de faltas foi mínimo. E a maior parte delas acho que foi feita por um jogador sul-americano por nome Valencia.

É muito diferente do que se passa aqui: quando se perde a bola, aqui, a primeira providência é passar a perna no adversário, dar uma canelada, coisa assim.

Não há noção de dignidade. A menor. Devia ser algo a ser pensado em algum nível (dos níveis oficiais sabe-se que não se pode esperar nada).

O Manchester perdia a bola e saía correndo atrás, sem brutalidade. O jogo não parava. O juiz não marcava falta a cada vez que um chegava perto de outro, como aqui.

Hoje em dia esse papo de país do futebol não está com nada. Nossos jogos são horríveis. Não por falta de jogadores, mas por falta de dignidade. São noções que vêm de cima.


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