Blog do Inácio Araújo

Arquivo : October 2012

Na Mostra e na TV
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Inácio Araújo

Acho a Mostra 36 formidável e previsível.

Ou antes, previsivelmente formidável.

O melhor filme recente que vi foi Um Alguém Apaixonado.

Kiarostami é o artista que melhor responde ao mundo de hoje, às questões contemporâneas. Me parece.

E Um Alguém Apaixonado, esse filme sem começo nem fim, tem esse achado: primeiro, a gente mesmo tem que imaginar os personagens (como quando entramos no meio de uma sessão).

Depois, como bem disse o Tonacci, o final, abrupto, gruda em nós, fica na lembrança, com seu enigma.

Claro, há outros bons, Oliveira etc., mas Abbas para mim é o mais forte.

“Tabu” confirma Miguel Gomes como um cineasta com todas as possibilidades de se firmar como um dos grandes da Europa.

Kleber Mendonça começa com um filme realmente formidável, esse O Som ao Redor.

É desses que, de tão forte como estréia, dá até medo de que o autor não consiga tão já reencontrar~se num filme tão feliz. Mas como a bilheteria será mesmo baixa, os espectadores serão poucos e tal… Tudo bem… Ele pode até dar menos certo no futuro próximo que haverá tempo de se reencontrar.

Acho que estou falando besteira: o pessoal de Pernambuco não dá ponto sem nó, gosta e entende do que faz. Vai dar tudo certo.

Entre os filmes antigos:

“Raros Sonhos Flutuantes” é o último filme e a última obra-prima de Eizo Sugawa.

Quem viu, viu…

Não sei se a Fundação Japão tem cópia, se há jeito de passar o filme no programa da Mostra na TV… O certo é que é raro. Parece que não tem nem em DVD no Japão.

Os Deuses e os Mortos passou graças a Positif, comemoração dos 60 anos.

Depois de mais de 40 anos revi só os últimos 20 minutos.

Mais ou menos isso.

Mas não é o que importa.

Basta olhar um plano para ver a força, a convicção, a paixão, tudo que está envolvido na história.

E um minuto apenas basta para perceber que esse é um filme de sonoridade notável, absoluta.

É o melhor Othon Bastos.

Na obscuridade: um filme da opacidade, do mistério das coisas, do insolúvel do mundo…

Agora, precisa de restauro.

Se não restaurar, daqui a pouco vai ser um filme em preto e branco.

Na TV

Eleição para prefeito.

Nós, jornalistas, adoramos dizer que os candidatos não discutem programa, não falam de coisas sérias, etc.

O domingo de eleição era, portanto, um grande dia para entender um pouco essas coisas.

Liguei na Cultura atrás do TV Folha, mas só tinha a Cultura mesmo.

A cobertura era, aparentemente, uspiana: só professor.

Isso não ajudava em nada.

As questões eram: por que fulano ganhou? por que beltrano perdeu?

E, claro, chovem hipóteses, que é tudo que pode acontecer nessas circunstâncias.

Nem lá, nada do que existe ou existiu de profundo, por exemplo, na discussão sobre os bilhetes, ou sobre a organização da saúde na cidade conforme a visão de A ou de B.

Passemos à Globo News.

Horas e horas de programa.

E ali a pobre LoPrete tratando de tourear o melhor possível aquele comentarista de gravata, o Merval, aquele que entrou na Academia.

Ele é uma espécie de Galvão Bueno do comentário político, quer dizer, oscila entre a obviedade e a besteira.

Com nítida preferência pela besteira.

A horas tantas só faltou dizer que ganharem São Pauloera tão complicado para o PT, o Lula, a Dilma e não sei mais quem que o melhor teria sido perder…

E a LoPrete só toureando…

Mas ela não toureia o tal do Camarotti. O cara é o rei da futrica. Ele faz questão de mostrar que sabe, que conhece os bastidores, que fala com A e com B.

Se não falasse seria a mesma coisa, porque não entende patavina do que escuta.

Só a futrica.

Com isso, o programa passou horas falando de 2014. O que acontece com o Aécio, com o cara do PSB, com a mulher que patrocinou o Fruet…

E daí? Como o Fruet vê o mundo? O que tem a dizer a Curitiba? E Haddad?

Não podia ser alguns minutos, alguns apenas, sobre a maneira como concebe a cidade?

Isso parece não existir, não fazer sentido.

Parece que desinformar é uma espécie de missão.

Com isso, não estranha que ninguém se escandalize quando um desses vândalos dos programas de suposto humor pretendem, por exemplo, dar cigarros a José Genoino para ele fumar no tempo em que ficará na cadeia…

Não há nem o que dizer de uma coisa dessas: esses caras não é que não tenham noção do que seja ética. Não têm noção nem de etiqueta.

Ah, sim, e se fazem passar por jornalistas. E acham, com isso, que podem tudo.

Nossos problemas educacionais já foram parar nos programas de suposto humor.

A pergunta é: como foi se formar uma geração de gente tão mimada?

Ou antes: tão ignorantemente mimada.


Mostra está boa, mas meio óbvia
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Inácio Araújo

Pelo menos para mim, que não pude ver “Barbie”, por exemplo, porque estava na cama.

Até agora só os suspeitos de sempre me encantaram: Oliveira, Bellocchio, Kiarostami.

Não, estou sendo injusto com Miguel Gomes, de “Tabu” e de toda a retrospectiva. E o Kleber Mendonça, cujo “O Som ao Redor” já conhecia.

Isso não é uma restrição. Hoje existe um mercado de novidades no setor “filme de arte” que é quase tão selvagem quanto Hollywood.

O cara é lançado em Cannes ou coisa parecida. Se dá certo comercialmente, vaiem frente. Casocontrário é rifado. Não é inteiramente assim, mas quase.

Então, fiquei muito feliz de poder rever Raros Sonhos Flutuantes, do Eizo Sugawa. É o último filme dele, de 1990, extraordinário. Me fez lembrar do “Benjamin Button”, que concorreu ao Oscar de 2008, que é uma espécie de “Raros Sonhos” sem graça.

Aqui quem regride de idade é uma mulher. E isso não acontece desde o nascimento, mas a partir do divórcio. Ela começa o filme com 67 anos, jogando-se diante de um trem. É no hospital que conhecerá seu amante, que havia tentado se suicidar.

Eles têm uma transa verbal, separados por um biombo. Só ao final notamos a idade dela.

Mas depois ela reaparece, já bem mais nova.

O que a terá feito regredir?

Talvez o amor novo.

Só que ela não pára de rejuvenescer.

E o cara não deixa de amá-la.

A ama como mulher madura, como jovem, como adolescente e, por fim, quando criança, quase bebê.

Quando acontece a cena mais memorável do filme: aquela menininha caminhando entre adultos grandões, os passos incertos da idade, mas levando a experiência de vida de 67 anos…

É uma coisa fantástica mesmo.

Não entendo como Sugawa, fora do Brasil, ninguém dá bola para ele.

Não me interessou “A Caça”, de Thomas Vinterberg, de que ouvi falar muito bem.

Acho que ele tem mais fascínio pelo perverso do que outra coisa. Parece o Haneke, o austríaco.

Até agora não entreiem nenhum Tarkovskie pretendo continuar assim. Me basta o cartaz. Me bastam as fotos do cartaz. O pior do comunismo acho que foi essa geração de russos tristes que o Tarkovski comanda, ele, o rei do monocromatismo macambúzio.

É respeitável, admito. Mas que seja respeitável longe de mim.

Ah, ia quase esquecendo do “Alma Corsária”, do Carlos Reichenbach, que passou logo antes do Sugawa, pois tratava-se de uma homenagem da Mostra ao Carlão, que sempre sugeriu muitas retrospectivas e visitas que a Mostra realizou.

Não vou comentar, pelos motivos óbvios. Mas me impressionou, sobretudo no começo do “Raros Sonhos” a proximidade espiritual, digamos assim, entre Carlão e Sugawa.

É uma bela oportunidade para conhecer o cinema, no fundo pouco conhecido, de Carlão.

Quero um dia parar um pouco e escrever sobre ele. Vamos ver.

Acho que é isso por enquanto…


A Mostra vista de uma cama
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Inácio Araújo

Talvez alguém tenha notado o meu desaparecimento.

Então, aí vai a explicação.

Desde o começo da Mostra eu peguei um resfriado/gripe infernal, de maneira que por sorte já havia visto alguns filmes previamente e escrito sobre eles.

É terrível, mesmo porque eu já perdi filmes que, acredito, nem serão mais exibidos.

De todo modo, acho que o começo da 36ª. Mostra é muito animador. O Miguel Gomes, português, está tendo uma retrospectiva precoce que me parece bem merecida. Ele é muito forte.

Há uma do Tarkovski, mas o que eu queria mesmo rever dele é o Solaris, que vi há alguns séculos e me pareceu muito interesssante. Como estaria hoje?

“Raras Nuvens Flutuantes” é um filme que quem não viu deve ver e quem viu deve rever, se puder.

E há os suspeitos de sempre. O Oliveira com o belo “Gebo e a Sombra”, por exemplo.

Mas o endiabrado, o inusitado, o inesperado, talvez o mais inesperado da Mostra, para mim, vem do Abbas Kiarostami.

Devo estar esquecendo de muitas coisas. Mas é isso: daqui a pouco me recolho de novo.


Foi-se Sylvia Kristel…
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Inácio Araújo

… uma das mais belas e injustiçadas atrizes de cinema da segunda metade do século 20.

Como de costume, a beleza paga um preço alto por existir.

Sylvia ficou confinada quase sempre a “Emmanuelle”, o que é uma pena.

Quando Chabrol a usou, pedindo dela mais do que beleza (e sem abdicar dela), Sylvia rendeu maravilhosamente em “Alice ou A Última Fuga”, de 77.

Mas basta vê-la nos “Emmanuelle”: numa série vulgar, ela não tinha um pingo de vulgaridade.

Em todo caso, ela era para ver, não para falar.

“Silênzio!”


Maluf não é para amadores
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Inácio Araújo

A imagem apareceu de repente, não sei se fazendo o zapping, mas tive a sorte de pegar Celso Russomanno desde o início de seu depoimento pós-eleitoral.

O conteúdo não interessa.

Ele começou dizendo que estava muito feliz com o resultado.

Dava para espantar, já que tinha sido derrotado na batalha para ir ao segundo turno.

Ele prosseguia dizendo que sua candidatura contribuíra para a democracia etc. e tal.

Bem, qualquer candidato poderia reivindicar ter contribuído com a democracia pelo simples fato de se candidatar.

O interessante é que ele seguia literalmente um roteiro seguido anos antes por Paulo Maluf, ao admitir uma derrota, creio que para Mario Covas, enfim… O adversário não é o que importa agora.

Quando todo mundo esperava encontrar um Maluf derrotado, abatido, lá estava ele, todo fanfarrão, muito mais sorridente do que o vencedor, dizendo que ele sim era o vencedor, porque concorrera e porque era assim que se faz democracia etc. etc.

Enfim, ele nos dava uma lição de democracia. Ele.

Russomanno, que passou a campanha negando Maluf mais do que Pedro negou a Jesus na quinta-feira, na verdade foi buscar nele a inspiração para sua fala.

A diferença é que, enquanto se dizia extremamente feliz, incomensuravelmente feliz, dava para sentir as lágrimas correndo por seu rosto abatido como nunca.

Essa imagem é que deu, para mim, a medida do personagem. Ele não é Maluf.

Maluf: podemos amá-lo ou detestá-lo, mas é um profissional. Se não fosse político certamente iria arrebentar como ator.

Ele, Russomanno, é uma espécie de Francisco Rossi (alguém lembra?) piorado. Ou um Pedro Geraldo Costa (idem). Caras que por algum motivo aparecem, têm votação expressiva e somem do mapa.

Russomanno e o vácuo são a mesma coisa. Pode por a Igreja Universal por trás. Pode por até o Vaticano. Não pesa de jeito nenhum.

Devia estar feliz não por ter colaborado com a democracia (nesse caso, Levy Fidelix e Eymael deviam ganhar estátuas na Praça dos Três Poderes), mas por ter sido eliminado logo de cara.

Qualquer um dos outros adversários (inclusive Chalita) iria passá-lo no moedor se isso acontecesse.

Enfim… não é Maluf. Ser Maluf não deve ser fácil: exige preparo, disciplina, profissionalismo.


A Encruzilhada das Bordas
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Inácio Araújo

Nem falei do Cinema das Bordas este ano, o que não significa que ele tenha saído das minhas preocupações, antes pelo contrário.

Mais cedo ou mais tarde, os bordadores vão ter que tomar uma decisão sobre o assunto, sobretudo agora que têm o apoio do Itaú Cultural.

Uma coisa é o trabalho de pesquisa, que trouxe seu Manoelzinho, o bombeiro de Brasília, o Rambo do Pará e outros tantos personagens cuja atividade pode até atestar um gosto pelo cinema, que podem ter repercussão em suas cercanias, mas não têm o mínimo de habilidade ou inteligência para irem mais longe.

Outra coisa é a rapaziada que já mostrou talento para os filmes de gênero e que pode evoluir, e que o Bordas mais o Itaú podem favorecer essa evolução.

Como?

É perfeitamente possível programar oficinas que permitam aos realizadores e atores não só aperfeiçoar seus talentos, como buscar modos menos empíricos de produção.

Mesmo a realização do festival permite que o pessoal se encontre, troque experiências, etc. Mas, indo mais longe um pouco, pode-se imaginar cooperativas de distribuição e produção, todo um movimento que não precisa ser assim tão marginal e nem tão eternamente.

Vi este ano o filme do Gabriel Carneiro, por exemplo, e havia talento ali. Mas também havia bastante ingenuidade, muita submissão ao gênero, muita convenção (essa insistência nas causas da monstruosidade, por exemplo).

Há outros aspectos vários, como o trabalho com a luz no digital que requerem uma assessoria técnica mesmo e que visam dotar esse pessoal de um tanto de ambição, porque não dá para ficar feliz só por existir um festival anual que exiba seus filmes.

Enfim, esse me parece um campo aberto e que já amadureceu o bastante para passar ao estágio seguinte.

 


O resgate dos trópicos
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Inácio Araújo

“Tropicália” é o filme perfeito para encontrar os amigos na saída.

Antes podia ser na chegada também. Mas com esse papo de lugar marcado a gente só se vê mesmo na saída.

E é um pouco isso o que o filme de Marcelo Machado representa: o resgate de um momento em que o pensamento sobre o Brasil sofreu uma torção, em que no lugar do velho nacionalismo apareceu, ou reapareceu, a opção oswaldiana, a opção antropofágica.

Isso se deu simultaneamente em várias áreas, começando pelos concretos.

E não é um mérito menor do filme passar por todas ou quase todas as artes afetadas por esse movimento.

De certa forma, “Tropicália” faz eco com “Cara ou Coroa”, que evoca mais ou menos o mesmo período de forma inversa.

Quer dizer, “Tropicália” fala de uma música que rompe com certos critérios de maneira completamente vital num momento em que tudo era desfavorável. Caetano em Paris, em exílio, cantando “Asa Branca”, é de cortar o coração.

“Cara ou Coroa” começa por focar esse momento e essas coisas da política, a tortura, a repressão, o reacionarismo etc. Mas a isso sobrepõe a mesma vitalidade que havia naquele momento.

Por que esse momento, o da ditadura, nos afeta, afinal, tanto?

Se “Tropicália” (a música ajuda) se deixa compreender mais facilmente pelas pessoas mais novas, a questão, me parece, é a mesma.

Em ambos os casos, existia muito viva uma utopia.

Não importa julgar o que ela era, se certa, errada, isso não interessa.

Importa que o fim das utopias, nossa entrada no presentismo, isto é, nesta fase da humanidade que não vislumbra futuro, que se dedica apenas ao imediato, que quase se deleita a pensar no fim do mundo.

Enfim, eu proporia um belo programa duplo, de ficção e documentário: “Tropicália” e “Cara ou Coroa”. Um documentário, aliás, muito bem documentado. E uma ficção bem feliz.

Ambos nos levam a refletir sobre, justamente, o presente. O que nos falta, o que bate vazio, o que espera ser pensado neste mundo que se transforma muito vertiginosamente, mas parece suscitar mais do que tudo lugares-comuns (reacionários, se possível). São filmes até euforizantes, mas trazem ambos uma inquietação a transmitir a seus espectadores.


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