Abaixo o MEC-Usaid
Inácio Araújo
Minha geração, a de 68, certamente se enganou em quase tudo, a começar pela ilusão de que poderia enfrentar o governo militar brasileiro a poder de armas e que o povo seguiria a vanguarda. Não seguiu e quase digo ainda bem que não seguiu.
Mas o problema não está aí: acreditar que os EUA deixariam acontecer aqui algo parecido com o que houve em Cuba, onde uma pequena vanguarda, de uns 20 caras, acabou liderando a revolução, era uma ilusão quase infinita. Tenho razões para dizer o que digo, mas elas sequer vêm ao caso.
O caso é outro. É que, se acertamos numa coisa, foi quando saímos às ruas gritando “Abaixo o MEC-Usaid”.
Poucos de nós sabiam do que se tratava. Aliás, até hoje eu não sei direito. Não importa.
Basta ver o resultado de que acabamos de ter conhecimento a respeito da educação no Brasil. É uma desgraça. O ensino do Estado, em particular, é uma lástima.
Bem, o que eu quero dizer é isso: é muito bonito dizer que devemos fazer que nem a Coréia, destinar imensos recursos à educação, etc. Não sou contra isso, aliás.Mas me pergunto: e quem é que vai ensinar?
O abismo educacional no Brasil é tão intenso, tão violento, exprime tão bem o esmagamento das populações pobres pelas ricas, que hoje, quando o país voltou a crescer, não como os chineses, mas voltou, falta até quem saiba apertar parafusos, consertar sola de sapato e tudo mais.
O governo militar acabou com as humanidades. O governo militar fez do ensino público um simples depósito de jovens pobres. E arrisco dizer que providências como essas foram piores do que a tortura.
Porque a tortura (a política, ao menos) acabou, ficou para trás (mas esse “perdão” a torturadores é uma mancha durável e de conseqüências horríveis). A educação continua no buraco.
Como resolver isso? Com dinheiro, claro. Capacitando e aperfeiçoando professores, claro. Estou de acordo. Mas quem é que vai fazer isso se ninguém mais sabe nada de nada?
Durante décadas se desincentivou a leitura, porque era inútil aprender, porque isso não valia nada, economicamente. Um cara que lia era risível. O bom era o cara que enriquecia, que sabia os caminhos.
Mas agora, crescemos, e começamos a perceber que não se conserta uma janela direito, não se faz uma máquina de lavar quando não se lê, não se desenvolve princípios morais, essas coisas.
Então, hoje não falamos de cinema aqui. Mas falamos, sim. Essa é uma arte maravilhosa, que era em um momento partilhada por ricos e pobres, doutores e semi-analfabetos. Perdermos a perspectiva do quanto de democrático havia no cinema é muito mau.
Digo isso, também, um pouco sob o impacto da revisão de “A Árvore da Vida”. E revi a partir da perspectiva dos que acham que o filme poderia muito bem ser reduzido.
E entendi o que dizem. O filme para eles é muito longo, aquelas imagens “National Geografic” se eternizam. É verdade.
Mas acho que se pode observar da perspectiva do autor do filme. Trata-se de mostrar nada menos que o início dos tempos. Não dá para reduzir isso a um tempo mixuruco.
O evento é muito grandioso.
Ou então era melhor botar lá uma cartela: E o mundo começou. E depois começou a vida na Terra. E por fim veio o homem.
E estava resolvido o problema.
Não sei se é certo. Como já disse, o filme busca aproximar o nascimento do mundo e o do homem. O surgimento da espécie e o nascimento de cada um. O filogenético e o ontogenético.
O filho, a mãe, o pai ou: a água do ventre, a secura da Lei e eu: esse o drama.
Pode-se achar tudo isso uma bobagem, pode ser até que seja.
Mas da perspectiva do filme não havia outra solução.
É a mesma coisa o filme do Lars von Trier.
Para que se ocupar desse assunto, melancolia, depressão, se já existem belas pílulas milagrosas que nos alienam delas?
Bem, porque o resultado das pílulas milagrosas não é, para começar, tão milagroso assim.
Não dá para cobrir o inconsciente com pílulas e achar que tudo bem, está resolvido, a história acabou. Não dá.
Ou, para voltar lá onde tudo começou: Abaixo o MEC-Usaid, essa inesgotável mancada.