Cultura da delação
Inácio Araújo
Em princípio eu deveria me sentir satisfeito com uma bem documentada notícia do UOL a respeito de agentes da CET, publicada há alguns dias. Eles são flagrados em infrações de trânsito ora elementares, ora dando conta de o quanto podem ser autocomplacentes esses caras mesmos que nos infernizam, inventando multas, fazendo-se de intransigentes etc.
Mas não me sinto de modo algum entusiasmado. Esse é um sintoma a mais da cultura da delação que estamos já não criando, mas aperfeiçoando. Controle e delação!
A gente pode até pensar que coisas tipo facebook nos oferecem uma maneira de resposta aos controles e à opressão cada vez mais evidentes do Estado. Mas não é bem assim que as coisas se passam.
Cada crime denunciado por câmeras de segurança parecem alegrar os apresentadores de telejornais, como se a vigilância permanente fosse uma solução para os problemas do mundo.
E, ninguém duvide, até dá para ferrar com um ou outro agente da CET com esse tipo de estratégia. Mas não vai resolver nada, nem (ou sobretudo) a histórica estupidez da CET .
Da mesma forma, as vozes gravadas das companhias com as quais a gente tenta falar de tempos em tempos (bancos, NET, telefônicas em geral) nos diz cinicamente que “para sua segurança este telefonema está sendo gravado”.
Para minha segurança por quê? De que isso me assegura? De nada. É apenas uma maneira de dizer que, se você perder a calma falando com os atendentes-parede do outro lado, eles podem te ferrar de algum jeito.
O poder (que não é só o Estado) será sempre muito mais forte. Internalizar os mecanismos de controle e eventualmente replicá-los me parece uma forma de aceitá-los carneiristicamente.
Cultura dos faróis
São Paulo implantou uma nova cultura dos faróis de trânsito. Agora, aqui, os pedestres têm preferência, em qualquer circunstância, na travessia das faixas das ruas transversais.
Primeiro problema: num país com maioria de analfabetos funcionais quem é que vai entender o que é uma transversal?
Segundo problema: fizeram uma bela campanha pela TV, aquelas coisas que queimam dinheiro à toa etc. e tal.
No entanto, os faróis de pedestres continuam na luz vermelha nas transversais. Ou seja, não se tomou a providência mais elementar caso se tivesse realmente a intenção de que a coisa funcionasse.
Hoje, o pedestre tenta atravessar a transversal apesar do farol estar vermelho (pois é o seu direito, isso é que foi dito), enquanto o motorista tenta entrar na transversal do mesmo jeito, pois vê o farol vermelho para os pedestres.
Nessa altura os pedestres já estão sabendo, acho, do risco que correm. E os carrões já sacaram que a lei não vai pegar.