Imagem é tudo
Inácio Araújo
“A Tomada do Poder por Luís 14”, que tem no Brasil um nome meio estrambótico e de que eu não me lembro (em todo caso, saiu numa boa cópia pela Versátil), é talvez o grande filme político do século passado, justamente por mostrar o processo que leva um rei jovem e quase desprotegido (por causa da morte de seu conselheiro, Mazzarino) a controlar uma nobreza cheia de ambições.
O que acontece em “Tudo pelo Poder”, o novo filme de George Clooney é mais cheio de reviravoltas, claro, já que se trata de um thriller político, mas expõe de certa forma esse princípio: mesmo numa campanha política há que tomar o poder quem quiser ter algum poder.
Me pareceu um filme guiado pela palavra, o que não significa que a imagem seja desimportante. É que a imagem segue a palavra, e não o inverso. O filme já começa com o ensaio de um discurso (o assessor de imprensa da campanha fala o mesmo que o candidato deve falar mais tarde).
Depois, esse mesmo assessor manterá, incauto, uma conversa com o chefe de campanha do candidato adversário, o que o coloca em sérias dificuldades. Por fim, toda a chave da intriga se baseará em ligações telefônicas dadas ou recebidas por um certo celular.
O que é interessante e faz ver em Clooney um cineasta que se destaca bem no panorama americano atual é a percepção que temos, no início e no final, de uma campanha do Partido Democrático nos EUA. Isso supondo, claro, que o Republicano é aquela baixaria.
Os democratas, ao contrário, são dignos, e ninguém poderia ser mais digno do que o próprio Clooney como candidato em disputa das primárias.
No entanto, ao sair, nossa percepção sobre o processo político mudou substancialmente: é uma coisa suja, indigna. E o próprio candidato toma decisões que o apequenarão substancialmente.
Estou falando pouco para não atrapalhar o prazer de quem ainda não viu o filme, naturalmente.
O fato é que a transformação se faz suavemente, quase sem que a gente sinta, como se a expressão de Clooney só mudasse como reflexo da mudança que atinge o rosto de seu assessor de imprensa.
Temos o costume de achar a política uma coisa suja, sentimento que a visão desse filme pode eventualmente reforçar. O fato, no entanto, é que as coisas que se passam lá dentro, na campanha, não são em nada diferentes, como substância, daquelas que se dão em empresas e até em nossas casas.
A diferença substancial é que políticos precisam a todo custo preservar uma imagem, pois é isso que vendem. E Clooney sabe manter todo o tempo, como candidato, a expressão cândida de garoto-propaganda da Nespresso. Mas o mundo, que fazer?, de cândido não tem nada.