La China È Vicina – cap. 2
Inácio Araújo
Tomo de empréstimo o título do célebre (justamente célebre, é bom dizer) filme de Marco Bellocchio, mas o resto tem mais a ver com Hu Jintao, o que ele chama de programas de entretenimento e influência Ocidental na China e, por fim, o canal chinês que está sendo lançado em Nova York e, esperemos, logo chegue por aqui.
Primeiro: se a China é o segundo país do mundo, em riqueza e mais um monte de coisas, é desejável que a gente receba imagens de lá. Quer dizer, espero que elas cheguem logo por aqui, assim como gostaria de ver um canal argentino ou venezuelano. Pessoalmente, não agüento mais fazer zapping e ver todo o tempo a mesma coisa, os mesmos filmes, os mesmos EUA. Mas tenho a impressão de que do ponto de vista cultural isso é uma desgraça.
Por falar em desgraça, Hu Jintao está criando, com sua hostilidade à presença ocidental na China, a mais recente versão da “cultura socialista”. Como se sabe, cada vez que se tentou acrescentar um adjetivo à palavra cultura chegamos a um par de botas. Certamente Dante Alighieri não sabia que estava pondo fim ao medievo, quando escrevia. Apenas escrevia. Se alguém dissesse que era preciso substituir a “cultura medieval” pela “cultura renascentista” me parece provável que ela já nasceria acadêmica.
Mas Hu Jintao e eu temos algo em comum, que é considerar a maior parte dos programas de entretenimento da TV uma emanação do inferno. Não é que o Ocidente queira destruir a China, talvez seja, antes, um movimento autodestrutivo.
Mas o que Hu Jintao tem a oferecer em troca? Sabemos que a censura feroz vigora na China. É isso que virá no lugar dos shows? Um show da censura? Não seria má idéia, com aqueles caras vestidos iguais explicando porque tal e tal coisa prejudicam a nação chinesa. Ou aqueles discursos de dirigente comunista? (Ah, não, Hu, você está falando com um cara que já tentou ler os discursos sublimes de Enver Hocha – não lembro se se grafa assim – o sublime condutor da Albânia. Francamente, não dá pé).
O que seria um entretenimento que a China poderia nos oferecer? Talvez algo que viesse não do Partido ou similares, mas de sua população. Livremente. Mas, claro, seria pedir demais.
Aqui no Brasil isso seria possível, se em algum momento os canais tivessem algum interesse em elevar a população. Mas parece que seu objetivo é imbecilizá-lo (mais do que já faz o sistema educacional).
Hollywood é outra que não parece disposta a contribuir para a civilização chegar a alguma parte. Então, vamos resumir: a única coisa relevante disso tudo, além do surto de “cultura nacional” substituindo a “cultura socialista” é que o camarada Hu Jintao tem razão em acreditar que é necessário um contra-ataque. Mas não vejo com o que ele poderia contra-atacar. Há uns bons cineastas por lá, servem para uso externo, mas não estou seguro de que veiculem a imagem que Hu pretende difundir.
Daquelas óperas insuportáveis do tempo da Revolução Cultural nem ele quererá lembrar. O que vai, então?
A cultura sempre foi o calcanhar de Aquiles dos países socialistas, muito antes que todo o resto se mostrasse tão claramente putrefato quanto se mostrou. A China, com progresso e tudo, não se sabe no que vai dar. O camarada tem razão de pensar que não há país dominante sem cultura própria (ou, no caso, invadido pelo Ocidente). Mas que cultura se produzirá para o mundo num país meio comunista, meio ditatorial, meio capitalista? A China é (ainda? de novo?) um enigma. Mas, com toda franqueza, não acredito que dessa mistura algo de muito interessante venha a se revelar a nós.
Ainda assim, quero ver o canal chinês.