Tintim por Tintim
Inácio Araújo
Spielberg gostava de Tintim. Reservou os direitos para filmagem ainda nos anos 1980. Hergé gostava de Spielberg, pelo que li, e adorava “Encurralado”.
O resultado é que o primeiro exemplar de “As Aventuras de Tintim” é bastante fiel ao personagem, aos seus comparsas (Milu, sobretudo, mas também os investigadores idiotas, Dupont e Dupond, e mesmo o capitão Haddock).
Ele se preserva de certas besteiras, como a atualização das histórias, por exemplo. E, sendo uma história européia, acentua um lado meio britânico em vez de pender para o americano.
No mais, Tintim continua a ser um herói adolescente, ou seja, algo bem a caráter para Spielberg: há nele essa vitalidade que SS gosta de ver em seus heróis. E a trama cheia de reviravoltas também é à caráter para o cineasta, não precisou trair o original para fazer um filme com bastante ação.
O que li de mais interessante sobre a transposição foi numa entrevista com Benoît Peeters, um especialista em Hergé, publicada pelos “Cahiers”.
Ele entende que o estilo de Hergé lembra o melhor do classicismo, pela economia das linhas, pela clareza do traçado. Nisso, o filme se distingue bastante, porque o estilo de Spielberg supõe uma sobrecarga de movimentos que ele aproxima do barroco.
Há outras sobrecargas importantes. Peeters vê no processo “motion capture” (filma-se o ator sobre o qual é criada a imagem digitalizada), assim como na direção de arte, um efeito hiperrealista, o que de fato acontece.
Isso é mostrado claramente como opção de imagem logo no início, quando um artista desenha o nosso herói e, no desenho, vemos exatamente o Tintim de Hergé, mais leve, de linhas simples e claras.
Se essa opção é compreensível, a da movimentação muito grande da câmera não me parece se justificar tanto. É verdade que vi o filme na sala Imax e com legendas. O 3D me parece que funciona melhor dublado.
Mas se lembro de “Avatar”, digamos, existe uma suavidade maior nos movimentos, enquanto em Spielberg, barroco ou não, há algum desconforto para a vista. Não sei como a garotada reage a esse tipo de imagem, mas ainda sinto certo desconforto com o 3D quando vem muito agitado, e mais ainda em filmes longos, como este.
“As Aventuras de Tintim” lembra em vários aspectos os filmes de Indiana Jones. Há, inclusive, esse partido da ação muito cerrada, com reviravoltas contínuas etc. É bem o espírito do Spielberg juvenil, de aventura contínua, que não desmente o original.
No entanto, eu gostaria de ver no filme um tanto mais um personagem muito interessante que aparece no início, é referido mais tarde e depois esquecido: o velhinho batedor de carteira. Num filme em que tirar um pedaço de papel da mão dos outros é tão fundamental, penso que ele poderia ter um papel interessante e acrescentar um humor que falta ao final, agitado demais.
Uma outra coisa: não me entendo muito bem, ao menos por enquanto, com essa nova geração dos “Cahiers”. Mas algo que o crítico que escreveu sobre o filme, Jean-Sébastien Chauvin, é interessante. Ele diz que o fundamento de Tintim é uma vida sem destino, sem parada. Ele identifica no herói spielberguiano a ação como saída para a impotência de sua própria condição. Isso o leva a agir. Tintim seria assim. É um ponto de vista digno de reflexão, me parece.