Lições do mau cinema
Inácio Araújo
A vantagem dos maus filmes é que podem às vezes nos mostrar mais sobre o cinema do que até mesmo os bons, os impecáveis.
“Histórias Cruzadas” me pareceu um muito mau filme, entre outras coisas porque as mulheres brancas são, de um modo geral, apenas pessoas muito más, sem coração, essas coisas. A julgar pelo filme, nasceram assim, reacionárias e bestas.
A mocinha, ao contrário, é cheia de coragem, embora essa coragem não enfrente nenhuma represália digna de ser chamada assim. Ela é como uma criança impune para as mulheres de Jackson, Mississipi.
No mais, pelo que entendi, se apropria das histórias das empregadas negras e fatura bem faturado em cima. O risco fica com as negras, os méritos vão para ela, basicamente.
Nada se diz de KKK. Nem mesmo de movimentos de direitos civis (isto é: se diz, mas de forma muito sumária; isso não seria um defeito, desde que o filme nos informasse indiretamente sobre essas tensões). No mais, é como se aquele comportamento das mulheres brotasse da terra, e não de um modo de ser sulista, de fato segregacionista, escravista, tudo mais.
É como se simplesmente não houvesse uma sociedade ali, mas apenas um clube feminino destinado a maltratar as empregadas por prazer.
Bem, lembro de outro filme, que é “Tudo que o Céu Permite”, de Douglas Sirk. Ali estamos nos anos 1950, numa pequena cidade, e Jane Wyman se apaixona por um jardineiro (nada de negro, se isso acontecesse haveria linchamento direto).
A sociedade em torno vai fazer uma pressão enorme e rejeitá-la. Isso ela encara. Mas há os filhos, que não suportam a situação. No entanto, nenhum deles aparece como vilão ou parece detestar a mãe. Simplesmente fazem parte daquele mundo, recebem as pressões e as descarregam também.
Com umas poucas pinceladas, o tipo de sociedade de uma cidadezinha americana é magistralmente pintado por Sirk.
E, claro, sem as demagogias muito contemporâneas, tais como acabar o filme com aplausos para personagens que enfrentam adversidades. Os personagens não buscam aplausos, está claro. O aplauso é para a platéia, busca um efeito de contágio.
Por outro lado, leio uma entrevista da Ana Paula Sousa na Ilustrada com o produtor de “A Árvore da Vida”. Vale a pena. Ele diz que os produtores estão acabando com o cinema: gastando fortunas à toa, em coisas como limusines, champagne e salários descomunais. Gastam 100 onde ele gasta 10. Daí precisam fazer filmes tolos para atrair plateias enormes.
Que os produtores atuais são, em geral, nefastos, nenhuma novidade. São negociantes. Não entendem de cinema como os velhos magnatas e nem estão aí para o desgaste que causam.
Mas a proporção absurda de gastos é novidade. O dinheiro não está na tela (de fato, eu vivo me perguntando onde estão os alegados não sei quantos milhões gastos).
Podia ser uma lição, de resto, para os produtores aqui do Brasil, que andam fazendo mais ou menos a mesma coisa. Acham bonito queimar dinheiro. Isso também impressiona a mídia. É uma geração de negociantes e profissionais, basicamente.
Eu sou ultrapassado, por certo, sou do tempo que as pessoas se metiam nisso porque lhes parecia poético, ou por achar que tinham alguma coisa a dizer. Coisas que são, tenho a impressão, as que menos contam em inúmeros casos.