O Homem que Não Dormia
Inácio Araújo
Numa cabine de imprensa encontro o amigo Egypto e ele me pergunta sobre “O Homem que Não Dormia”. E, antes mesmo que eu possa responder ele acrescenta que foi um dos quatro abnegados que permaneceu até o fim da sessão.
Nada contra sair no meio dos filmes. Ficar até o final não proporciona uma visão melhor e, eventualmente, se não se está agüentando aquilo, ela pode ser até pior.
De minha parte, só posso discordar do Egypto em relação a esse filme. Não posso falar dos demais colegas, porque não tive a chance de conversar com eles.
É um filme fragmentário, concordo. Mas isso não é necessariamente um defeito. É um hábito da geração de Edgard Navarro, não apenas no Brasil.
E, até pude entender, o filme tem uma coerência interna muito forte, é balizado por um fabulário (mula sem cabeça etc.), pela crônica política (o torturado da ditadura, transformado em louco da cidadezinha), pela permeabilidade do real pelo fantástico (os deuses nativos, tão presentes que contaminam até o padre), pela crônica de costumes (a maledicência e a tragédia familiar do coronel, que é um outro lado da repressão e da dominação econômica).
Essas séries, tenho a impressão, se articulam muito bem e criam um exemplar de filme fantástico bem raro no Brasil e que foge do interminável prato pronto que em geral nos é servido.
Há um ponto obscuro no filme e o Egypto manifestou seu desagrado: é quanto a certa escatologia, àquela gente que fica urinando em cena, essas coisas.
Bem, para os padrões Navarro é uma delicadeza. Ainda assim, acho que esses momentos, sim, são dispersivos. Raramente se justificam.
No geral, no entanto, um filme que me pareceu muito vivo, atrevido, inteligente. Espero que os colegas lhe dêem uma segunda chance.