Blog do Inácio Araújo

O mais louco dos filmes

Inácio Araújo

60 anos de Positif. Parabéns do Ritrovato: uma sessão programada pela revista:

“La Nave delle Donne  Maledete” (O Navio das Malditas, mais ou menos).

Começa como um melodrama de época realmente horrível, novelaço.

Família nobre e arruinada. Para encobrir um crime da prima, a quem deve tudo, e não arruinar-lhe o casamento (que vai consertar as finanças da família), prima pobre confessa um crime.

Para quê? O tio, que lhe prometera mover mundos e fundos para salvá-la contrata um advogado picareta para fazer a defesa.

Só que, na hora do julgamento, o advogado se apaixona pela garota e no ato passa a acreditar na sua inocência.

Aí é tarde. Ela é condenada a trabalhos forçados e desterro.

Embarca no navio com outras prisioneiras.

Há mais coisas na trama, bem rocambolesca, mas até aí todo mundo está é se perguntando o que Positif viu nessa besteirada.

Isso até que, com dois terços já percorridos, o mundo vire de ponta-cabeça.

A saber: as prisioneiras se revoltam. Seduzem e conseguem a adesão dos tripulantes.

O comandante convoca a guarda. E a guarda prepara-se para atirar nas amotinadas.

Será?

Eis que as mulheres começam a mostrar seus corpos voluptuosamente, a chamar os homens da guarda para o amor.

Eles hesitam. Até que, dada a insistência dos chamados, baixam os fuzis e erguem vocês sabem o quê.

E caem nos braços das mulheres.

E os oficiais não sabem o que fazer. São defenestrados, lançados ao mar.

É o Encouraçado Potemkin das xoxotas, grita Antonio Rodrigues.

É o Potemkin da Sacanagem.

Mais: do delírio, da insânia, da fantasia, da perdição.

Sim, perdição. Porque o advogado e a mocinha alertam que o navio está afundando.

Mas a guarda, a equipagem, as mulheres não querem nem saber. Querem é trepar. Trepar até morrer. Trepar morrendo. Naufragando se for o caso.

Essa é, mais ou menos, a história.

Nunca tinha visto filme de Raffaello Matarazzo. Mas é claro que um cara que assina uma coisa dessas merece respeito. Parte do repertório popular para se aventurar onde só o cinema pode nos levar, a um reverter de qualquer expectativa, ao inesperado do mundo, ao inesperado do mundo buscado, no caso, da própria arte.

A procurar nas redes de compartilhamento. Não deve existir versão colorida, como a vista em Bolonha, mas em preto e branco, talvez.

* * *

Para quem quiser assistir o vídeo do debate “Às origens da cinefilia: Cahiers vs. Positis, 60 anos depois”, entre Michel Ciment, editor da Positif, e Jean Douchet, um dos gigantes da Cahiers du Cinéma, o link é este.

É bastante longo (62 minutos), em francês e sem legendas. Mas é também notável.