Blog do Inácio Araújo

As grandes mostras: Walsh, Grémillon, Japão

Inácio Araújo

Se eu for fazer filme por filme, creio que vamos terminar isso em outubro.

Então vou pegar um pouco as principais mostras de 2012 no Cinema Ritrovato, começando pela do Raoul Walsh, o homenageado do ano.

A Grande Jornada de Raoul Walsh

Ou nem tanto. Em relação à mostra de Hawks do ano passado, esta me pareceu menos organizada.

Com Hawks buscaram seus filmes mudos e os primeiros sonoros.

A mostra Walsh ficou espalhada, com alguns de seus primeiros filmes (1915/16), “Kindred of Dust”, “O Ladrão de Bagdá”, “What Price Glory”, “Red Dance”, anos 20, no meio, algumas raridades do começo do sonoro (“A Grande Jornada”, “Wild Girl”, “Me and My Girl”) e depois já a maturidade, entre 48 e 58, com “Sua Única Saída”, “Tambores Distantes” e “Meu Pecado Foi Nascer”).

Pensando bem, estou reclamando de quê?

A filmografia do cara é interminável e fantástica. Tivemos desde “A Grande Jornada” em projeção  70mm, que eu não vi, mas a Luciana Araujo viu e saiu deslumbrada, até “Meu Pecado Foi Nascer”, obra-prima em que todo Walsh, das reviravoltas estonteantes ao dark side do herói, da aventura como trajetória da inteligência (a aventura interior, define Jean Douchet), todo ele está lá.

Não deu para ver tudo, mas não perdi alguns bastantes raros, como “Wild Girl”, faroeste em que a garota selvagem do título encara uma série de desafios, e que em outras mãos poderia ser um filme sem graça, aqui se beneficia de uma dinâmica notável.

O mesmo vale para a comédia “Me and My Girl”, com seu ritmo delicioso e o empenho nos momentos em que o enredo não dá as cartas. A magnífica bofetada com um peixe que o bêbado do filme dá, o beijo de Spencer Tracy e Joan Bennett, em que ele sobe em cima de um balcão para melhor estar próximo da namorada, por exemplo.

Do que eu vi, “Tambores Distantes” me pareceu um desses filmes que, se vistos por um adolescente dos anos 50 fisga o garoto para o cinema para sempre, tal a força da presença heróica de Gary Cooper. Depois que a gente está mais crescidinho interessa menos.

Um parêntese para Spencer Tracy em “Man’s Castle” (“O Paraíso de um Homem”), de Frank Borzage, que passou na série, bem irregular, referente ao cinema feito a propósito da crise de 29 e enquanto ela ainda rolava (coisa bem atual hoje, mais ainda na Europa). História da Depressão com uma classe exemplar: Tracy faz o sem emprego capaz de usar fraque e cartola para descolar um belo jantar, sobretudo para levar a quase suicida Loretta Young a um jantar de gala e depois cair fora sem pagar. Loretta passa a morar com ele na favela (aceitemos a palavra, ela não é exata) onde se acotovelam as vítimas do desemprego e tudo mais. Spencer é malandro e poético ao mesmo tempo. O filme passou o diabo a seu tempo. Revisto hoje me pareceu um dos grandes momentos, pela imaginação, pela non chalance, pela elegância e pelo humor com que trata coisas que vão do desespero à malandragem.

Jean Grémillon

É estranho como, com tantos diretores de segunda linha incensados na França um como Jean Grémillon ficou esquecido. O que eu tinha visto dele era “Pattes Blanches”: para mim foi uma surpresa.

Desta vez veio uma série completa, o que permite ver, entre os anos 30 e fim dos 40, como Grémillon conseguiu manter sempre um traçado elegante e eficaz nos seus filmes, ao contrário da maior parte do cinema francês (exceção: Renoir, claro). Ele tem uma mão leve, nunca permite a sobrecarga na imagem.

A questão, se existe, é a irregularidade dos roteiros. “L’Etrange Monsieur Victor”, de 1937, é uma produção leve, quase precária, mas afinal bem ajustada ao roteiro: uma delícia de filme, para dizer em uma palavra. “Le Ciel Est à Vous”, um filme da Ocupação, com pouco dinheiro, mas muita força (apesar de Madeleine Renaud, mulher sem graça, no papel da aviadora que trata de bater um desses recordes que na época faziam sentido).

O mesmo, um pouco mais talvez, para “Gueule d’Amour”, história com tudo que se pode esperar de aventuroso: Legião Estrangeira, cassino, mulher aventureira (mulher fatal) e um fodão (Jean Gabin) que cai em suas malhas; depois, a coisa se complica bem.

O que têm esses filmes em comum? O roteiro de Charles Spaak.

Quem escreve o intolerável “Lumière d’Été”? Jacques Prévert.

Então a cada interminável diálogo é aquele blablablá poético ineficaz que tinha um inexplicável prestígio naquele tempo (e muita gente acha o máximo até hoje).

Para mim é o pior roteirista de todos os tempos.

Pior que as coisas que a gente fazia aqui nos tempos de Vera Cruz, por exemplo, porque a França tinha uma tradição e a entregou a esse subsurrealista. A gente não sabia nada, era diferente. E nunca fez coisas tão tolas, falastronas, inutilmente falastronas como “O Boulevard do Crime” (que é do Carné, mas escrito pelo Prévert, também).

Enfim: Grémillon, sem a dispensável poesia de Prévert, é, desde o mudo (“Gardiens de Phare”), um dos principais cineastas franceses.

Japão: os primeiros sonoros

Não vi muito dos primeiros sonoros japoneses, mas a surpresa, para mim, é que eles foram muito mais precoces do que eu poderia imaginar. Em 1930, 31, foram rodados vários, inclusive por Mizoguchi (“Fujiwara Yoshie No Furusato”, 1930) e Heinosuke Gosho (“Madamu Tu Nyobo”).

Muda muito do que aprendi (e passei adiante, admito) sobre o Japão ter tido um sonoro tardio. Não tudo: as experiências com som não se consolidam, não por problemas técnicos, mas porque a maior parte dos cinemas não estava equipada e, por conta dos benshis, os narradores de filmes, e também não fazia questão de se equipar.

Com efeito, o cinema sonoro vai se consolidar tardiamente no Japão, em meados dos anos 30, mas o som já estava bem controlado, pelos filmes que vi, em especial o Mizoguchi. E é um filme bem Mizoguchi: um jovem cantor tem uma garota de baixa classe apaixonada por ele, mas a hipótese do sucesso estará mais próxima se se aproximar de uma mulher de classe alta. Essa vida desencontrada, dramática, é bem típica dele, e o filme é forte, sim, embora seja seu primeiro sonoro.

De passagem, a série trouxe “Tokyo No Onna”, de 1933, de Ozu: mudinho da silva. Ou silencioso da silva, para quem preferir.

Há quem considere o Ozu do mudo superior ao do sonoro, já ouvi isso. Não entendi muito bem desde sempre. Mas este é um filme que me lembra Ozu em pouca coisa. Parece mais uma trama de Mizoguchi, aliás, com a história de uma moça, funcionária durante o dia, que à noite se prostitui para pagar os estudos do irmão. Tendência a final trágico, claro. Ozu meio tateando o mundo, acho, fazendo o que mais tarde não faria. Mas há ali, já, procedimentos que ele adotaria, como a câmera baixa etc. Ele mesmo diz que aqui começou a se fixar no tipo de composição que todos conhecemos. Não é pouca coisa.

O filme original tinha 70 minutos. Foi exibido em 47 minutos ou algo assim: isto é, há partes perdidas.

Chega por hoje? Chega, vai.

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30 Dias sem Carlos

 

Sexta-feira, 13, às 19 horas, será a missa de trigésimo dia do Carlão Reichenbach.

 

Amigos aqui de S.Paulo, quem puder, certamente estará lá.

 

É na Igreja de Santa Terezinha, na rua Maranhão, perto da av. Angélica.