Blog do Inácio Araújo

Bolonha 2012 – Renoir, Aldrich e mais…

Inácio Araújo

A Grande Ilusão

Como “Viagem à Itália”, revisto em tela grande e restaurado é um prazer sem fim.

O restauro é como o de “Viagem”: perfeito, perfeito demais, não restam irregularidades, parece que passaram o filme a ferro.

Será preciso dar um jeito nisso, embora os ganhos sejam evidentes.

Renoir é o melhor diretor francês, talvez de todos os tempos. Clássico, não há dúvida. Entre ele e o segundo, escolha quem quiser, há uma légua de distância.

“A Grande Ilusão”: a Primeira Guerra é representada, mas é o perigo da Segunda que o filme anuncia. Ora, Renoir é um cantor da vida, da felicidade, do encontro – mesmo na tragédia a vida emerge como pura energia.

E a energia nos filmes se traduz por movimento, passagem, transformações frequentes – que aqui aparecem com força nas reviravoltas de uma batalha sempre anunciadas pelos dois lados, alemães e franceses.

Pacifismo, relações de classe, de credo, proximidade entre os povos acima das divergências entre dirigentes, mas também dever, fidelidade, aventura, modos de cavalheirismo (de nobres e plebeus), o fim do mundo aristocrático – tudo está lá, mas, como diz Douchet acho que citando Renoir, “não há necessidade de insistir”.

O que Douchet diz, ele mesmo, muito instrutivo, é sobre a relação espacial em Renoir: o quadro muda todo o tempo. As panorâmicas abundam, ou então os personagens se deslocam no interior do quadro, ou mesmo temos os travellings, mas sempre como se a câmera não estivesse presente, como se as coisas acontecessem por si próprias.

A Grande Chantagem

Ou “The Big Knife”. Nunca tinha visto. Um Aldrich que não se pode dizer que é atípico, mas onde a violência é muito mais mental e nada física, onde a ação é intensa, porém interior.

Clifford Odets escreveu a peça, o que indica que ele tem algo a ver com isso (se alguém puder esclarecer…): trata de um roteirista de sucesso que pretende não renovar contrato com o estúdio e voltar a Nova York.

O estúdio tem outros planos e está disposto a lutar pela permanência do escritor. Os métodos que usa são parecidos com os de qualquer máfia, com a diferença que a única coisa que não pode acontecer é o escritor morrer. O resto, inclusive o casamento (com Ida Lupino, que quer tirá-lo de lá), que se dane: eles acham que com dinheiro tudo se arranja.

Aldrich não disfarça a natureza teatral da peça, que se passa quase inteiramente na sala de visitas da casa do roteirista. Vemos também o imenso jardim. É tudo que vemos da Califórnia, no entanto por algum motivo ela nos aparece secreta.

Apesar do cenário restrito, não há monotonia, visual ou outra. E Jack Palance faz o papel do roteirista. Quero dizer: por uma vez ele não é o vilão.

Lawrence da Arábia  

Restauro digital também, mas acho que da Sony: este até as oscilações da imagem não digital parecem permanecer.

Versão do diretor, quer dizer, uma coisa interminável, quase 4 horas.

Não era para tanto.

A bem dizer, o filme hoje aparece bem pesado, um tanto enfático demais.

Na época, nós víamos ali coisas que hoje não fazem mais sentido. Por um lado, o fim do colonialismo.

Por outro, o mais interessante: Lawrence era uma espécie de beatnik avant la lettre. Em vez de ir para a estrada ia para o deserto. Liberação. Liberação da Coroa, da Inglaterra, do Império.

Mas não se pode dizer que não é ainda hoje fascinante, embora um tanto esmagador pela grandiosidade.

Fui embora no intervalo porque estava caindo de sono, era a projeção das 10 da noite na praça. Não dava mais.

Chaplin

Fecharam o Ritrovato três curtas de Chaplin do período Mutual: “Rua da Paz”, “O Imigrante” e “The Rink”.

Três obras-primas ali próximas dos 20 minutos, sempre com Chaplin escoltado por Edna Purviance e Eric Campbell. Este último é o fantástico, adorável vilão-vítima dessa fase de Chaplin.

Como se não estivesse já tudo bem, aqui a Orquestra Comunale di Bologna é quem fez o acompanhamento, com direção de Timothy Brock, que às vezes também é compositor.

Seria interessante se essa orquestra fizesse uma versão gravada da música que apresentou no ano passado para a “Viagem à Lua” de Méliès. Era soberba, enquanto no DVD à venda é uma coisa deplorável.