Cestos de lixo e outros cestos
Inácio Araújo
O Lixo
Como eu já disse, ou devia ter dito, não entendo o que leva um cara a querer ser prefeito.
Governador, presidente, eu até entendo. Mas prefeito está aqui ao lado. A rua esburacada, a enchente, o barulho demais, o trânsito, a educação.
Enfim, tudo o que dá errado, que aborrece ou entristece está aqui, ao nosso lado, e é o prefeito o primeiro que a gente xinga. Mesmo que os problemas existam há 200 anos, queremos que já estivessem resolvidos e fim.
Bom, digo isso porque escrevi algumas vezes das coisas ora insuportáveis ora tolas do Kassab (prefeito a gente trata assim, na intimidade, como serviçal). Mas agora quem olhar as ruas com atenção vai ver que tem lixo para todo lado.
Não pilhas de lixo, mas latas de lixo para a gente jogar o papel do picolé, o maço de cigarro, a caneta velha, tudo isso que normalmente é jogado na rua mesmo.
Não sei se isso acontece na cidade inteira.
Me dei conta disso quanto estava no Jardim Paulistano. A cada poste um cesto amarrado. Se o bairro é mais pobre, mas ainda aqui perto do centro, baixa um pouco a média, fica um cesto a cada três ou quatro postes.
Espero que não seja uma dessas medidas que entopem de lixo as ruas dos ricos e meio ricos, na suposição de que eles merecem, mas não chega um mísero cesto nos bairros pobres, porque acha que eles só vão destruir tudo.
Enfim, isso é que eu vi.
... E o julgamento
Nada me parece mais estranho que o mensalão e seu julgamento.
Saiu o primeiro réu condenado. O primeiro petista condenado, entenda-se.
E de repente houve uma baixa de tensão muito, muito estranha.
Parece que perdeu a graça.
Bem, eu me pergunto se é isso mesmo o que está acontecendo ou se foi mera impressão.
No passado, o mensalão estava no auge. Todo mundo achava que o Lula não ia se reeleger por causa disso. Mas Lula ganhou a eleição muito fácil.
Eu me pergunto se uma enorme parte da população, ao ver todo esse esforço para ferrar o Lula (porque ele é o alvo, nisso ele tem toda razão), não raciocina de modo inteiramente diverso daquilo que o pessoal da oposição imagina.
Essas pessoas talvez pensem: “Se eles perseguem o Lula é porque ele fez alguma coisa por nós”.
Esse é o “eleitor desinformado” padrão de que falam nossos amigos do PSDB. Ele pensa. Certo ou errado, não importa. Mas pensa e vota de acordo com o que pensa e experimenta.
Esse cara, o “desinformado” dispõe de informações que não dispomos. Ele é chamado a toda hora a botar as mãos na parede e ser revistado apenas porque é pobre. Ele é torturado quando vai em cana com ou sem razão. Ele passa três ou quatro horas na condução para trabalhar etc. Essas as informações de que dispõe é que o levam a votar A ou B.
Bem, dito isso, quem disser que eu estou dando um chute do tamanho do mundo estará com a razão. Não entendo bulhufas de marketing político e o pouco que sei de marketing em si vem da convivência com Rodolfo Azzi, que além de psicólogo citado pelo Skinner foi um grande cara de marketing, mas isso há uma pá de tempo.
Tem também uma leitura muito formidável de um artigo em que o McLuhan comenta o célebre debate Kennedy x Nixon. É bem inesperado.
Do Bixiga ao Multiplex
E por que, seu chato, você não fala do que entende (se é que entende)?
Porque, respondo, os filmes estão insuportáveis.
O grande escândalo não é o mensalão, eu acho, isso é café pequeno.
É “O Gerente” do Saraceni estrear na TV.
Se a gente voltar uns 30 anos no tempo, bom, havia ditadura ainda e o Ademar abriu o Cineclube Bixiga.
No Bixiga, para quem não viu, quem estivesse da segunda fila para trás corria o risco de ter uma cabeça na frente.
Eu vivo exagerando. Não estou exagerando, no caso.
Quem passou por lá sabe.
Bem, e todo mundo ia ao Bixiga, se encontrava, conversava, corria atrás dos filmes, não reclamava do filme, do projetor, da cabeça na frente.
Estávamos felizes por estar lá e ter informação, amigos, tudo.
Hoje o Ademar é um, digamos, magnata das telas.
Tem multiplex em tudo que é canto. É o grande concorrente nacional das redes multinacionais de salas. Tem Imax.
E não há hipótese de você sentar lá e ter uma cabeça na sua frente.
Mas nem lá “O Gerente” passou. Nem no Reserva Cultural. Nem no CineSesc.
No Estação Botafogo passou? Não sei lá no Rio, não sei.
É isso. É essa nossa questão. As outras são decorrência.
Tente entrar na mostra do Caravaggio, ou dos Impressionistas.
Beleza. Filas, o diabo.
Mas o que fica disso?
Não existe mais cultura. Existem eventos.
O que não for evento, não existe. É como se não existisse.
Espero, enfim, que o Ugo Giorgetti tenha sorte com seu “Cara ou Coroa”, porque o filme é uma beleza.
Que o Ugo tenha sorte, não. Que a cidade (agora falo de São Paulo apenas) tenha sorte de se reconhecer naquelas imagens. Que o país tenha sorte de se reconhecer, também, ali.