Duas ou três coisas sobre o Batman
Inácio Araújo
Fui ver o novo Batman com poucas expectativas.
É uma boa maneira de se abrir à surpresa: tudo te leva a não gostar daquilo, mas de repente você se vê gostando.
Não foi o que aconteceu, diga-se.
Em primeiro lugar, o roteiro, embora do ponto estritamente técnico seja ok, não me encanta nem um pouco.
Filme de super-herói tem uma relação íntima com o fantástico.
O Pinguim, o Coringa, o dr. Silvana, o Lagarto, a Mulher-Gato são tão fantásticos quanto Super-Homem, Homem-Aranha ou quase todos os demais super-heróis.
O Batman é até certo ponto uma exceção. Ele é um Zorro moderno, sua vida dupla consiste em colocar umas tantas máscaras e tal e coisa. Mas o aparato em torno dele é fantástico, de todo modo, assim como é Gotham City.
Ou era até este filme. Aqui não há um vilão fantástico. Ele parece mais saído desses filmes de brutalidade, com aquela história de fugir de uma prisão inexpugnável, e de se tornar mais forte por isso, etc. etc.
Gotham City, aliás, também perdeu todas as suas qualidades fantásticas (e dark, digamos). Virou abertamente Nova York. O objetivo final dos vilões batmanianos sempre foi dominar ou exterminar Gotham City. Mas Gotham City era um universo à parte.
Agora, mais modestamente, os caras se apossam de uma dessas tremendas bombas nucleares, mas tudo que pretendem é destruir Nova York.
Que é grande, mas não é o mundo, convenhamos. Hitler queria muito mais. Ou Stalin, para quem preferir.
Nesse nível, então, “Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge” é uma espécie de requentado da Guerra Fria (ameaça comunista, com discurso igualitário e ditadura feroz) mais pós-Guerra Fria (alusões claras e frequentes ao 11 de setembro).
Pouca fantasia, em suma, embora eu goste da reviravolta envolvendo Marion Cottillard.
Pouca fantasia e limitada à Mulher-Gato. Mas quem observar a distância entre essa e a de Tim Burton ficará constrangido. Nada de uma mulher desesperada, dividida, brandindo seu chicote histericamente.
A Mulher-Gato é uma máscara e olhe lá: o resto corre por conta de Anne Hathaway, que é fantástica, embora num personagem sem nenhuma tensão: uma ladra qualquer, praticamente, ainda que muito bem dotada quando chamada a agir.
Esse é o território, no entanto,em que ChristopherNolanparece sentir-se à vontade. A partir daí a ação adquire um tom crispado que mantém com o mundo uma relação bastante ambígua.
Ele fecha a ficção, por um lado, como se fosse um mundo impenetrável.
E por outro empanturra-a de mensagens políticas quase veladas (as referências ao 11 de setembro a que me referi; proletariado – ou, talvez, muçulmanos vingativos e tal) e coisas do tipo “a máscara é só um símbolo” ou “qualquer um é Batman”.
Ele te fecha ao mundo real e ao mesmo tempo te chama para ele.
Esse tipo de procedimento me parece sintomático de uma ficção um tanto doentia que começa a proliferar hoje, e não só em Hollywood.
Ela me parece bem perceptível nos filmes de Michael Haneke.
E fico com a impressão, cada vez mais, em Batman e fora dele, de que com Christopher Nolan, Hollywood já tem o seu Haneke.