As Bem Amadas
Inácio Araújo
Fui ver “Bem Amadas” como fui ver o Batman: esperando muito pouco.
É, acho, uma situação interessante, porque não raro a gente se surpreende.
Até hoje não sei bem o que o Christophe Honoré quer da vida. Não que seja culpa dele, é minha, provavelmente. De todo modo, adoro “A Bela Junie”, gosto da situação familiar de “Em Paris”, me enchi bastante nas “Canções de Amor”, se é o que o nome é esse.
Mas meu preconceito com o filme não vinha daí, e sim do encontro mãe e filha, Deneuve e Chiara, que me pareceu uma coisa muito mercadológica. Não sei, li a notinha do Sergio Alpendre no Guia da Folha. Bola preta, frase dizendo que chega de sub Jacques Demy, o cacete.
Bom, para mim o mundo seria ótimo se houvesse um monte de sub Jacques Demy. Quem me dera.
Em todo caso, não conheço tantos assim.
O filho do Demy, de certo modo, mas nem tanto assim. Ele tem, digamos, uma filiação antes de tudo. Filiação ali no cartório mesmo. Mas suas buscas e tal evocam o pai.
Já o Honoré, neste filme, tem uma tremenda delicadeza e uma tremenda elegância.
Há duas mulheres, mãe e filha, os homens que as amam e os homens que elas amam. De diferentes maneiras.
O caso da Deneuve é mais surpreendente um pouco e não vou tocar nele para não estragar quem ainda não viu o filme.
O da Chiara Mastroianni é: ela é amada por Louis Garrel, mas tem um amor obsessivo por Paul Schneider, um roqueiro que pelo jeito não se interessa muito por ela, embora não diga isso em momento algum.
A ambiguidade que sustenta é tão mais interessante quanto ele é homossexual e é portador do HIV (parte do filme se passa num momentoem que Aidsera fatal).
Ele é capaz de viajar horas para vê-la, mas leva o jovem amante, para o qual diz não dar muita bola, mas que está sempre lá.
Honoré faz uma linda cena de amor entre os três. Bem sensível.
Melhor é o momento, logo depois,em que Chiaradesce ao hall do hotel (ela foi aos EUA bem no 11 de setembro e seu avião foi desviado para Montreal) onde colocaram uma pilha de passageiros, pega o controle da TV, tira do noticiário que todo mundo quer ver, bota num videoclipe e começa a dançar sozinha no lugar.
Belíssimo.
Dito isso, Chiara Mastroianni me dá aflição. Não sempre. Mas quando colocada em primeiro plano.
Tenho sempre a impressão de estar vendo Marcello Mastroianni em “Casanova e a Revolução”.
Acho que ela deu um azar genético inacreditável. É demais a cara do pai.
Mas não a via tão bem, exceto nesses momentos, desde “A Carta”, desde o Manoel de Oliveira.
Ela me parece uma grande atriz, sempre que filmada em plano americano ou médio.