Jatinhos
Inácio Araújo
Estamos em crise, sabemos. Todos os dias os empresários ameaçam demitir, diminuir a produção, fechar a fábrica.
Estamos, portanto, numa grave crise.
Os empresários vão ao governo para pedir ajuda, menos impostos, alguma solução.
O governo convoca os empresários para uma reunião em busca de soluções.
Foi há alguns meses essa reunião, e as cenas chocantes que apareceram na TV mostravam a certa altura um congestionamento de jatinhos no aeroporto de Brasília.
Levando em conta a crise, poder-se-ia esperar que o sistema de caronas imperasse, que uns ajudassem aos outros, que rachassem a despesa da gasolina, coisas assim. Mas não. Cada um desses sacrificados homens veio em seu próprio jato.
Como a nos lembrar que existe algo disfuncional na repartição entre a fortuna pessoal e a fortuna empresarial em nosso país.
Ontem (15/8) vejo no jornal da Globo News que somos o terceiro mercado mundial de jatos executivos!
Ficamos atrás apenas de Estados Unidos e México, segundo observava o rapaz da reportagem com um ar de orgulho, ao menos me pareceu.
Bem, essa desproporção entre uma crise lancinante a abalar nossa indústria, a reclamação insistente de que os impostos são muito altos e, simultaneamente, a opulência dos industriais, dos ricos em geral, não conseguirá dar motivo a nenhum estudo econômico ou mesmo sociológico. É mais uma questão de esquizofrenia, mesmo.
Por coincidência, estava eu lendo a biografia de Jacques Lacan. Não tem nada a ver com isso, claro, mas a horas tantas, em suas brigas com a Sociedade de Psicanálise, ele diz que a aspiração dos psicanalistas é uma democracia à maneira clássica, onde a sociedade é composta de cidadãos livres com escravos a seu serviço.
É uma velha aspiração nacional, talvez.
Paulista, com toda certeza.
Imagens não mentem.