Blog do Inácio Araújo

TV Justiça ou TV Fama?

Inácio Araújo

Quem foram os astros da semana? Ninguém diga que foram os japoneses do Corações Sujos. Nem o Anthony Hopkins do 360. Ou o boneco animado que tenha entrado em cartaz.

Nada.

Quem brilhou foram os ministros do Supremo. O Mensalão foi o motivo principal, claro. Mas ele é decorrência.

Tudo começou quando abriu a TV Justiça e as sessões do STF passaram a ser transmitidas ao vivo.

E os antes misteriosos senhores de toga tornaram-se pouco a pouco, talvez mesmo sem notarem, isso que se chama celebridades.

Assim como o artista de novela abre sua casa para Caras, temos os artistas do STF.

Não importa que o palavrório jurídico fosse (e continuasse) incompreensível. Importavam os gestos, a elegância da palavra, a maneira como uma personalidade se afirma. Pode até ser pelo gumex no cabelo. O que importa é a imagem.

Transformados em personagens públicos, perderam a aura de distância e, sobretudo, equidistância que caracterizava os juízes.

Como a imprensa está um tanto histérica e transfere esse estado para seus leitores, não é difícil ver que o egrégio tribunal ser motivo de comentário nas barbearias ou nos botecos.

Deixaram de ser mortais, passaram a ser apenas partidários.

Deixaram de ser juízes: são apenas venais.

Assim como acusa-se o Ganso de fazer corpo mole, o ministro Lewandowski, ou “o Lewandowski” como agora é conhecido foi o vilão da semana televisiva, por discordar de sei lá eu o que do relator Joaquim Barbosa, na barbearia, “o Joaquim”.

Como a disposição da mídia é pela condenação, qualquer voto pela absolvição é recebido, nos meios que se veem como bem informados, como um acinte.

As cartas dos leitores, nos jornais, refletem bem esse sentimento. Se “o Lewandowski” absolveu o deputado tal, do PT, é porque foi nomeado por Lula. O que significa que se deveria mudar o sistema de escolha dos juízes.

Ok. Mas pensemos que “o Joaquim”, instransigente, foi indicado pelo mesmo presidente e toda essa construção não vale mais uma gota de pinga no balcão onde o assunto é discutido.

Parênteses: pelo outro lado, o da defesa, “o Joaquim” é visto como o cara que faz o que faz e diz o que diz apenas para aparecer bem no TV Fama da TV Justiça, para ser aplaudido nos restaurantes, etc. Fim do parênteses.

Esses detalhes, contudo, não importam. Minha simpática acupunturista veio me dizer outro dia que “vai tudo virar pizza”… Ao que eu, com duzentas agulhas enfiadas no corpo, tive que argumentar que o julgamento mal começou.

Isso, contudo, parece um detalhe secundário.

Não é mais no universo dos tribunais que estamos. É o a Justiça da novela. As duas coisas se confundem. Assim como a cabeleireira tem que dar todo dia para suas clientes uma posição clara, quase oficial, sobre os atos da mocinha ou da vilã da novela de ontem, aqui também as opiniões têm que ser imediatas e definitivas, exalar uma convicção.

Não sei se se ganha ou se perde com essa exposição do STF, com essa dessacralização dos juízes. Talvez se ganhe, no fim: a justiça deixa esse âmbito esotérico para descer ao comum dos mortais.

Mas, no primeiro momento, sem dúvida, e independente dos danos ou benefícios desse julgamento para as instituições e a democracia, quem ganha são os juízes de futebol, eternos vilões da segunda-feira, agora em suave surdina.