Bola dentro da Ancine
Inácio Araújo
É uma coisa mais importante do que possa parecer à primeira vista: a Ancine conseguiu emplacar uma cota de produções nacionais goela abaixo das TVs pagas.
Primeiro, isso dará saída à virtual produção de todos esses alunos de cinema que não podem passar a vida à espera de uma chance de fazer seu filme longo, nem ficar submetidos a trabalhar quase de graça para firmas de filmes publicitários que faturam fortunas a cada anúncio.
Segundo, estabelece um precedente importante no sentido de impor um produto local. Até hoje, pode ser que eu me engane, ninguém com exceção do Canal Brasil mantém cineastas em atividade regular (por séries ou mesmo especiais sobre cineastas, artistas etc.)
Por último, me parece extremamente desejável que essa brecha seja aproveitada, por cineastas e pelos canais, para veicular ideias.
Ou, se posso ser mais claro, para que se façam filmes, séries, o que for, em que uma paixão, uma obsessão, uma necessidade vital sejam o essencial, e não “o lance”, “o negócio”, “a oportunidade”. Disso já está cheia a produção cinematográfica que passa ou pretende passar nos cinemas.
Saraceni na TV
Para muita gente o grande escândalo nacional é o mensalão.
Para mim, fácil, é “O Gerente”, o último filme de Paulo César Saraceni, estar estreando em televisão.
Ah, é verdade, no primeiro roubaram um monte de dinheiro. Não ignoro.
Mas um roubo é um delito banal. Mandar um filme de Saraceni estrear na televisão é um crime de lesa-pátria.
Nem que fosse por respeito, por solidariedade a um dos nossos mais importantes artistas, nem que fosse para alimentar a percepção de que o passado, afinal, ainda existe, “O Gerente” teria que estrear em cinemas, com a devida pompa e circunstância.
Mas não há mais lugar para Saracenis, nem nos cinemas do Ademar, nem na dita Reserva Cultural, nem no Sesc, nem em parte alguma.
Somos um país incapaz de reconhecer o que produzimos e que está diante do nosso nariz. Ao mesmo tempo, admitimos (e até endeusamos) esses prédios enormes e horrorosos que danificam a paisagem para sempre.
Estaremos trilhando um atalho para a barbárie?