Tv Milagre
Inácio Araújo
Faz uns 30 anos, quem estava vivo se lembrará, de repente apareceu um programa explosivo, bem popular, no SBT, chamado “O Povo na TV”.
No programa havia um tipo especial, o prof. Lemgruber. Vestia uma roupa toda preta, um medalhão no peito, e possuía virtudes curativas únicas.
O sujeito chegava lá com dor aqui, aqui, aqui. Ou não andava mais. Ou tinha câncer: os médicos desacreditaram. Esse tipo de coisa. O professor passava as mãos em torno dele, partindo da cabeça e chegando à cintura. Sem encostar, apenas transmitindo os fluidos e sua força mental com as mãos.
Com o sucesso, o Lemgruber começou também um promissor comércio de medalhões e coisas que tais.
Bem, depois de uns três meses o programa foi tirado no ar e o pobre Lemgruber acabou em cana.
Nunca mais se viu milagre na TV.
Nunca mais vi, para falar a verdade.
Porque há algumas semanas, fazendo zapping, a gente encontra uma pilha de pastores fazendo as mesmas curas do velho professor.
Agora, a bem dizer, não são curas. São milagres da fé.
Todos, invariavelmente “em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo Aleluia!”
Um fenômeno eterno de pobres dirá alguém.
Em priscas eras, o milagreiro mór dos paulistas era o padre Donizetti, de Tambaú.
E quem for a, digamos, Santana do Parnaíba, encontrará pilhas e pilhas de muletas. Provas cabais dos milagres da fé.
Mas o milagre da TV é de outra ordem. Ele se difunde, se multiplica. O milagre é a prova da existência de Deus, de sua força.
Devia ser algo raro. Mas no supermercado evangélico é mercadoria barata.
Mão que não fecha? Passa no pastor. A mão vai abrir e fechar que nem maçaneta nova.
A força de NS Jesus Cristo não tem aparecido para curar coisas como cegueira, mal de Parkinson, essas coisas mais palpáveis. Ficamos na mão do paciente e do pastor.
O que importa nessa operação, além de demonstrar os poderes de NS Jesus Cristo Aleluia! é a imensa, infinita quase solidão da gente pobre. Se não houver ajuda de Deus, bem, sabemos que dos homens nada conseguirão.
A quantidade de hospitais que frequentam a propaganda eleitoral por algum motivo não cura nem dor na perna, nem coisa nenhuma.
Isso é um lado da coisa.
O outro é: esse negócio de religião é formidável, porque o Lemgruber, que fazia os mesmos milagres sem apelar a Deus, acabou em cana, enquanto os pastores continuarão com seus milagres por muito, muito tempo.
República dos Milagres do Brasil ou República Fundamentalista do Brasil?
O que fica melhor como nome?
De todo modo, estamos a caminho, bem mais rápido do que eu gostaria, de virar uma república religiosa.
Sempre fomos, a rigor. O catolicismo sempre mandou e desmandou nas coisas do mundo.
Agora é a vez dos crentes.
Eles se colocam ostensivamente como seres políticos.
Têm hoje uma bancada considerável, do tamanho, acho, dessa bancada dos donos de terras.
Coisa influente.
Na última eleição principal o grande debate foi balizado pelos religiosos.
Contra o aborto e que tais.
Aquelas palhaçadas. Candidato tomando a bênção, jurando por Deus que acreditava em Deus.
Bem, agora, aquiem São Paulo(berço de tudo que é idiota nesta nação), os crentes apóiam um candidato meio que abertamente.
E os católicos, sua ala mais debilóide, essa que entupiu a missa com músicas da pior qualidade, vão atrás. Mesma balada.
Aquela corrente…
Nem dá mais para jogar sobre uma divisão entre católicos e crentes: estão unidos na música ruim, na teologia nauseabunda e também unidos na missão de fazer de nós a primeira república fundamentalista do Ocidente.
Hoje esses políticos são no mínimo fiel da balança de muita coisa. Decidem, sim, e muito.
Têm lugar nos governos.
E, não duvido, em algum tempo chegarão aos cargos executivos.
À religião, afinal, tudo é permitido. Lemgruber deve saber disso.