Cronenberg de volta a Cronenberg
Inácio Araújo
A sensação de ter cinema para ver é ótima, tão mais ótima quanto tem rareado nos últimos tempos, vergada sob o peso do, ai ai, mercado.
O primeiro dos filmes é “Cosmópolis”. Cronenberg volta àqueles personagens que falam como robôs, que se comportam fora dos códigos esperados.
Mas desta vez é para refletir sobre o novo capitalismo, o do puro dinheiro, do dinheiro ficção, inexistente, do dinheiro que não constrói nada, exceto mais dinheiro. Breve, do capitalismo que produziu a crise de 2008 (e seus avatares).
A distância entre “Cosmópolis” e o que a gente tem visto ultimamente é tão acentuada que não me dá nem vontade de escrever a respeito. Não, pelo menos, neste sábado de feriado.
A matéria que saiu na Folha ontem acho que diz o que penso: quem conta com facilidades deve procurar outra coisa, mas o filme é fortíssimo.
Ugo é o outro belo retorno
Outro que é preciso correr para ver: “Cara ou Coroa”.
Há tempos eu me perguntava onde andava o Ugo Giorgetti. Que beleza, que felicidade ver esse retorno tão forte.
O filme situa sua ação em 1971. Ação fictícia, claro, o que não a impede de ser inteiramente verdadeira.
No centro, algo que era frequente na época: alguém é chamado a abrigar uma dupla de fugitivos para fazer favor a um terceiro.
Isso era coisa comum.
Mesmo quem não tinha muito, ou tinha pouco, a ver com política, conhecia alguém que, a horas tantas, precisava de abrigo.
Era um problema, porque por dar esse abrigo o cara podia ser preso, torturado e tudo mais.
Mas o principal do filme não é isso. Diria que é quase acessório (também não é).
O essencial, no entanto, o que é novo, que não me lembro de ter visto antes, é a imensa vitalidade que existia no período, e que é reencontrada pelo filme.
De fato, esse foi um momento febril, também, criativo, como se as pessoas precisassem de algum modo se por em alerta para não sucumbir. Podia ser no teatro, como está no filme, ou em qualquer outra parte.
E Ugo faz uma reconstituição de época que não foi buscar nas revistas, nada. Ela é antes de tudo afetiva. Daí vem sua verdade.