Blog do Inácio Araújo

A Boca do Lixo chega a Malibu

Inácio Araújo

Impressionantes as lições de Paul Schrader sobre a produção de cinema independente nos EUA, hoje.

Para começar, “Canyons”, seu novo filme, tem orçamento de US$ 400 mil.

Moçada, dá uns 800 mil reais. Mais ou menos metade do que dão os editais daqui para filme de baixo orçamento.

Quer dizer: brincamos com a noção de baixo orçamento.

O filme começa com ele e o roteirista, Bret Easton Elis colocando não me lembro se 10 ou 15 mil dólares cada.

Depois, via Facebook, contactando candidatos a atores e colocando de cara as condições: quem quisesse trabalhar teria de pagar passagem a Los Angeles, cuidar da hospedagem, não esperar grande salário… Isso se fosse selecionado! Dos 625 que se inscreveram, Schrader reteve 125, os números podem não ser bem esses, mas mais ou menos são.

Importante: os contatos são feitos sem o intermédio dos agentes.

Em seguida entra o Kickstart, outra rede social, onde as pessoas investem (não entendi, na verdade, se investem ou se doam) em projetos artísticos que lhes interessem. O interessado bota lá um objetivo. Do momento em que ele é atingido, os cartões de crédito dos doadores são acionados e o dinheiro vai para a conta indicada.

Basta?

O que vem depois são particularidades da produção, os atores, os técnicos, etc. São boas. Eu conto depois.

O que importa nisso: a Boca do Lixo chegou a Malibu.

É mais ou menos o mesmo sistema de produção, que se baseia em um dizer a outro: vamos fazer um filme?

E, em vez desses orçamentos cavalares que o cinema brasileiro agora desenvolve, usa-se imaginação, talento e desejo. Muito desejo de ver algo em tela.

Também podemos aproximar isso das Bordas. Que todo mundo no fundo acha meio folclóricas. Voltaremos ao assunto, porque não são.

Prossegue a gambiarra

Alguns aspectos da montagem do projeto. Bret um dia chega com a ideia de usar James Deem, ator pornô. Schrader torce o rosto, mas depois acha que o cara vai funcionar.

Lindsay Lohan aparece em cena. Ela é veneno puro. Ninguém quer trabalhar com ela. O seguro seria dez vezes o orçamento do filme (ninguém terá seguro em “The Canyons”). Schrader mais uma vez topa o desafio: acha que pode controlar a mulher por uns 15 dias. Podia ter caído do cavalo, mas funcionou.

E, de todo modo, o filme tinha duas estrelas, cada uma com seu público, e uma chance de ser visto.

Bem, essa é a experiência, tal como narrada no MIS, de um diretor com filmes célebres, do roteirista de “Taxi Driver” etc. etc.

Parece piada: é como tem que agir quem tem algo a mostrar. Não ficar com frescura e coluna social. Como ele diz: um câmera Lexia custa US$ 1.500 por semana. Não é tanto. Parece que é o máximo em matéria de captação digital. E o fotógrafo? Um cara ótimo, só que famoso por dizer as coisas erradas na hora errada. Faz um bom trabalho e barato.

Boca do Lixo, talvez. Mas não deixa de lembrar Ed Wood – com talento.

Ah, vi no IMDb que o Gus van Sant faz um papel no filme, também.

Toda a narrativa de Schrader me deixou a impressão de que ou bem o cinema brasileiro entra num registro realista ou vai se condenar cada vez mais à insignificância presente. Não dá.

Claro, essa insignificância é meio mundial. O que vemos nos cinemas, como filme comercial americano ou francês, claro que é melhor do que, digamos, “Até que a Sorte nos Separe”. Mas nem tão melhor assim.

A janela da TV

E a obrigatoriedade de material brasileiro para TV paga? Essa pode ser uma medida forte.

Vai ter que aparecer muita coisa e, no meio dela, pode surgir coisa boa. E barata.

As Bordas

Não falei, este ano, do festival das Bordas no Itaú porque me parece um movimento que chega a ponto decisivo. Mas não se pode abandoná-lo.