Verônica
Inácio Araújo
Tenho a impressão de que Marcelo Gomes resolveu inverter tudo que era possível inverter em “Era uma Vez Eu, Verônica”, em relação a “Cinema, Aspirinas e Urubus”.
O primeiro era um filme masculino, de diálogo, de encontro entre duas pessoas distantes, de sertão e lugarejos.
Já “Verônica” é feminino, a única referência efetiva da personagem é ela mesma, inexiste encontro, o filme é inteiramente urbano…
O que dizer? É claro que se pode dizer: João Miguel era a alma do “Cinema, Aspirinas…”.
Mas não é bem isso. Não é só isso. Havia uma conversa, um contato entre culturas distantes. A indústria e o sertão. A Alemanha e o Brasil. O cinema e o comércio…
Verônica me pareceu um tanto emperrado, porque se baseia nessa espécie de autismo da personagem. Não é autismo, eu sei, mas a ideia é essa: ela diz ter “um coração de pedra”. Significa que gosta de transar com os caras e tal, mas não ter uma relação estável. É como se fosse uma E.T., se pertencesse a outro mundo.
O fato de ser médica e psiquiatra não ajuda muito, pelo menos nos termos em que as coisas estão colocadas. Ou ao menos me parece que é assim: ela não ouve seus pacientes e percebe sintomas, mas, uma boa parte das vezes, reflexos dela mesma. Isso fica um pouco frouxo.
A grande relação dela é com o pai, mas como ele aparece, basicamente, como doente e objeto dos cuidados dela, também não percebi ali uma relação se estabelecer, quer dizer, essa coisa que leva o filme adiante.
Não quer dizer que não tenha bons momentos. Com o pai há alguns. O ambiente do hospital, fora da sala dela sobretudo, está muito bom. O plano dela no mar, muito bonito. Mas parece que existe o desafio de fazer o filme todo nas imagens. Ela fala do mar, do prazer do mar. Mas não partilha isso, nunca. E o filme também não. A atriz é muito boa, talvez a melhor de sua geração, mas tive a impressão de um filme meio emperrado, pensado pela metade.
Achei, resumindo, um tanto decepcionante em relação ao filme anterior do cineasta, de que se pode, no entanto, esperar coisas boas.
Aliás, ele foi co-autor do belo “Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo”, que é aquele cara todo amoroso escrevendo sua carta na paisagem agreste. Mas a ausência de contato direto, ali, é de outra ordem.
Aqui, agreste é o rosto de Verônica: um deserto, uma solidão, uma secura bem interessantes, mas que não desembocam em parte alguma… Não sei, posso não ter entendido o propósito, mas me pareceu que M.G. só percorreu metade do caminho.