Blog do Inácio Araújo

Kiko, os livros e os filmes

Inácio Araújo

Tenho tido alguns amigos distantes na vida. Pessoas de quem posso passar décadas afastado que, ao reencontrar, sei que nossos sentimentos permanecem idênticos.Um deles, foi Geraldo Galvão Ferraz, Kiko para os amigos e colegas, que conheci primeiro nos tempos de Jornal da Tarde, faz já uma eternidade, onde ele se ocupava de livros. O que não era de estranhar, já que filho de Geraldo Ferraz e Pagu.

Irmão, meio-irmão do também querido Rudá de Andrade.

Acordei hoje sabendo da morte de Kiko. Nas últimas vezes que o encontrei ele escrevia sobre cinema, que também conhecia muito bem.

Era uma pessoa de coração aberto. Sei que devo a ele, ao menos em parte, o único prêmio literário que ganhei, o de Revelação de Autor em 1987, por Casa de Meninas.

Não que tenha importância: mas a alegria e a riqueza do diálogo que esse livro proporcionou, com ele e com Leda Rita, com quem então era casado, ficaram em minha vida para sempre.

E o Oscar: Zemeckis

Digo isso soterrado por filmes. “O Voo” é um filme de bêbado a mais. Não gosto muito do gênero, mas o roteiro me pareceu enriquecer o gênero, ao fazer do personagem um piloto de avião. Mas ninguém acredite que, por bêbado e drogado, Denzel Washington fará uma besteira do ar. Ao contrário: sua perícia vai salvar muita gente.

Mas ele é alcoólatra. Não meio alcoólatra. Alcoólatra pra valer. Que fazer em face disso? E num processo que se anuncia penoso para ele?

Bem, não vou contar o final para ninguém, embora isso não tenha lá muita importância. O fato é o seguinte: em vez de um processo de autoconhecimento, que poderia ser interessante, o filme investe no aspecto moral, moralista me parece, do desnudamento da “verdade”. Mas a verdade revelada, isso que boa parte do filme diz, é sempre parcial. Mais: é insuficiente. Então essa apoteose da verdade tem mais de hipocrisia do que outra coisa.

Mas o filme não vai entediar ninguém. Me parece. E olha que eu me encho facilmente com filme de bêbado. Costumam ser tão chatos quanto os bêbados.

David O. Russell

Aparentemente. Russell é um autor, e dizer isso já é um grande elogio, porque o cara precisa lutar como um louco nos EUA para não ser engolido pelos executivos.

E “O Lado Bom da Vida” é uma variante de seu “O Vencedor”. Um cara que tem de lutar contra a família desajustada para se impor. E a família o assalta, o assedia, etc.

Aqui é um pouco mais: o cara, o protagonista, sofre de transtorno bipolar, o que o torna vulnerável a qualquer agressão do mundo externo, à qual reage sem sutilezas.

Ele conhece uma garota. E, como no outro filme, a família (o pai nesse caso) vai se manifestar contra a influência que ela possa exercer sobre o filho.

Tudo muito bem. Onde a roda pega?

Me parece que, primeiro, nessa pletora de anormalidades. No filme anterior, havia o irmão drogado, as irmãs piradas e tal. Mas o lutador tinha algo dele que o preservava disso.

Desta vez ele faz parte do Hospício América que o diretor-roterista parece querer compor.

E todos saem um tanto enfraquecidos. Não sei se pegar o De Niro para fazer o pai foi uma boa idéia: ele se torna muito dominante, com um personagem, no fim das contas, não muito interessante.

O personagem da Jennifer Lawrence é interessante: meio “Levada da Breca”. Aliás, o filme me lembrou bem essas comédias dos anos 30/40.

Só que quando o protagonista levanta seu dedo para dizer que é casado isso é sério, é sério demais, é doente. Já imaginou se fosse o Cary Grant fazendo o mesmo gesto?

Fiquei com essa impressão: o filme tem uma tocada muito grave, apesar do texto. Se o pai fosse um desencanado e não um obsessivo que concorre com o filho em matéria de doença, as coisas seriam melhores.

O melhor personagem é o da Jennifer Lawrence, apesar da ideia do concurso de dança me parecer sem pé nem cabeça. Ou então ela devia ter isso reforçado de algum modo: uma obsessão que se manifesta por outras formas que não palavras.

Dito isso, o filme é digno.

Tom

O filme do Nelson Pereira sobre o Tom: uma promessa de felicidade.

Promessa nas coisas mais inesperadas: o vôo do urubu, obsessão de Tom Jobim.

O urubu em voo é o antiurubu…

Capuzes Negros

Carlão interditou a visão desse filme enquanto viveu.

Dizia que o filme não era seu. Que Mauro Chaves o havia escrito e devia dirigir, que ele apenas executou o filme, quando Chaves renunciou (no primeiro dia de filmagem, antes desse papa agora).

Bem, e apesar disso é um filme do Carlão.

Entendo que as soluções de roteiro não sejam dele.

Que a idéia do falso sequestro é fraca.

Que a questão do desejo deveria primar sobre a do feminismo…

Etc.

E no entanto eis aí um filme em que, do primeiro ao último fotograma, sente-se a mão do Carlão.

Ele não gostava muito de se ocupar da burguesia, é verdade. Mas da maneira como fez, fazendo tudo virar chanchada, escalando seus atores preferidos e tudo mais, bem… Aquilo não é burguesia nenhuma… Aquelas atrizes que fazem as mulheres dos diretores, aquelas maquiagens, a festa maluca, o policial (o de óculos enormes) são totalmente Carlão.

Carlão só se reconhecia num comercial da construtora, pelo menos ele falava muito, o do Portal do Gasômetro, que é mesmo muito engraçado.

Sim, no fim é difícil saber se certas coisas são do Carlão ou do Mauro Chaves, mas no fim o filme é bem Carlão, com todas as inconsistências de um roteiro que ele não revisou.

Indomável Sonhadora

Mais um do Oscar. Chega! Falo outro dia. Não aguento mais. Parece filme do John Woo: você mata os bandidos, mas vem mais um monte atrás.

Por sorte tem algumas coisas boas e outras visíveis.

O ano não está ruim.

Mas algo me diz que vou sofrer nos Miseráveis…