Rescaldo do Oscar
Inácio Araújo
Feitas todas as contas, os filmes que mais me interessaram no Oscar foram “Lincoln” e “A Hora Mais Escura”.
Os dois foram bem queimados.
Tenho para mim que o resultado do Oscar pode ser bem secreto, mas talvez nem tanto.
Será que Michelle Obama anunciaria “A Hora Mais Escura” como filme ganhador?
Digo isso porque, embora matar Bin Laden tenha sido um triunfo da política internacional de Obama, no filme o que existe é continuidade: uma caçada que começa com Bush e termina com o presidente seguinte. A diferença é que não se pode mais torturar com Obama.
Não li o artigo de Zizek onde ele diz que o filme de certo modo normaliza a tortura. Pode ser. Digamos que os americanos usam técnica mista, como se dizem arte. Porum lado existem informações que vêm de torturados, sim. Por outro, existe um trabalho de dedução (e obstinação, claro) que se devem sobretudo à heroína.
Essa é uma dúvida infernal a que, nós, no Brasil, somos submetidos desde sempre (não sei se mudou recentemente, mas o método básico de investigação policial no Brasil era a tortura).
Então, não vou entrar na questão moral que envolve o filme. A Bigelow é, me parece, quem representa o lado republicano de Hollywood, de todo modo. Agora, tem talento. Tem força. Seus heróis são batalhadores solitários. Como a garota do FBI. Ela tem uma vingança pessoal a levar adiante, é verdade. Mas passa ao largo de tudo. É uma espécie de John Wayne do século 21.
O filme é, no mais, um faroeste do século 21. Bem mais faroeste do que o do Tarantino, que é maneirista, interessante, simpático, mas acho que não vai tão longe.
A sequência noturna final me parece muito forte. É a que eu mais retenho. As cenas de tortura (para quem não viu: não são bem de tortura, mais mostram o torturado do que outra coisa; a parte da tortura, perto do que conhecemos por aqui, é água de rosas) hesitam entre afirmar o profissionalismo do torturador e o simples caráter sádico indispensável a todo torturador. Não há torturador sem sadismo, sem sadismo muito pronunciado.
É, com “Lincoln”, o filme que eu quero rever já. Não sei se vai dar. Será no DVD, certamente.
Já o “Argo” será um filme divertido sempre, quase um “Nothing Hill”, desses que passam a toda hora na TV, você vê uma parte hoje, outra daqui a um mês e tudo bem.
O “Amor” é um filme interessante. Talvez seja complementar em relação a “Hora Mais Escura”. Parece maluquice dizer isso, admito. Vou tentar melhorar: o que seria de “Hora Mais Escura” se buscasse elidir a tortura? Seria menos verdadeiro? Talvez não. A Bigelow, que é uma brutalista, chega e diz: como a heroína, você aí sentado vai ver o horror.
O Haneke, que só vê o pior do homem, desta vez me surpreendeu. A dedicação e o amor do casal, a companhia, até o hábito de tomar ônibus para voltar do teatro (ah, lembrar dos transportes públicos franceses me fazem chorar quando entro no metrô daqui), tudo isso me surpreendeu muito.
Mas o final, a cena da morte, aquela coisa angustiante, interminável. É como se de repente o velho Haneke ressurgisse, garras de fora, não para falar da intrínseca dor de estar vivo, nem da falta de sentido de nossas vidas… Não: é o pior, o mais baixo, que aparece: aqueles pés frágeis que se debatem por um tempo que parece infinito remetem à determinação do homem que a mata. Essa é a coisa mais terrível, a mais dolorosa.
Quer saber? Talvez Haneke tenha mesmo razão. Ao menos no caso. Mas não gosto dele. Continuo a não gostar. Não como cineasta, mas como idéias.