Crítica, cidadãos, consumidores
Inácio Araújo
Sérgio Alpendre escreve me animando a buscar um espaço para esclarecimento a respeito das críticas de alguns leitores do Guia da Folha aos críticos e às suas cotações.
Já escrevi aqui sobre essas reclamações. Há algum tempo um leitor dizia que ele e seus amigos nunca estavam de acordo com as cotações recebidas pelos filmes.
Até onde consigo lembrar, o teor da última carta não é muito diferente. Lembro apenas que era de um músico.
Achei divertida a menção à profissão. Músico? Mas que músico? Toca na sinfônica ou na churrascaria? Toca bossa-nova ou sertanejo? Música barroca ou século 20?
A profissão pode não querer dizer nada…
Não falo mais sobre isso. Não é um problema de opinião, de saber ou não saber, nada. É um problema civilizacional. O sujeito se vê não como o cidadão que, diante de um texto que o convoca, de um modo ou outro, a refletir, discordar, acrescentar algum conhecimento, etc.
Ele é diferente. Se não está de acordo com o número de estrelas que aparece lá ele se sente lesado em sua condição de consumidor. É nessa condição que ele escreve e se queixa: a opinião do crítico não bate com a sua, o crítico deveria estar de acordo com o espectador.
Mas, em primeiro lugar, como? Alguns concordarão, outros não. O próprio quadro do Guia mostra como são diferentes as maneiras de ver filmes, de estar frente às imagens.
E, em segundo lugar, o crítico não existe para estar atrás do leitor, mas, ao contrário, para antecipar-se a ele. Como é, supostamente, um especialista, dedica-se ao estudo daquilo, vê filmes constantemente, passados e presentes, lê textos a respeito, etc., ele é alguém que tem algo a ensinar ao leitor que aprecia aquela arte, mas de maneira esporádica, sem um compromisso maior. Ou, caso seja um espectador frequente, o crítico estará ao seu lado, é alguém com quem o leitor dialoga, discute, concorda, discorda, etc.
Resumindo: a crítica – como atitude diante do mundo – não é para consumidores, mas para cidadãos. E o mundo se desenha mais para consumidores do que para cidadãos. Azar o nosso.
Cinusp
Nunca falo do Cinusp, não porque não mostrem coisas boas, mas porque é quase um gueto, fechado lá na Cidade Universitária (gueto mesmo: o reitor não deixa o Metrô chegar lá. Quem disse que era só o ex-presidente Figueiredo que não gostava de cheiro de povo?).
Mas essa série com o Novíssimo cinema brasileiro é muito boa. Sobretudo pela presença dos realizadores para conversar com a platéia.
Coisa que seria muito, mas muito interessante ver na Cinemateca.