Depois de Maio
Inácio Araújo
Não gosto de me antecipar a textos que vão aparecer brevemente na Folha.
E logo logo vai estrear “Depois de Maio”, de Olivier Assayas.
Escrevo isso não pelo filme em si, mas pelo que me faz evocar a manifestação contra o casamento gay na França.
É um país dividido ao meio. Republicanos e monarquistas, fascistas e libertários, conservadores e socialistas, revolucionários e reacionários, democratas e racistas…
Isso produz bons polemistas. E, é preciso dizer, a direita francesa não raro é brilhante, ao contrário do que acontece aqui no Brasil, onde ela é meramente reativa, não produz idéia alguma, apenas contesta a idéia dos outros, seja qual for, boa ou ruim, não importa.
O que mais me interessou em “Depois de Maio” é que não se trata de um filme saudosista, de uma evocação dos acontecimentos de Maio de 68, mas, justamente, discute o que aconteceu com aquela geração, os rumos que tomaram as pessoas envolvidas mais ou menos diretamente naquela revolta estudantil que se pensou como o grande salto da esquerda para uma sociedade “pura” (a idéia de juventude tem tudo a ver com isso: os não contaminados pela sociedade do consumo, do dinheiro).
O que aconteceu com essas pessoas? E com essas idéias? E com seus filhos?
E, pode-se ir mais além, com a França libertária? E com a Europa?
É do presente que trata o filme, mais do que do passado.
E o presente francês é essa coisa estranha. Na eleições passadas fiquei com a impressão de que só a candidata dos fascistas tinha uma visão clara do que queria. Talvez porque soubesse que não ia ser eleita. Pode ser. Mas essa visão, simplória e não raro assassina, é assim, para resumir: viva Joana D’Arc.
Me parece o centro da decadência francesa, da influência de seu pensamento e de sua arte. Os americanos recebem tudo, agregam tudo: judeus, turcos, chineses, mexicanos, o que for. A Europa se quer “pura”.
Outro dia passou um documentário na TV Cultura sobre Madame Curie. Bem, ela recebeu mais de um Nobel, o diabo a quatro, uma glória nacional. Mas nunca foi aceita pela academia de ciências da França. Nem era por inveja, diz o documentário. É porque era polonesa de nascimento…
É um pouco isso. É Caso Dreyfuss. É “Glória Feita de Sangue”…
É tudo isso, a rigor, que a Nouvelle Vague pretendeu varrer (e varreu, de certa forma), trazendo a América para a Europa.
O Assayas é talvez o único herdeiro da NV. É bem vivo.
Sua obra já começa a merecer uma atenção do Rafael Ciccarini e do pessoal de Belo Horizonte, ou dos curadores do CCBB, ou de ambos.