Bologna: apenas o início
Inácio Araújo
A primeira lição de Bologna, do Cinema Ritrovato em todo caso, é que não se pode ter tudo nessa vida.
Logo no primeiro dia algumas escolhas tem de ser feitas: Allan Dwan ou Vittorio de Sica, Olga Preobrajennka ou os pioneiros do falado no Japão?
Não é das coisas mais fáceis.
Em todo caso fiquei com o Dwan. E apesar disso perdi por enquanto os seus últimos filmes dos 40 em diante.
While Paris Sleeps, de 1932, é o que vi de excepcional dele até agora.
Vou ver uns mudos. Vi os primeiros, anos 11, 12 do século passado, muito interessante para perceber a evolução em um ano apenas. Dele, por certo, mas é um momento de mudança do próprio cinema.
Dwan: ele conta que chegou ao cinema quando era funcionário de uma companhia e foi fazer um serviço no Oeste. Lá, encontrou a equipe de filmagem perdida na locação. O diretor tinha tomado um porre e fugido com a atriz. Ele ligou para a companhia e os caras disseram: – Então você dirige. Ele reuniu a equipe e disse: – É o seguinte, ou eu dirijo o filme ou não tem mais filme. Topam? E a equipe: – Claro, você é o melhor diretor do mundo! E ele: – Então voces me dizem mais ou menos o que fazer…
E eles fizeram.
Qual a diferença, afinal? Tirando um ou outro nesse tempo ninguém sabia muito bem o que fazer.
O nome da sessão Dwan aqui é: O Nobre Primitivo.
Fiquemos com o nobre. A idéia de nobreza, nobreza da alma, é, com efeito, central no cinema dele.
While Paris Sleeps: Victor McLaglen é um forçado foragido e, ao mesmo tempo, um soldado condecorado. Tem uma filha, que fica orfã quando morre a mãe. Do pai ela só sabe que foi um grande herói etc. e tal. Bem, ela se encontra em Paris, na pior, sem casa para morar, quase nas mãos de um gigolô bem safado. E McLaglen a encontra. Fica perto dela, mas não pode nunca dizer que é seu pai: seria terrível para ela descobrir quem é de fato o pai, um condenado… Mas ele fica agindo como anjo da guarda, contra tudo e contra todos, com aquele corpanzil de McLaglen.
Essa intriga tipo Os Miseráveis é levada com extraordinária leveza.
Por falar em leveza, é preciso lembrar da ''Carmen'' do DeMille, de 1915, que passou na Praça Maggiore. Pesadona, bem De Mille. Por sorte, passou também a paródia feita por Chaplin logo em cima. Na bucha: genial. O filme do De Mille só vale por ter inspirado a gozação do Chaplin.
Japoneses
Ou, por enquanto, Naruse: Duas Mulheres, de 1935, é a cara de Naruse. A história é a de um homem com duas famílias e o sofrimento das mulheres, de certo modo das suas famílias. O outro, Cinco Homens no Circo, também de 35. É curioso: meio comédia e meio musical, pouco Naruse na verdade, mas como sempre tem momentos de invenção e brilho. Não vale Duas Mulheres, que tem maior profundidade de observação, reiterada plano a plano. Domínio do sonoro: estava em casa.
Por falar em japoneses, a Cinemateca Japonesa fez um belo restauro de A Rotina Tem Seu Encanto. Estranho filme: em cada país tem um título diferente: O Gosto do Sakê (França e Itália), Tarde de Outono (EUA). Será que o nosso é o mais fiel ao original? Em todo caso é o título que menos tem a ver com o filme. Que por sinal, confirme-se, é uma maravilha, obra-prima completa. Parece que Ozu acompanha a evolução dos costumes no país ano a ano. Aqui pela primeira vez, que eu me recorde, as mulheres levantam mesmo a cabeça.
De todo modo é o anti-Naruse. Nem psicologia, nem movimentos de câmera, nem um lamento que sugere transformação. Apenas a observação apaixonada do mundo.
Falta muita coisa. Fico por aqui: nem corrigi o fuso horário direito.
Alemão é primeiro mundo!
Para quem vive se queixando do caos aéreo brasileiro: pela segunda vez fico sem mala por causa da Lufthansa e em Frankfurt. Bem, pelo menos eles acham e entregam no dia seguinte. Alemão é tão organizado…