Pirocas ao vento
Inácio Araújo
No fim do ano as coisas ficaram, de repente, boas, com muitos filmes fortes entrando. Mas, vendo uma lista de filmes brasileiros de 2013, caramba, havia uns cinco ou seis bons. Não é nada de se jogar fora.
“Um Estranho no Lago”: incrível a profusão de bons filmes franceses em que os personagens são gays. Este se passa à beira de um lago, numa praia de pegação, e, com o perdão do preconceito e da franqueza, acho meio esquisito aqueles bigodudos se beijando. Sobretudo pelados, porque a praia é francesa e todo mundo fica bem à vontade.
Mas não eu. É piroca a dar com o pau. Acho que o autor do filme sabe disso, porque a mise-em-scène é bem sintomática. A câmera assume o ponto de vista daquele que chega. Quando alguém vai entrando na praia os outros levantam a cabeça, curiosos. O sujeito vê e é visto. E o espectador, de certa forma, também é visto pelo filme ao mesmo tempo em que o vê. Confronta seus fantasmas e preconceitos. Eu, inclusive.
É um mundo de solitários absolutos. Quando não estão na praia, ficam andando por um bosque, que nem zumbis, procurando parceiros. Tem um que gosta mesmo é de olhar os outros e se masturbar.
Mas o que pode parecer o folclore de um filme homossexual muda bem depois que o mistério se estabelece. Então, o personagem de Michel passa a me lembrar grandes personagens do cinema: o Bruno de “Strangers on a Train”, o marido de “O Segredo da Porta Fechada”, o pastor de “Night of the Hunter”. Respectivamnte, Hitchcock, Fritz Lang, Charles Laughton (na direção).
Ou o “Império dos Sentidos”, de Nagisa Oshima: desejo e morte muito próximos, quase como siameses. Bom filme, menos que o filme do Kechiche, das garotas, que é mais original, mais forte. Mas essa evocação do grande cinema clássico não é coisa secundária, não.
O fim e o princípio
Quero agradecer aos muitos amigos que se queixaram do fim do blog, mas é assim que as coisas são.
Fiquei mais chateado do que todo mundo.
Como disse, vejo agora possibilidades boas de trabalhar sobre coisas não comerciais.
Não prostituídas, entenda-se.
Os Filmes do Caixote em São Paulo.
O pessoal que está aparecendo em Belo Horizonte.
A Anna Muylaert, e não só ela, na geração do meio.
Essa corajosa Vitrine Filmes.
Enfim, coisas boas, quase todas novas.
E Pernambuco sempre.
E o Mateus Trunk está lançando uma biografia do Virgilio Roveda, o Gaúcho. A biografia de um técnico que viveu quase todos os momentos do cinema desde os anos 60, que trabalhou com meio mundo.
Mateus é da Revista Zingu. Vou dizer uma coisa: quem no futuro quiser saber o que foi o cinema brasileiro em dado momento terá que se entender com essa revista, com esses fuçadores fantásticos, que vão atrás de pessoas que a gente julgava desaparecidas e tal.
Pesquisadores-detetives.
Isso tudo para ficar no Brasil, claro.
Porque o blog pode não ser nacionalista, mas é daqui.
E aqui se fala com liberdade das coisas da imagem.
Da TV também. E da TV não quero nem falar. Estou cheio desses noticiários que não dizem o que são as coisas, o que aconteceu afinal. Só querem se aproveitar dos pobres, porque eles gostam de aparecer na televisão.
Mas, no fim, quero dizer aos amigos que acompanham o blog (não que sejam seguidores, que quem tem seguidor é guru, líder religioso, psicopatas, essas coisas) que também isso dá um trabalho louco e vou poder descansar um pouco.
Que fim de ano!!!!
Depois de aguentar um ano duro de roer, tudo que entra parece que é bom, tirando o Hobbitt.
Nem falei, mas tem o filme do Jia Zhang Ke estreando.
E o filme israelo-palestino-americano, “Alem da Fronteira”, que é menos bom, mas é bom também, bem digno. E, pra variar, gay.
O fato é que do que está entrando em cartaz quase tudo está na lista dos dez mais dos Cahiers du Cinéma:
O eleito foi “Um Estranho no Lago”. Mas acho um baita exagero.
O filme do Kechiche é o mais original, de longe.
E há o Jia Zhang Ke. Eu ainda não vi, mas quem viu gostou.
E, para não dizer que só falei de flores, e também na linha gay, está entrando “Doce Amianto”.
É uma barulheira só, um travesti berrando ou chorando o tempo todo (que eu consegui ficar lá), mas não vou dizer nada: há gente respeitável que gosta e eu nem vi o filme todo.
Eles Voltam
Não sei se já falei. Para o final, guardei a entrevista com o Marcelo Lordello, porque o filme entra só em fevereiro.
Uma pena.
Mas é uma boa entrevista. Como já tinha visto o filme há tempos, preparei as perguntas com calma.
E acho que o Marcelo também teve tempo.
Minha vocação
Isso eu acho que nunca escrevi.
Não nasci cinéfilo.
Antes mesmo de ler eu sabia poemas de cor. Passava o tempo lendo os livros que meus pais me emprestavam. Via aqueles escritores e achava que eram uns superstars.
Depois o cinema me levou.
Mesmo meu romance, Casa de Meninas, saiu de um roteiro. Era um romance de imagens.
Mais ou menos na mesma época me apareceram algumas histórias, que não eram da ordem da imagem. Aconteciam de outro jeito.
Deixei de lado.
Abri a gaveta onde estavam 20 anos depois, em 2007. Achei que não eram ruins. Precisavam de um trabalho.
Enquanto buscava fins e inícios outras histórias vieram.
Algumas boas, outras acho que nunca consegui resolver direito.
Mas no fim deu em 13 histórias.
Estou superfeliz que Samuel Leon, da Iluminuras, quis publicá-las. Nunca vi um livro cafona nessa editora.
Então o meu também deve não ser.
Espero…