Blog do Inácio Araújo

Arquivo : August 2012

Cestos de lixo e outros cestos
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Inácio Araújo

O Lixo

Como eu já disse, ou devia ter dito, não entendo o que leva um cara a querer ser prefeito.

Governador, presidente, eu até entendo. Mas prefeito está aqui ao lado. A rua esburacada, a enchente, o barulho demais, o trânsito, a educação.

Enfim, tudo o que dá errado, que aborrece ou entristece está aqui, ao nosso lado, e é o prefeito o primeiro que a gente xinga. Mesmo que os problemas existam há 200 anos, queremos que já estivessem resolvidos e fim.

Bom, digo isso porque escrevi algumas vezes das coisas ora insuportáveis ora tolas do Kassab (prefeito a gente trata assim, na intimidade, como serviçal). Mas agora quem olhar as ruas com atenção vai ver que tem lixo para todo lado.

Não pilhas de lixo, mas latas de lixo para a gente jogar o papel do picolé, o maço de cigarro, a caneta velha, tudo isso que normalmente é jogado na rua mesmo.

Não sei se isso acontece na cidade inteira.

Me dei conta disso quanto estava no Jardim Paulistano. A cada poste um cesto amarrado. Se o bairro é mais pobre, mas ainda aqui perto do centro, baixa um pouco a média, fica um cesto a cada três ou quatro postes.

Espero que não seja uma dessas medidas que entopem de lixo as ruas dos ricos e meio ricos, na suposição de que eles merecem, mas não chega um mísero cesto nos bairros pobres, porque acha que eles só vão destruir tudo.

Enfim, isso é que eu vi.

... E o julgamento

Nada me parece mais estranho que o mensalão e seu julgamento.

Saiu o primeiro réu condenado. O primeiro petista condenado, entenda-se.

E de repente houve uma baixa de tensão muito, muito estranha.

Parece que perdeu a graça.

Bem, eu me pergunto se é isso mesmo o que está acontecendo ou se foi mera impressão.

No passado, o mensalão estava no auge. Todo mundo achava que o Lula não ia se reeleger por causa disso. Mas Lula ganhou a eleição muito fácil.

Eu me pergunto se uma enorme parte da população, ao ver todo esse esforço para ferrar o Lula (porque ele é o alvo, nisso ele tem toda razão), não raciocina de modo inteiramente diverso daquilo que o pessoal da oposição imagina.

Essas pessoas talvez pensem: “Se eles perseguem o Lula é porque ele fez alguma coisa por nós”.

Esse é o “eleitor desinformado” padrão de que falam nossos amigos do PSDB. Ele pensa. Certo ou errado, não importa. Mas pensa e vota de acordo com o que pensa e experimenta.

Esse cara, o “desinformado” dispõe de informações que não dispomos. Ele é chamado a toda hora a botar as mãos na parede e ser revistado apenas porque é pobre. Ele é torturado quando vai em cana com ou sem razão. Ele passa três ou quatro horas na condução para trabalhar etc. Essas as informações de que dispõe é que o levam a votar A ou B.

Bem, dito isso, quem disser que eu estou dando um chute do tamanho do mundo estará com a razão. Não entendo bulhufas de marketing político e o pouco que sei de marketing em si vem da convivência com Rodolfo Azzi, que além de psicólogo citado pelo Skinner foi um grande cara de marketing, mas isso há uma pá de tempo.

Tem também uma leitura muito formidável de um artigo em que o McLuhan comenta o célebre debate Kennedy x Nixon. É bem inesperado.

Do Bixiga ao Multiplex

E por que, seu chato, você não fala do que entende (se é que entende)?

Porque, respondo, os filmes estão insuportáveis.

O grande escândalo não é o mensalão, eu acho, isso é café pequeno.

É “O Gerente” do Saraceni estrear na TV.

Se a gente voltar uns 30 anos no tempo, bom, havia ditadura ainda e o Ademar abriu o Cineclube Bixiga.

No Bixiga, para quem não viu, quem estivesse da segunda fila para trás corria o risco de ter uma cabeça na frente.

Eu vivo exagerando. Não estou exagerando, no caso.

Quem passou por lá sabe.

Bem, e todo mundo ia ao Bixiga, se encontrava, conversava, corria atrás dos filmes, não reclamava do filme, do projetor, da cabeça na frente.

Estávamos felizes por estar lá e ter informação, amigos, tudo.

Hoje o Ademar é um, digamos, magnata das telas.

Tem multiplex em tudo que é canto. É o grande concorrente nacional das redes multinacionais de salas. Tem Imax.

E não há hipótese de você sentar lá e ter uma cabeça na sua frente.

Mas nem lá “O Gerente” passou. Nem no Reserva Cultural. Nem no CineSesc.

No Estação Botafogo passou? Não sei lá no Rio, não sei.

É isso. É essa nossa questão. As outras são decorrência.

Tente entrar na mostra do Caravaggio, ou dos Impressionistas.

Beleza. Filas, o diabo.

Mas o que fica disso?

Não existe mais cultura. Existem eventos.

O que não for evento, não existe. É como se não existisse.

Espero, enfim, que o Ugo Giorgetti tenha sorte com seu “Cara ou Coroa”, porque o filme é uma beleza.

Que o Ugo tenha sorte, não. Que a cidade (agora falo de São Paulo apenas) tenha sorte de se reconhecer naquelas imagens. Que o país tenha sorte de se reconhecer, também, ali.


Bola dentro da Ancine
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Inácio Araújo

É uma coisa mais importante do que possa parecer à primeira vista: a Ancine conseguiu emplacar uma cota de produções nacionais goela abaixo das TVs pagas.

Primeiro, isso dará saída à virtual produção de todos esses alunos de cinema que não podem passar a vida à espera de uma chance de fazer seu filme longo, nem ficar submetidos a trabalhar quase de graça para firmas de filmes publicitários que faturam fortunas a cada anúncio.

Segundo, estabelece um precedente importante no sentido de impor um produto local. Até hoje, pode ser que eu me engane, ninguém com exceção do Canal Brasil mantém cineastas em atividade regular (por séries ou mesmo especiais sobre cineastas, artistas etc.)

Por último, me parece extremamente desejável que essa brecha seja aproveitada, por cineastas e pelos canais, para veicular ideias.

Ou, se posso ser mais claro, para que se façam filmes, séries, o que for, em que uma paixão, uma obsessão, uma necessidade vital sejam o essencial, e não “o lance”, “o negócio”, “a oportunidade”. Disso já está cheia a produção cinematográfica que passa ou pretende passar nos cinemas.

Saraceni na TV

Para muita gente o grande escândalo nacional é o mensalão.

Para mim, fácil, é “O Gerente”, o último filme de Paulo César Saraceni, estar estreando em televisão.

Ah, é verdade, no primeiro roubaram um monte de dinheiro. Não ignoro.

Mas um roubo é um delito banal. Mandar um filme de Saraceni estrear na televisão é um crime de lesa-pátria.

Nem que fosse por respeito, por solidariedade a um dos nossos mais importantes artistas, nem que fosse para alimentar a percepção de que o passado, afinal, ainda existe, “O Gerente” teria que estrear em cinemas, com a devida pompa e circunstância.

Mas não há mais lugar para Saracenis, nem nos cinemas do Ademar, nem na dita Reserva Cultural, nem no Sesc, nem em parte alguma.

Somos um país incapaz de reconhecer o que produzimos e que está diante do nosso nariz. Ao mesmo tempo, admitimos (e até endeusamos) esses prédios enormes e horrorosos que danificam a paisagem para sempre.

Estaremos trilhando um atalho para a barbárie?


TV Justiça ou TV Fama?
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Inácio Araújo

Quem foram os astros da semana? Ninguém diga que foram os japoneses do Corações Sujos. Nem o Anthony Hopkins do 360. Ou o boneco animado que tenha entrado em cartaz.

Nada.

Quem brilhou foram os ministros do Supremo. O Mensalão foi o motivo principal, claro. Mas ele é decorrência.

Tudo começou quando abriu a TV Justiça e as sessões do STF passaram a ser transmitidas ao vivo.

E os antes misteriosos senhores de toga tornaram-se pouco a pouco, talvez mesmo sem notarem, isso que se chama celebridades.

Assim como o artista de novela abre sua casa para Caras, temos os artistas do STF.

Não importa que o palavrório jurídico fosse (e continuasse) incompreensível. Importavam os gestos, a elegância da palavra, a maneira como uma personalidade se afirma. Pode até ser pelo gumex no cabelo. O que importa é a imagem.

Transformados em personagens públicos, perderam a aura de distância e, sobretudo, equidistância que caracterizava os juízes.

Como a imprensa está um tanto histérica e transfere esse estado para seus leitores, não é difícil ver que o egrégio tribunal ser motivo de comentário nas barbearias ou nos botecos.

Deixaram de ser mortais, passaram a ser apenas partidários.

Deixaram de ser juízes: são apenas venais.

Assim como acusa-se o Ganso de fazer corpo mole, o ministro Lewandowski, ou “o Lewandowski” como agora é conhecido foi o vilão da semana televisiva, por discordar de sei lá eu o que do relator Joaquim Barbosa, na barbearia, “o Joaquim”.

Como a disposição da mídia é pela condenação, qualquer voto pela absolvição é recebido, nos meios que se veem como bem informados, como um acinte.

As cartas dos leitores, nos jornais, refletem bem esse sentimento. Se “o Lewandowski” absolveu o deputado tal, do PT, é porque foi nomeado por Lula. O que significa que se deveria mudar o sistema de escolha dos juízes.

Ok. Mas pensemos que “o Joaquim”, instransigente, foi indicado pelo mesmo presidente e toda essa construção não vale mais uma gota de pinga no balcão onde o assunto é discutido.

Parênteses: pelo outro lado, o da defesa, “o Joaquim” é visto como o cara que faz o que faz e diz o que diz apenas para aparecer bem no TV Fama da TV Justiça, para ser aplaudido nos restaurantes, etc. Fim do parênteses.

Esses detalhes, contudo, não importam. Minha simpática acupunturista veio me dizer outro dia que “vai tudo virar pizza”… Ao que eu, com duzentas agulhas enfiadas no corpo, tive que argumentar que o julgamento mal começou.

Isso, contudo, parece um detalhe secundário.

Não é mais no universo dos tribunais que estamos. É o a Justiça da novela. As duas coisas se confundem. Assim como a cabeleireira tem que dar todo dia para suas clientes uma posição clara, quase oficial, sobre os atos da mocinha ou da vilã da novela de ontem, aqui também as opiniões têm que ser imediatas e definitivas, exalar uma convicção.

Não sei se se ganha ou se perde com essa exposição do STF, com essa dessacralização dos juízes. Talvez se ganhe, no fim: a justiça deixa esse âmbito esotérico para descer ao comum dos mortais.

Mas, no primeiro momento, sem dúvida, e independente dos danos ou benefícios desse julgamento para as instituições e a democracia, quem ganha são os juízes de futebol, eternos vilões da segunda-feira, agora em suave surdina.


A lista das listas
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Inácio Araújo

Aí vai o resultado completo da eleição dos melhores de todos os tempos feita pela revista inglesa Sight & Sound.

250 filmes.

Uma enormidade. Se eu bem vi, nenhum Griffith, nenhum Lumière. Me espantou isso, mas acho que há uma tendência a deixar os pais de todos num lugar à parte, como se estivessem acima dos melhores.

Minha grande surpresa não foi Vertigo acima de todos. Foi o Potenkim

perder o lugar para o Dziga Vertov, O Homem com a Câmera. Efeito do fim do comunismo?

Enfim, aí está uma vasta fonte de discussão (e também de diversão, afinal) para todo mundo.


Jatinhos
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Inácio Araújo

Estamos em crise, sabemos. Todos os dias os empresários ameaçam demitir, diminuir a produção, fechar a fábrica.

Estamos, portanto, numa grave crise.

Os empresários vão ao governo para pedir ajuda, menos impostos, alguma solução.

O governo convoca os empresários para uma reunião em busca de soluções.

Foi há alguns meses essa reunião, e as cenas chocantes que apareceram na TV mostravam a certa altura um congestionamento de jatinhos no aeroporto de Brasília.

Levando em conta a crise, poder-se-ia esperar que o sistema de caronas imperasse, que uns ajudassem aos outros, que rachassem a despesa da gasolina, coisas assim. Mas não. Cada um desses sacrificados homens veio em seu próprio jato.

Como a nos lembrar que existe algo disfuncional na repartição entre a fortuna pessoal e a fortuna empresarial em nosso país.

Ontem (15/8) vejo no jornal da Globo News que somos o terceiro mercado mundial de jatos executivos!

Ficamos atrás apenas de Estados Unidos e México, segundo observava o rapaz da reportagem com um ar de orgulho, ao menos me pareceu.

Bem, essa desproporção entre uma crise lancinante a abalar nossa indústria, a reclamação insistente de que os impostos são muito altos e, simultaneamente, a opulência dos industriais, dos ricos em geral, não conseguirá dar motivo a nenhum estudo econômico ou mesmo sociológico. É mais uma questão de esquizofrenia, mesmo.

Por coincidência, estava eu lendo a biografia de Jacques Lacan. Não tem nada a ver com isso, claro, mas a horas tantas, em suas brigas com a Sociedade de Psicanálise, ele diz que a aspiração dos psicanalistas é uma democracia à maneira clássica, onde a sociedade é composta de cidadãos livres com escravos a seu serviço.

É uma velha aspiração nacional, talvez.

Paulista, com toda certeza.

Imagens não mentem.


Educação pelo ralo
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Inácio Araújo

Ou o Congresso batalha…

para enterrar a educação

Não vi até agora nenhuma intervenção a respeito do projeto de lei aprovado pelo Congresso que institui cota de 50% de alunos das escolas públicas com direito a ingresso direto nas universidades federais.

Trata-se, até onde dá para entender, de um descalabro desses que o Congresso adora inventar, uma coisa absurdamente demagógica e que arrisca a enterrar não o ensino no Brasil, mas qualquer esperança de ressurreição.

Vejamos o quadro. Universidades de ponta, tipo UFRJ ou UFMG passam a receber 50% de alunos das escolas públicas.

Como se sabe, as escolas públicas não ensinam, como norma, nada.

O que significa, de imediato, que uma quantidade enorme de alunos pouco mais que alfabetizados ingressará nessas Universidades.

Bem, o que fazer então? Ou se mantém o nível de ensino inalterado (o que implicará em perder a quase totalidade desses alunos em no máximo dois anos) ou transforma-se a Universidade em escolões, que ensinarão o básico que esses alunos não puderam aprender em suas escolas públicas.

Se se optar pela primeira hipótese, será uma crueldade inútil.

Se se optar pela segunda, joga-se a Universidade, seu trabalho de formação e pesquisa, no ralo.

Uma coisa é instituir uma cota de 10% para negros, como aconteceu há pouco. Outra é essa extravagante cota de 50% (que, inclusive, inutiliza a primeira, a reservada aos alunos negros).

Mais lamentável: isso foi aceito por todos os partidos, o que significa: na hora da demagogia barata ninguém dá pra trás. Todo mundo concorda, porque não há interesse em jogo: na aparência, todos ganham.

Em adendo, é preciso lembrar que a Unicamp tem um programa precioso, responsabilíssimo, de integração da escola pública das cidades da região.

Funciona mais ou menos assim: os melhores alunos de cada escola (via Enem), mais os melhores entre os que ficaram em segundo lugar.

Depois que entram, esses alunos passam por dois anos de ciclo básico, a fim de se igualar aos demais alunos, os que entram pelo processo seletivo clássico. Dois anos. Com ótimos professores, em todos os campos.

De maneira que após esse período eles podem escolher (e sabem escolher, o que é mais importante) o que desejam seguir.

Não sei se é um programa perfeito, mas diria que é consequente.

É incrível como não vejo nenhum movimento “Veta Dilma” para fazer frente a essa atrocidade que vai, tenho a impressão, afetar a população pobre.

Sim, porque os ricos vão estudar nas estaduais ou, então, nas particulares mais aceitáveis.


Os dez mais de “Sight and Sound”
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Inácio Araújo

Na votação promovida pela “Sight and Sound”, que sai publicada no número de setembro da revista inglesa (disponível aqui), Um Corpo que Cai desbancou finalmente Cidadão Kane, um velho campeão na preferência dos críticos (846 do mundo inteiro votaram), que passou para segundo lugar.

Viagem a Tóquio (Tokyo Monogatari),de Yasujiro Ozu, ficou com o terceiro lugar, e A Regra do Jogo, de Renoir, que se bem me lembro antes era segundo colocado, agora é quarto.

Seguem-se:

5 – Aurora  (Murnau, 1927)

6 – 2001: Uma Odisséia no Espaço (Kubrick, 1968)

7-  Rastros de Ódio (Ford, 1956)

8 – O Homem com a Câmera  (Dziga Vertov, 1929)

9 – A Paixão de Joana D’Arc (Dreyer, 1927)

10 – 8 ½ (Fellini, 1963)

Só para constar, essa é a sétima vez que a revista britânica (chegando aos 80 anos) promove essa votação.

As novidades são: O Homem com a Câmera e A Paixão de Joana d’Arc.

Francamente, acho espantoso Joana d’Arc, nessa altura do campeonato ser novidade na lista.

Não me espanta Um Corpo que Cai passar Kane. Primeiro, porque a gente se cansa de ter um mesmo favorito. É preciso mudar de temposem tempos. Mas, sobretudo, vale lembrar, o filme de Hitchcock ficou fora de circulação durante décadas, de maneira que é natural que seja assimilado, hoje, com toda força.

E, convenhamos, é um filme colossal.

Bem, a revista promoveu uma votação paralela, com 352 diretores, também para estabelecer a preferência deles.

Eis a lista:

1 – Viagem a Tóquio (Ozu, 1953)

2 – 2001: Uma Odisséia no Espaço (Kubrick, 1968)

2 – Cidadão Kane (Welles, 1941)

4 – 8 ½ (Fellini, 1963)

5 – Taxi Driver (Scorsese, 1976)

6 – Apocalypse Now (Coppola, 1979)

7 – O Poderoso Chefão (Coppola, 1972)

7 – Um Corpo que Cai (Hitchcock, 1958)

9 – O Espelho (Tarkovsky, 1974)

10 – Ladrões de Bicicletas (De Sica, 1948)

Listas são listas.

A minha é a seguinte:

Rio Bravo/Onde Começa o Inferno – Howard Hawks

Um Corpo que Cai – A. Hitchcock

Viagem a Tóquio – Y. Ozu

Ordet/A Palavra – Carl Th. Dreyer

A Marca da Maldade – O. Welles

Amor de Perdição – Manoel de Oliveira (1976)

O Testamento do Dr. Mabuse – Fritz Lang (1932)

Pierrot Le Fou – Jean-Luc Godard

Shock Corridor/Paixões que Alucinam – Samuel Fuller

Onde Fica a Casa do Meu Amigo? – Abbas Kiarostami (1987)

Mandei para lá essas sugestões. Mas é um absurdo. Isso é o que me ocorreu na hora. Poderiam muito bem ter sido outros dez ou vinte, ou cem.

Agora, nunca, jamais, 8 ½, O Espelho, Ladrões de Bicicleta.

E Taxi Driver um dos melhores de todos os tempos? Gosto muito, mas… acho um exagero. E dois Coppolas?

Enfim, listas são listas. Acho uma brincadeira muito estimulante.

Quem quiser colocar a sua lista aqui sinta-se à vontade.


As Bem Amadas
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Inácio Araújo

Fui ver “Bem Amadas” como fui ver o Batman: esperando muito pouco.

É, acho, uma situação interessante, porque não raro a gente se surpreende.

Até hoje não sei bem o que o Christophe Honoré quer da vida. Não que seja culpa dele, é minha, provavelmente. De todo modo, adoro “A Bela Junie”, gosto da situação familiar de “Em Paris”, me enchi bastante nas “Canções de Amor”, se é o que o nome é esse.

Mas meu preconceito com o filme não vinha daí, e sim do encontro mãe e filha, Deneuve e Chiara, que me pareceu uma coisa muito mercadológica. Não sei, li a notinha do Sergio Alpendre no Guia da Folha. Bola preta, frase dizendo que chega de sub Jacques Demy, o cacete.

Bom, para mim o mundo seria ótimo se houvesse um monte de sub Jacques Demy. Quem me dera.

Em todo caso, não conheço tantos assim.

O filho do Demy, de certo modo, mas nem tanto assim. Ele tem, digamos, uma filiação antes de tudo. Filiação ali no cartório mesmo. Mas suas buscas e tal evocam o pai.

Já o Honoré, neste filme, tem uma tremenda delicadeza e uma tremenda elegância.

Há duas mulheres, mãe e filha, os homens que as amam e os homens que elas amam. De diferentes maneiras.

O caso da Deneuve é mais surpreendente um pouco e não vou tocar nele para não estragar quem ainda não viu o filme.

O da Chiara Mastroianni é: ela é amada por Louis Garrel, mas tem um amor obsessivo por Paul Schneider, um roqueiro que pelo jeito não se interessa muito por ela, embora não diga isso em momento algum.

A ambiguidade que sustenta é tão mais interessante quanto ele é homossexual e é portador do HIV (parte do filme se passa num momentoem que Aidsera fatal).

Ele é capaz de viajar horas para vê-la, mas leva o jovem amante, para o qual diz não dar muita bola, mas que está sempre lá.

Honoré faz uma linda cena de amor entre os três. Bem sensível.

Melhor é o momento, logo depois,em que Chiaradesce ao hall do hotel (ela foi aos EUA bem no 11 de setembro e seu avião foi desviado para Montreal) onde colocaram uma pilha de passageiros, pega o controle da TV, tira do noticiário que todo mundo quer ver, bota num videoclipe e começa a dançar sozinha no lugar.

Belíssimo.

Dito isso, Chiara Mastroianni me dá aflição. Não sempre. Mas quando colocada em primeiro plano.

Tenho sempre a impressão de estar vendo Marcello Mastroianni em “Casanova e a Revolução”.

Acho que ela deu um azar genético inacreditável. É demais a cara do pai.

Mas não a via tão bem, exceto nesses momentos, desde “A Carta”, desde o Manoel de Oliveira.

Ela me parece uma grande atriz, sempre que filmada em plano americano ou médio.


Duas ou três coisas sobre o Batman
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Inácio Araújo

Fui ver o novo Batman com poucas expectativas.

É uma boa maneira de se abrir à surpresa: tudo te leva a não gostar daquilo, mas de repente você se vê gostando.

Não foi o que aconteceu, diga-se.

Em primeiro lugar, o roteiro, embora do ponto estritamente técnico seja ok, não me encanta nem um pouco.

Filme de super-herói tem uma relação íntima com o fantástico.

O Pinguim, o Coringa, o dr. Silvana, o Lagarto, a Mulher-Gato são tão fantásticos quanto Super-Homem, Homem-Aranha ou quase todos os demais super-heróis.

O Batman é até certo ponto uma exceção. Ele é um Zorro moderno, sua vida dupla consiste em colocar umas tantas máscaras e tal e coisa. Mas o aparato em torno dele é fantástico, de todo modo, assim como é Gotham City.

Ou era até este filme. Aqui não há um vilão fantástico. Ele parece mais saído desses filmes de brutalidade, com aquela história de fugir de uma prisão inexpugnável, e de se tornar mais forte por isso, etc. etc.

Gotham City, aliás, também perdeu todas as suas qualidades fantásticas (e dark, digamos). Virou abertamente Nova York. O objetivo final dos vilões batmanianos sempre foi dominar ou exterminar Gotham City. Mas Gotham City era um universo à parte.

Agora, mais modestamente, os caras se apossam de uma dessas tremendas bombas nucleares, mas tudo que pretendem é destruir Nova York.

Que é grande, mas não é o mundo, convenhamos. Hitler queria muito mais. Ou Stalin, para quem preferir.

Nesse nível, então, “Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge” é uma espécie de requentado da Guerra Fria (ameaça comunista, com discurso igualitário e ditadura feroz) mais pós-Guerra Fria (alusões claras e frequentes ao 11 de setembro).

Pouca fantasia, em suma, embora eu goste da reviravolta envolvendo Marion Cottillard.

Pouca fantasia e limitada à Mulher-Gato. Mas quem observar a distância entre essa e a de Tim Burton ficará constrangido. Nada de uma mulher desesperada, dividida, brandindo seu chicote histericamente.

A Mulher-Gato é uma máscara e olhe lá: o resto corre por conta de Anne Hathaway, que é fantástica, embora num personagem sem nenhuma tensão: uma ladra qualquer, praticamente, ainda que muito bem dotada quando chamada a agir.

Esse é o território, no entanto,em que ChristopherNolanparece sentir-se à vontade. A partir daí a ação adquire um tom crispado que mantém com o mundo uma relação bastante ambígua.

Ele fecha a ficção, por um lado, como se fosse um mundo impenetrável.

E por outro empanturra-a de mensagens políticas quase veladas (as referências ao 11 de setembro a que me referi; proletariado – ou, talvez, muçulmanos vingativos e tal) e coisas do tipo “a máscara é só um símbolo” ou “qualquer um é Batman”.

Ele te fecha ao mundo real e ao mesmo tempo te chama para ele.

Esse tipo de procedimento me parece sintomático de uma ficção um tanto doentia que começa a proliferar hoje, e não só em Hollywood.

Ela me parece bem perceptível nos filmes de Michael Haneke.

E fico com a impressão, cada vez mais, em Batman e fora dele, de que com Christopher Nolan, Hollywood já tem o seu Haneke.


O Galante aventureiro
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Inácio Araújo

Poucos dias antes de começar a mostra dedicada a Antonio Polo Galante no MIS, recebo o maravilhoso volume “Cine Galante”, com vários subtítulos.

Não sei onde encontrá-lo, nem como encomendá-lo. Mas o recomendo vivamente.

Trata-se de uma edição de autor. Uma pena, pois teria caído como uma luva na antiga coleção Aplauso (que, nunca é demais lembrar, foi interrompida pelo atual diretor da Imprensa Oficial de São Paulo).

O conteúdo básico é um depoimento do próprio Galante a Emanuela Galante, sua esposa.

O mínimo a esperar, portanto, é um trabalho apaixonado.

Mas não é tanto isso que me encantou no livro, onde mesmo a parte dedicada ao Galante produtor me parece secundária.

O melhor, para mim, é a história do órfão criado primeiro em uma creche e depois no Pavilhão 1, que o livro não esclarece muito bem o que seja, mas entendi como uma espécie de Febem da época. Com um lado de prisão, no entanto.

É importante para conhecer o tipo de tratamento dado aos órfãos e menores abandonados em geral na época. Por exemplo: o Galante só será alfabetizado (por um cego!) já adolescente.

Mas há outras coisas, como a tortura de que foi vítima o próprio Galante. Tortura pesada, porém “inocente”. Justifico o inocente e suas aspas: é como se torturar fosse a coisa mais natural do mundo para arrancar uma confissão. É como se não houvesse perversidade nisso, e talvez não houvesse mesmo.

Galante diz que muito de seus filmes de prisão vêm dessa experiência, da qual aliás ele não se queixa nem por um minuto (exceto pela tortura, claro). Há uma bela história de amizade com um jovem que morre de tuberculose, e cujo nome o Galante nem sabia (eles eram identificados por números).

Mas, do Pavilhão 1 à vida do que hoje se chamaria de morador de rua (ele adorou a experiência, pelo jeito, por sua extrema liberdade) até chegar à Maristela e ser acolhido por Alfredo Palacios, seu futuro sócio, temos aí um caminho que explica muito da formidável intuição cinematográfica que marcou a trajetória de Galante pela produção cinematográfica.

Mais, amigos, vocês conseguirão dando uma lida no livro, que é laudatório, claro, mas que muito antes disso fala demais sobre o cinema brasileiro, seu caráter popular, sua proximidade com o público em determinado momento.

Dos vários conceitos emitidos sobre cinema pelo Galante me interessou um em particular.

A contestação do lugar comum segundo a qual a produção dita da Boca do Lixo seria decorrente da Lei de Obrigatoriedade.

É uma dessas coisas que se falam e que ficam, como verdades eternas. E ninguém, eu inclusive, nunca pensa em discuti-la.

O Galante responde com uma afirmação interessante: havia a obrigatoriedade de exibição, mas ninguém era obrigado a ver os filmes.

Ou seja, seu sucesso ou não dependia de outros fatores.

Ali estão, muito francamente, o lado intuitivo, aventureiro, picareta, poético desse que é um dos grandes produtores brasileiros de todos os tempos – é preciso engoli-lo, quer se goste, quer não.

Dito isso, entro na parte pessoal dessa história.

Devo muito ao Galante. Quando ninguém se atreveria a me dar uma chance, ele é que me passou a montagem de “Os Garotos Virgens de Ipanema”.

Mais tarde, ele me convidou a filmar um dos episódios de “As Safadas”.

Por fim, no fim dos anos 1990 tentou de todos os modos levantar a produção de “Casa de Meninas”, um roteiro que ele e Manoela adoravam.

Ele não conseguiu, mas seu entusiasmo era tanto que até me contagiou, embora eu já achasse a história fora de época.

A produção não saiu e Galante sempre pensou em termos de uma certa perseguição. Não descarto isso, nem de longe, embora não use a palavra perseguição.

Acho que preconceito descreve melhor o tipo de relação que a oficialidade sempre manteve em relação ao cinema de que Galante se tornou uma espécie de símbolo.

Oh, entramos num novo tempo: das colunas sociais, essas coisas. Um cinema, digamos, café society. Sem relação com a idéia de arte popular.

Bem, admita-se, os tempos mudam etc. e tal. Mas, por favor, tenho visto coisas assustadoras.

Uma delas, apenas para resumir. Existe um documentário que passa no Canal Brasil com o título de “Boca do Lixo: a Bollywood brasileira”.

Não descarto que haja aqui a intenção honesta de fazer uma analogia entre dois métodos de produção na precariedade.

Ok, só que um e outro não têm rigorosamente nada a ver. E quem olhar a filmografia da Servicine e do Galante (ou do Massaini, do Cervantes, de tantos outros) verá que isso que se chama Boca do Lixo não é mais nem menos que o cinema paulista entre os anos 60 e começo dos 80 do século passado.

Ela acontecia na Boca do Lixo.

A idéia de Cinema Boca do Lixo surgiu ali no fim dos 60, sobretudo com Rogério, Carlão, Callegaro e alguns outros que usaram o nome Boca do Lixo em grande medida como metáfora de nossa pobreza, mas também como resposta ao desprezo que o público letrado tinha pelo cinema brasileiro. Isso também convém que comece a ficar claro.