Blog do Inácio Araújo

Um chá de Niemeyer
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Inácio Araújo

A morte de Niemeyer não foi propriamente uma tragédia, mas algo que se pode definir, com precisão, como fatalidade.

É para onde vamos todos.

Uns deixam mais, outros menos. Ele deixou mais, claro.

Ocasião para jornais e telejornais se derramarem em torno do gênio nacional.

Justo, mas já começou a ficar demais.

Estão querendo fazer dele o Ruy Barbosa do traço.

Mas algo nele escapa a esse espírito celebratório.

Era um cara contra a corrente.

Comunista, para começar.

Os de bem com a vida, os comunistas de quando pegava bem ser comuna, viraram as costas a tudo, como se não fosse como eles.

Niemeyer permaneceu, com todo mundo gozando dele, da amizade com Fidel, essas coisas.

Eu acho que se não fosse assim ele seria um arquiteto convencional.

Deu tudo com os burros n’água no comunismo, tudo bem.

Mas pensar diferente, sonhar diferente é que permite fazer novo.

Tudo isso é meio evidente.

Mas o que eu vejo como legado principal de O.N. mesmo é a capacidade de ver o mundo integrado.

Ele fala dos morros, do Einstein, das curvas, da música, do povo, tudo de uma vez.

Não separa. Agrega.

Um diálogo muito interessante que ele relata, com Rodrigo de Mello Franco.

O Rodrigo M.F. diz para ele da importância de conhecer os clássicos.

Niemeyer agrega isso na hora.

Os clássicos estão inteiros nos prédios dele. Florença e tudo mais.

Kafka e tudo mais.

Isso é muito interessante, esse mundo integrado, que não despreza o exato, nem o inexato, onde a ciência e o pensamento não se desdizem, são uma coisa só.

Penso que o legado principal não tem a ver com imagem do Brasil, glória do Brasil, essas bobagens.

Tem a ver com o MEC.

Ao menos é minha impressão.


Cinema, Teatro
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Inácio Araújo

Uma vantagem de não ter de escrever a crítica de certos filmes: não precisei ver “Holy Motors” até o fim. O que é aquilo? Uma sessão de tortura? A Europa vindo abaixo e o que Leos Carax tem a mostrar é isso?

Em todo caso estamos melhor ali do que com “O Homem da Máfia”. Não há nada pior do que violência com filosofia. E a frase que define o filme vem do assassino profissional Brad Pitt: A América não é um país, é um balcão de negócios. O sentido em todo caso é esse. O que dizer? Isso acontece quando ele está negociando o preço das mortes que praticou. Não é só violência com filosofia, por filosofia entende-se esse cinismo que justifica tudo (atrás rola a crise econômica, bom pretexto…). Há também essa espécie de euforia criminal: cada assassinato vem em câmera lenta. Não é um procedimento analítico, como em Sam Peckimpah, é estetização da violência mesmo. Não via nada tão torpe desde “Kalifórnia”. E sem talento, também. Sem encanto nenhum.

“Curvas da Vida” é um filme estranho, porque tem uma pilha de temas característicos de Clint Eastwood (o velho contra o novo, a tensão familiar, a mulher morta etc.). Mas está longe de ser um filme clintiano. Em primeiro lugar, a ideia de remissão é evidente. Nos filmes que Clint dirige o mundo não é um happy end. Como aqui tudo, literalmente tudo, se encaminha para encontros, reencontros e coisa e tal. Não é ruim. É vulgar. Parece que estamos assistindo ao nascimento de um novo Buddy van Horn. Quer dizer, de alguém que vai dar nem nada.

* * *

Tenho que ser muito franco: ao longo do tempo fui desenvolvendo um preconceito contra o teatro. Começou quando veio uma trupe da Comédie Française e foi recebida esnobemente pelo pessoal daqui. Diziam que era acadêmico e tal. É possível. Mas a mulher sussurrava lá no palco e eu escutava tudo lá no fundo da plateia. E era no Cultura Artística, um teatro que, diziam, não era bom para teatro. Ora, o nosso hábito é chegar na boca do palco e pôr a boca no mundo. Nossa técnica é uma desgraça, vamos admitir. E acho que nossa sensibilidade também tem se desgastado, não sei por conta do quê. Talvez os grandes atores lá do tempo em que o teatro formava atores tenham quase todos morrido, e os mais novos são muito ligados á TV, não sei, estou chutando: parece que há falta de referências, exceto quando Antunes Filho monta uma peça e traz novos atores, mas se eles não vão para a TV não sei o que acontece. Enfim, falo mesmo como amador.

Agora, pelo pouco que vejo me pergunto porque as montagens do André Guerreiro, que são por vezes prodigiosas em matéria de articular novas relações de espaço e meios, passam em branco (ao menos para mim), não recebem críticas, nem nada… Acho que o teatro é um meio vicioso, como o cinema, aliás, mas talvez mais um pouco.

Aliás, vamos à literatura. A Folha publicou um artigo do famoso “jurado C” do Jabuti. O tal que deu uma nota baixa para certos livros e, com isso, fez com que um romance determinado ganhasse o prêmio. Não li nenhum deles, mas a repercussão é o que importa. Primeiro veio o escândalo: como dar o prêmio a um desconhecido em detrimento de autores conhecidos e tal? A sequência é sempre aquela: com a diferença vem a desonestidade (suposta) e  o escândalo, a suspeita. Todo mundo grita e acusa. Agora, meses depois, surge o artigo do cara. Muito equilibrado, com bons argumentos. Não li os livros, mas me parece alguém que sabe do que está falando. Pode-se sempre perguntar: não houve um exagero em dar notas altíssimas para um e baixa para outros? Não sei, pode ser. Pode ser desses caras que sabem que notas assim fazem pender o resultado para um lado, haja o que houver. Trata-se de criar mecanismos de proteção, que nem fizeram com as escolas de samba do Rio.

Voltando ao teatro. Fui ver “Odisséia”, convidado pelo Miguel, amigo do meu filho. Um espetáculo que me pareceu longo demais e cheio de desequilíbrios. Começa bem (com uma luz tipo Bob Wilson), mas depois vem o excesso, os berreiros, a ocupação meio forçada do espaço. Enfim, durante uma boa parte da peça, parece que a gente está vendo um ataque histérico. O Miguel me explica, depois da peça, que esse tipo de procedimento é uma maneira de compensar a falta de técnica do elenco (saído há pouco da escola Célia Helena) pela energia. Mas me parece que é melhor deixar a deficiência se manifestar e tentar corrigi-la depois. Me parece mais eficaz. Mas, claro, tenho a impressão de que não é só isso. Essa impressão vem também do excesso de música, do que parece ser um temor injustificado do silêncio. O espectador também precisa repousar os sentidos, isso faz parte do ritmo.

Tudo melhora muito depois que Ulisses volta a Ítaca, isto é, ao Brasil. A peça melhora muito, para começar: porque a Grécia, Ulisses, tudo era um pretexto. Então fica muito tempo lá com Aquiles, cavalos, essas coisas. Quando ele chega, já associações muito boas: o canto das sereias com o crack, por exemplo, é muito bem colocado (cenicamente, para começar). No mais, há humor, há um sentido crítico com o qual pode-se não concordar o tempo todo, mas que, enfim, está lá. Então a peça termina bem, ou quase. Poderia se privar das referências abundantes a Shakespeare, Cervantes, Tchecov, para ficar só com os que percebi. Isso não leva a coisa alguma. Se tirasse as referências explícitas e procedesse imitando os autores citados, me parece que o autor da peça estaria melhor. Mas a peça termina numa nota alta, o que é muito bom, e o público, que parece bem menos chato que eu, aplaude de pé.

Acho que aplaudiria mais esse elenco muito simpático se a peça tivesse uns 20 ou 30 minutos a menos.


Em DVD: Candeias, Hawks e Bergman
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Inácio Araújo

Meu Nome É…

Excelente, excelente sob todos os aspectos a edição de “Meu Nome É Tonho” pela Lume, na coleção do Cinema Marginal.

A imagem está ótima. A última vez que vi uma cópia, quase não se via nada…

Ainda há “Zezero” e mais um curta no DVD e ainda alguns extras, como um programa Revista do Cinema Brasileiro dedicado a Candeias.

“Tonho” é, penso eu, o melhor Candeias. Junto com “A Margem”.

Mas gosto ainda mais de “Tonho”, um filme caboclo, um falso faroeste à brasileira. Digo falso porque os tipos, os costumes, o fraseado, tudo remete a um interior indefinido e que o autor trata com muitas cores.

Mas é de incesto, ao mesmo tempo, que se trata.

A vantagem desse primeiro Candeias é que ainda não tinha adquirido aquela auto-suficiência que fez dele diretor, produtor, roteirista, câmera, fotógrafo, montador, cenógrafo – tudo no mesmo filme.

Aqui ele tem Peter Overback na fotografia, Luiz Elias na montagem, Paulinho Nogueira fazendo a música. O resto corre por conta de sua imaginação, de sua percepção, de sua capacidade de compor bem, de construir as coisas de maneira totalmente fora dos parâmetros, mas fazê-las convergir até onde queria.

E o final, com Bibi Vogel se debatendo enquanto “Tonho” parte é qualquer coisa: é um mundo sem remissão, o que Candeias descreve aqui.

Bem mais interessante do que sua fase explicitamente política que viria a seguir.

O mistério do mistério

“À Beira do Abismo”, o grande Hawks de 1946, também está em versão impecável. O Luiz Carlos Junior sacou a proximidade deste filme com “Twin Peaks”. Achei fantástico. Ele diz que mais um passo e estamos em “Twin Peaks”. Eu só mudaria isso: acho que um passo a menos e estamos em “Twin Peaks”.

O que “À Beira do Abismo” expõe é o mistério do mistério, disso é que trata.

E há ainda “Fanny e Alexander”, que Alcino diz estar para a velhice de Bergman como “Monika e o Desejo” para a juventude.

E eu que esnobei, quando o filme passou…

Vamos atrás.

* * *

MEU NOME É TONHO (Coleção Cinema Marginal Brasileiro – volume 8). Brasil/1969. P&b, 91 min. Direção: Ozualdo Candeias. Com Jorge Karam, Bibi Voguel e Nivaldo Lima. Distribuição: Lume/Heco Produções.

À BEIRA DO ABISMO (The Big Sleep). EUA/1946. P&b, 114 min. Direção: Howard Hawks. Com Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Distribuição: Versátil.

FANNY E ALEXANDER. Suécia/1982. Cor, 188 min (versão de cinema) e 320 min. (versão para televisão). Direção: Ingmar Bergman. Com Pernilla Alwin, Erland Josephson e Gunnar Björnstrand. Distribuição: Versátil.


Verônica
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Inácio Araújo

Tenho a impressão de que Marcelo Gomes resolveu inverter tudo que era possível inverter em “Era uma Vez Eu, Verônica”, em relação a “Cinema, Aspirinas e Urubus”.

O primeiro era um filme masculino, de diálogo, de encontro entre duas pessoas distantes, de sertão e lugarejos.

Já “Verônica” é feminino, a única referência efetiva da personagem é ela mesma, inexiste encontro, o filme é inteiramente urbano…

O que dizer? É claro que se pode dizer: João Miguel era a alma do “Cinema, Aspirinas…”.

Mas não é bem isso. Não é só isso. Havia uma conversa, um contato entre culturas distantes. A indústria e o sertão. A Alemanha e o Brasil. O cinema e o comércio…

Verônica me pareceu um tanto emperrado, porque se baseia nessa espécie de autismo da personagem. Não é autismo, eu sei, mas a ideia é essa: ela diz ter “um coração de pedra”. Significa que gosta de transar com os caras e tal, mas não ter uma relação estável. É como se fosse uma E.T., se pertencesse a outro mundo.

O fato de ser médica e psiquiatra não ajuda muito, pelo menos nos termos em que as coisas estão colocadas. Ou ao menos me parece que é assim: ela não ouve seus pacientes e percebe sintomas, mas, uma boa parte das vezes, reflexos dela mesma. Isso fica um pouco frouxo.

A grande relação dela é com o pai, mas como ele aparece, basicamente, como doente e objeto dos cuidados dela, também não percebi ali uma relação se estabelecer, quer dizer, essa coisa que leva o filme adiante.

Não quer dizer que não tenha bons momentos. Com o pai há alguns. O ambiente do hospital, fora da sala dela sobretudo, está muito bom. O plano dela no mar, muito bonito. Mas parece que existe o desafio de fazer o filme todo nas imagens. Ela fala do mar, do prazer do mar. Mas não partilha isso, nunca. E o filme também não. A atriz é muito boa, talvez a melhor de sua geração, mas tive a impressão de um filme meio emperrado, pensado pela metade.

Achei, resumindo, um tanto decepcionante em relação ao filme anterior do cineasta, de que se pode, no entanto, esperar coisas boas.

Aliás, ele foi co-autor do belo “Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo”, que é aquele cara todo amoroso escrevendo sua carta na paisagem agreste. Mas a ausência de contato direto, ali, é de outra ordem.

Aqui, agreste é o rosto de Verônica: um deserto, uma solidão, uma secura bem interessantes, mas que não desembocam em parte alguma… Não sei, posso não ter entendido o propósito, mas me pareceu que M.G. só percorreu metade do caminho.


Argo: entre heróis e aliens
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Inácio Araújo

 

Já Argo, tão falado, me decepcionou um pouco.

Pode ser o problema dos filmes muito falados. Mas não acho que seja.

Ele é honesto na colocação da questão Irã/EUA e ao notar a interferência da mídia (só nos EUA, na verdade) na história.

O fato é que existe uma enorme histeria de ambos os lados e idêntica falta de raciocínio.

Entre as massas, bem entendido.

Me parece que aí pode estar um embrião interessante para futuros desenvolvimentos por Ben Affleck.

No mais, o filme retoma a história de um plano genial.

A questão: como tirar do Irã seis funcionários da embaixada americana que haviam se refugiado na casa do embaixador canadense?

A resposta estapafúrdia do agente, especialista em tirar gente de situações incômodas: vamos fazer um filme. Ou melhor, vamos fingir que fazemos um filme.

Os detalhes disso são a operação propriamente dita.

A melhor parte do filme se passa em Hollywood, com Alan Arkin e John Goodman ao lado de Affleck, bolando um falso filme.

Há o momento genial em que estão escolhendo um roteiro para o filme fake.

Alguém sugere um título tipo “O Cavalo de Tróia” (não é tão óbvio assim, mas envolve cavalo).

O produtor: não serve. Ninguém mais faz faroestes.

Quem sugeriu (acho que o John Goodman): não é faroeste. É uma história mitológica.

O produtor: Se tem cavalo é faroeste!

Todo o final da operação se deixa levar por um suspense de montagem paralela, tipo filme do Griffith, sem nenhum humor.

É uma pena, porque dava para introduzir um tanto disso. A figura de Affleck mesmo sugere isso. Aqueles fanáticos iranianos, idem.

Não precisava tirar o que há de tenebroso da história.

Apenas tirar mais vantagem do argumento para o filme mesmo.

É um filme de estreia, talvez Affleck tenha querido segurar o público com o suspense da montagem paralela. E consegue. O filme não é detestável, mas deixa quase todo o tempo a sensação de que podia ser muito mais. O momento hollywoodiano de descontração sugere isso.

E havia algo a explorar, a respeito do cinema, dos EUA como uma província de Hollywood, mesmo em seu serviço secreto (lembrar o 1941 de Spielberg, em que os japoneses querem atingir o arsenal simbólico dos EUA, Hollywood), que acabou sendo deixado de lado, ficando meio que na surdina.

Em troca… bem pouco: aos aliens simbólicos, o filme preferiu o herói das sombras. É uma escolha prática, talvez forçada pelos financiadores, etc. Mas o filme ficou meio empobrecido.


James Bond renasce aos 50
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UOL Interação

Me pareceu sintomático que o novo 007, “Skyfall”, comece com uma velha luta sobre um trem, uma citação do cinema mudo de tão antigo, de tão clichê.

Segue-se um tiro de uma outra agente, que em vez de acertar o vilão pega direto no herói. Bond está morto. O velho Bond, seguramente.

É aí que começa a surpresa dos anos de James Bond. Sua segunda vida é todo um questionamento do tempo.

Começa com o jovem Q. suprimindo os gadgets que fizeram a fama da agência e do agente. Ele é um mago dos computadores. Oferece apenas um revólver especial e um transmissor de rádio. Diante de um decepcionado 007, pergunta, sarcástico:

“O que você queria? Uma caneta explosiva?”

A agência entra em uma outra era, já vemos desde aí.

E, não por acaso, a conduta de M (Judi Dench) é fartamente contestada: está velha, ultrapassada.

Como James Bond, talvez? Como os filmes de James Bond?

Bem, para resolver esse problema, a produção e os roteiristas providenciaram uma mudança de perfil do vilão. Nada de gente atrás dos restos da Guerra Fria, para efeito de dominar o mundo ou chantagear nações.

Nada disso: o vilão é um ex-agente ressentido. Isso é o que ele é. Quer se vingar de M. M de mãe, no caso.

No resolver do caso se dá o confronto/encontro entre o antigo e o moderno. Não por acaso, a sala urra de prazer quando 007 saca um velho carro, acho que dos tempos de Sean Connery.

O novo não pode anular o antigo, eis o princípio. Os rastros devem restar.

Na falta de ideias próprias, Sam Mendes empresta algumas antigas. A redoma em que o vilão é colocado quando de sua prisão, logo no início, remete aos lugares onde ficava exposto Hannibal, o canibal, em “O Silêncio dos Inocentes”.

A segunda parte vem mais do roteiro, mas segue o saudável princípio de “Rio Bravo”, quer dizer: os heróis se instalam em um lugar onde levam certa vantagem e esperam o ataque. Não é bem como “Rio Bravo”, em que o lugar não podia ser atacado, por causa do refém, mas a necessidade de estabelecer uma vantagem estratégica é o que conta.

Para resumir: fui lá sem esperar nada, mas tive uma surpresa bela. Acho que não há Bond tão bom desde os tempos do Sean Connery.

Mas é preciso dizer uma coisa: esse Daniel Craig muda inteiramente o padrão dos 007. Não toma um dry martini, não tem lá grandes charmes, mal transa com uma mulher. O filme é pudico à beça. Em compensação, o cara corre como um louco. Desde o primeiro filme dele é assim: ele corre.

É o Bond mais físico que eu já vi. Aliás, tem um plano engraçado, ele está com o torso nu e a primeira coisa que entra em cena, que se vê, são os peitos dele, e a primeira coisa que eu pensei foi: quem é essa mulher de repente entrando com os peitos de fora? Ai de mim… De tanto fazer musculação, o Daniel Craig desenvolveu um peitão que, cá pra nós, quase merecia usar um sutiã.


Elefante Branco e outros elefantes
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Inácio Araújo

Um filme estranho esse “Elefante Branco” de Pablo Trapero.

Nas primeiras sequências dá a impressão de que será um “filme de tema”: a favela, a presença de padres e sua atuação na favela, a questão da fé e as questões sociais próprias da favela.

Aos poucos, sem abdicar de nenhum desses temas, aliás, o filme vai se abrindo e, em vez de apontar alguma solução, boa ou má, para as questões que ali desfilam, vai apenas dando idéia de sua extensão.

E ela parece cada vez maior, cada vez mais inabordável.

O insuportável do Terceiro Mundo, da pobreza do Terceiro Mundo (sendo que na Argentina as desigualdades são muito menores do que entre nós) está lá. A impotência dos padres e da assistente social diante de tudo se assemelha àquela que nós, como espectadores, sentimos.

É um filme mobilizador, nesse sentido, porque inquietante.

Um belo filme político, coisa difícil de se ver.


Na Ressaca da Mostra
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Inácio Araújo

Que balanço se poderia fazer da primeira Mostra sem Leon Cakoff, seu criador?

Pessoalmente, foi muito triste. Os dias antes da Mostra sempre foram ocasião de visitá-lo em seu escritório, desde os tempos da alameda Lorena. E de a gente marcar encontros que nunca se viabilizavam, porque ele corria para um lado e eu para outro.

Seja porque no ano passado Leon morreu no momento em que a Mostra começava, seja por azar, em 2011 houve vários problemas, com pessoas reclamando de remarcações de filmes, de atrasos, de problemas na legendagem, essas coisas.

Diga-se, ninguém xingava ou coisa assim: ao contrário, me parece que todo frequentador foi capaz de compreender o quanto foi difícil para a Renata de Almeida estar no velório do marido e, ao mesmo tempo, à frente de um evento dessa dimensão.

Bem, o fato é que não ouvi reclamações neste ano. E das sessões em que estive presente (a última foi “Era Uma Vez no Oeste” com presença da Cardinale em pessoa) nenhuma apresentou problema.

A melhor sessão

Tivemos grandes filmes novos, é verdade, mas o melhor para mim foi o retorno de “Raros Sonhos Flutuantes”, de Eizo Sugawa.

Foi a última obra-prima do cineasta japonês, de 1990, e veio como parte da homenagem a Carlos Reichenbach.

Foi Carlão quem terçou lanças para, primeiro em Tóquio, que se localizasse Sugawa. Estranho: ninguém sabia onde encontrá-lo. Isso foi em 1995. E Sugawa apareceu. Anos depois ele veio ao Brasil com alguns de seus filmes.

“Raros Sonhos”, de 1990, é ainda melhor agora, depois do “Benjamin Button”, pois tem semelhanças (aqui, uma mulher de 67 anos começa a regredir na idade), mas é tão superior que chega a assustar.

Rossellini, sempre

Acho que com Mostra e tutti quanti nem cheguei a falar de alguns belos lançamentos da Versátil em DVD.

Bem, de todos acho que a caixa chamada “O Renascimento – A Era dos Médici” é uma preciosidade. Há dois discos sobre Cosimo de Medici e um terceiro sobre Alberti.

É incrível como Rossellini sabe destacar aspectos (do Renascimento, da vida de seus biografados) e, a partir deles, dar conta de uma era, de um estado de espírito, de um momento privilegiado do conhecimento humano.

Fantástico.

Trem Bala

Não tem nada a ver com cinema, mas tem.

Então aí vai.

Todo mundo é contra o trem bala, pelo que vejo. Menos eu.

Fazer Rio-São Paulo de avião, por exemplo, supõe a angústia de tomar um táxi e nunca saber se chegamos em tempo a Congonhas.

Quando atrasamos, perdemos o avião.

Quando não atrasamos, o avião atrasa.

Quando o avião atrasa (ou não), o portão costuma mudar, e a gente tem de passar na correria de um lado a outro.

É preciso chegar no mínimo uma hora antes para despachar bagagem.

É preciso esperar uma meia-hora, pelo menos, na chegada, pela bagagem.

Pois bem: no trem bala o cara chegará de metrô à estação (incrível: em SP não há Metrô que leve aos aeroportos).

Pode chegar dez minutos antes. É descobrir a via, o vagão, entrar, acomodar a bagagem e viajar.

Uma hora e meia depois o cara chega ao Rio;

Ah, sim, claro, não há risco de Santos Dumont ou Congonhas fecharem por causa de mau tempo.

Não sei como isso poderá ser deficitário. Francamente.

Acrescente-se: indo a Campinas, fará uma ligação rapidíssima com o interior de SP.

Parandoem São Joséfará ligação idem com o Vale do Paraíba.

Indo a Campinas finalmente viabilizará o Aeroporto de Viracopos.

Como isso pode dar errado, eu não entendo.


Na Mostra e na TV
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Inácio Araújo

Acho a Mostra 36 formidável e previsível.

Ou antes, previsivelmente formidável.

O melhor filme recente que vi foi Um Alguém Apaixonado.

Kiarostami é o artista que melhor responde ao mundo de hoje, às questões contemporâneas. Me parece.

E Um Alguém Apaixonado, esse filme sem começo nem fim, tem esse achado: primeiro, a gente mesmo tem que imaginar os personagens (como quando entramos no meio de uma sessão).

Depois, como bem disse o Tonacci, o final, abrupto, gruda em nós, fica na lembrança, com seu enigma.

Claro, há outros bons, Oliveira etc., mas Abbas para mim é o mais forte.

“Tabu” confirma Miguel Gomes como um cineasta com todas as possibilidades de se firmar como um dos grandes da Europa.

Kleber Mendonça começa com um filme realmente formidável, esse O Som ao Redor.

É desses que, de tão forte como estréia, dá até medo de que o autor não consiga tão já reencontrar~se num filme tão feliz. Mas como a bilheteria será mesmo baixa, os espectadores serão poucos e tal… Tudo bem… Ele pode até dar menos certo no futuro próximo que haverá tempo de se reencontrar.

Acho que estou falando besteira: o pessoal de Pernambuco não dá ponto sem nó, gosta e entende do que faz. Vai dar tudo certo.

Entre os filmes antigos:

“Raros Sonhos Flutuantes” é o último filme e a última obra-prima de Eizo Sugawa.

Quem viu, viu…

Não sei se a Fundação Japão tem cópia, se há jeito de passar o filme no programa da Mostra na TV… O certo é que é raro. Parece que não tem nem em DVD no Japão.

Os Deuses e os Mortos passou graças a Positif, comemoração dos 60 anos.

Depois de mais de 40 anos revi só os últimos 20 minutos.

Mais ou menos isso.

Mas não é o que importa.

Basta olhar um plano para ver a força, a convicção, a paixão, tudo que está envolvido na história.

E um minuto apenas basta para perceber que esse é um filme de sonoridade notável, absoluta.

É o melhor Othon Bastos.

Na obscuridade: um filme da opacidade, do mistério das coisas, do insolúvel do mundo…

Agora, precisa de restauro.

Se não restaurar, daqui a pouco vai ser um filme em preto e branco.

Na TV

Eleição para prefeito.

Nós, jornalistas, adoramos dizer que os candidatos não discutem programa, não falam de coisas sérias, etc.

O domingo de eleição era, portanto, um grande dia para entender um pouco essas coisas.

Liguei na Cultura atrás do TV Folha, mas só tinha a Cultura mesmo.

A cobertura era, aparentemente, uspiana: só professor.

Isso não ajudava em nada.

As questões eram: por que fulano ganhou? por que beltrano perdeu?

E, claro, chovem hipóteses, que é tudo que pode acontecer nessas circunstâncias.

Nem lá, nada do que existe ou existiu de profundo, por exemplo, na discussão sobre os bilhetes, ou sobre a organização da saúde na cidade conforme a visão de A ou de B.

Passemos à Globo News.

Horas e horas de programa.

E ali a pobre LoPrete tratando de tourear o melhor possível aquele comentarista de gravata, o Merval, aquele que entrou na Academia.

Ele é uma espécie de Galvão Bueno do comentário político, quer dizer, oscila entre a obviedade e a besteira.

Com nítida preferência pela besteira.

A horas tantas só faltou dizer que ganharem São Pauloera tão complicado para o PT, o Lula, a Dilma e não sei mais quem que o melhor teria sido perder…

E a LoPrete só toureando…

Mas ela não toureia o tal do Camarotti. O cara é o rei da futrica. Ele faz questão de mostrar que sabe, que conhece os bastidores, que fala com A e com B.

Se não falasse seria a mesma coisa, porque não entende patavina do que escuta.

Só a futrica.

Com isso, o programa passou horas falando de 2014. O que acontece com o Aécio, com o cara do PSB, com a mulher que patrocinou o Fruet…

E daí? Como o Fruet vê o mundo? O que tem a dizer a Curitiba? E Haddad?

Não podia ser alguns minutos, alguns apenas, sobre a maneira como concebe a cidade?

Isso parece não existir, não fazer sentido.

Parece que desinformar é uma espécie de missão.

Com isso, não estranha que ninguém se escandalize quando um desses vândalos dos programas de suposto humor pretendem, por exemplo, dar cigarros a José Genoino para ele fumar no tempo em que ficará na cadeia…

Não há nem o que dizer de uma coisa dessas: esses caras não é que não tenham noção do que seja ética. Não têm noção nem de etiqueta.

Ah, sim, e se fazem passar por jornalistas. E acham, com isso, que podem tudo.

Nossos problemas educacionais já foram parar nos programas de suposto humor.

A pergunta é: como foi se formar uma geração de gente tão mimada?

Ou antes: tão ignorantemente mimada.


Mostra está boa, mas meio óbvia
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Inácio Araújo

Pelo menos para mim, que não pude ver “Barbie”, por exemplo, porque estava na cama.

Até agora só os suspeitos de sempre me encantaram: Oliveira, Bellocchio, Kiarostami.

Não, estou sendo injusto com Miguel Gomes, de “Tabu” e de toda a retrospectiva. E o Kleber Mendonça, cujo “O Som ao Redor” já conhecia.

Isso não é uma restrição. Hoje existe um mercado de novidades no setor “filme de arte” que é quase tão selvagem quanto Hollywood.

O cara é lançado em Cannes ou coisa parecida. Se dá certo comercialmente, vaiem frente. Casocontrário é rifado. Não é inteiramente assim, mas quase.

Então, fiquei muito feliz de poder rever Raros Sonhos Flutuantes, do Eizo Sugawa. É o último filme dele, de 1990, extraordinário. Me fez lembrar do “Benjamin Button”, que concorreu ao Oscar de 2008, que é uma espécie de “Raros Sonhos” sem graça.

Aqui quem regride de idade é uma mulher. E isso não acontece desde o nascimento, mas a partir do divórcio. Ela começa o filme com 67 anos, jogando-se diante de um trem. É no hospital que conhecerá seu amante, que havia tentado se suicidar.

Eles têm uma transa verbal, separados por um biombo. Só ao final notamos a idade dela.

Mas depois ela reaparece, já bem mais nova.

O que a terá feito regredir?

Talvez o amor novo.

Só que ela não pára de rejuvenescer.

E o cara não deixa de amá-la.

A ama como mulher madura, como jovem, como adolescente e, por fim, quando criança, quase bebê.

Quando acontece a cena mais memorável do filme: aquela menininha caminhando entre adultos grandões, os passos incertos da idade, mas levando a experiência de vida de 67 anos…

É uma coisa fantástica mesmo.

Não entendo como Sugawa, fora do Brasil, ninguém dá bola para ele.

Não me interessou “A Caça”, de Thomas Vinterberg, de que ouvi falar muito bem.

Acho que ele tem mais fascínio pelo perverso do que outra coisa. Parece o Haneke, o austríaco.

Até agora não entreiem nenhum Tarkovskie pretendo continuar assim. Me basta o cartaz. Me bastam as fotos do cartaz. O pior do comunismo acho que foi essa geração de russos tristes que o Tarkovski comanda, ele, o rei do monocromatismo macambúzio.

É respeitável, admito. Mas que seja respeitável longe de mim.

Ah, ia quase esquecendo do ''Alma Corsária'', do Carlos Reichenbach, que passou logo antes do Sugawa, pois tratava-se de uma homenagem da Mostra ao Carlão, que sempre sugeriu muitas retrospectivas e visitas que a Mostra realizou.

Não vou comentar, pelos motivos óbvios. Mas me impressionou, sobretudo no começo do ''Raros Sonhos'' a proximidade espiritual, digamos assim, entre Carlão e Sugawa.

É uma bela oportunidade para conhecer o cinema, no fundo pouco conhecido, de Carlão.

Quero um dia parar um pouco e escrever sobre ele. Vamos ver.

Acho que é isso por enquanto…