“Orgulho heterossexual” é apenas eufemismo de discriminação
Inácio Araújo
Não era para falar disso. Hoje era para falar de ''A Tristeza e a Piedade'', o documentário de Marcel Ophuls.
Eu ainda chegarei lá. Pois no fundo é a mesma coisa.
Bem, o que eu quero dizer é: a Câmara dos Vereadores de SP aprovou um projeto que institui o Dia do Orgulho Heterossexual.
Algo, para começar, totalmente idiota, portanto, já se vê, à altura da atividade intelectual média dos vereadores de SP.
Mas isso passa. O problema é o que aí existe de torpe.
O ''orgulho gay'' pode ser uma coisa que parece besta. Mas se trata da afirmação de um grupo tremendamente discriminado, quando não perseguido e espancado. É um dia, em suma, contra o preconceito.
O ''orgulho heterossexual'' não passa de afirmação de preconceito, do desprezo pelo outro, por tudo que nos parece diferente.
O torpe, como o idiota, também está à altura dos vereadores. Ainda assim, não é pior da história.
Não existe, nunca existiu, orgulho heterossexual. Entre outras coisas porque não se trata de uma minoria ameaçada, agredida, desrespeitada ou discriminada.
Estou certo de que seria demais pedir aos vereadores que criaram esse monstrengo que considerassem por um instante que as pessoas não escolhem sua sexualidade. Que não é questão, como querem os Bolsonaros da vida, de levar um puxão de orelha. O mundo é um pouco mais complexo do que pode supor essa gente.
Trata-se, claro, de uma provocação barata, de uns caras cujo grande prazer na vida será afirmar seu ''orgulho'', sua ''superioridade'', chamando os outros de viados.
Mas esse é, digamos, apenas o aspecto benfazejo da coisa. Essa aprovação acontece alguns dias apenas após o massacre brutal na Noruega. Também uma afirmação de ''orgulho'': do branco, europeu, cristão, nórdico, contra o imigrante, islamita, pobre.
O ''invasor'' que estaria destruindo seu mundo. O outro temível.
Só para fazer uma provocação na linha psicanálise selvagem, digamos que esses caras parecem é umas tias enrustidas.
Mas não é isso. Não é o que conta, em todo caso. Esses vereadores, assim como o atirador da Noruega, participam do mesmo entendimento do mundo. É por eles que o fascismo sobrevive.
Não espero grandes coisas do Kassab, mas espero que vete esse lixo.