O cinema nacional na primeira década do século 21
Inácio Araújo
A primeira década do século 21 não pode ser entendida, em termos de produção nacional, senão como continuação da década de 1990, em que, após o fechamento da Embrafilme, articulou-se uma política de retomada tendo por base a renúncia fiscal.
O centro desse projeto era a retirada do Estado – suspeito de corrupção, protecionismo e ineficácia – das decisões sobre a produção cinematográfica. Um projeto emergencial, de certa forma, já que a realização de filmes estivera praticamente paralisada nos anos Collor e no início da administração Itamar Franco, mas que deixava sem solução problemas como o da exibição, da distribuição e mesmo da internacionalização dos filmes.
O projeto visava, em última análise, passar à esfera da sociedade a decisão sobre que filmes fazer. Por sociedade, no caso, entenda-se o capital. Rendeu poucos resultados expressivos, tanto estética como economicamente, o mais relevante sendo “Central do Brasil”, de Walter Salles, exibido em 1998, num momento em que o Plano Real gerava justa euforia entre as pessoas (e não muito tempo antes de uma desvalorização cambial desmontar as esperanças daquele instante): tratava-se de ver o país regenerado e sem grandes dores, afinal de contas.
O século 21 trouxe algumas novidades, a começar por um governo que dava ao mesmo tempo mais importância à questão cinematográfica (ou audiovisual, como se diz) e à presença do Estado nesse tipo de atividade. Não será de estranhar que se consolidaram como principais investidores no setor não as empresas privadas, mas as públicas, Petrobrás, BNDES e Eletrobrás sendo as que mais se destacam.
Uma outra medida essencial consistiu em estender às distribuidoras ligadas a redes de televisão (ou seja, Globofilmes), o direito de captar recursos das leis de renúncia fiscal.
Esses dois instrumentos permitiram à produção brasileira entrar, pouco a pouco, mas de maneira aparentemente definitiva, na era do blockbuster, isto é, do filme lançado com grande publicidade e grande número de cópias.
Entramos, no século 21, num ciclo que vai de “Cidade de Deus”, ainda em 2002, a “Tropa de Elite 2” (2010), passando por “Carandiru”, “2 Filhos de Francisco”, “Se Eu Fosse Você”, “Chico Xavier”, “Nosso Lar”.
Esses filmes de muito sucesso (e outros de êxito relativo, como “A Mulher Invisível”, “Divã” etc.) tiveram o mérito principal de reatar a ligação de confiança do espectador brasileiro em relação a seus filmes. Ou antes, no que diz respeito às classes mais instruídas, de criar esse elo. Mais recentemente, com a ascensão social de um público que havia sido afastado dos cinemas pelos altos preços, pode-se pensar mesmo em um reencontro do público menos letrado com o filme brasileiro.
Algumas coisas podem ser levantadas como ainda irresolvidas:
1. o prestígio internacional do filme brasileiro continua extremamente modesto;
2. nacionalmente, verifica-se um abismo entre esses filmes de grande bilheteria e os demais.
Os desafios para a próxima década parecem ser, nesse sentido, a consolidação da frequência aos filmes brasileiros, por um trabalho mais articulado de distribuição, capaz de incluir os filmes menos “populares” em pacotes daqueles destinados a ter grande bilheteria. É claro que nesse trabalho de distribuição inclui-se necessariamente uma alocação maior de verbas publicitárias, capazes de viabilizar esses produtos “médios”.
Ao mesmo tempo, não se deve deixar de dar ênfase à disposição da presidente eleita em ampliar de maneira significativa a rede de cinemas do interior.
A se concretizar, essa hipótese possibilitará a chegada desse instrumento de cultura e convivências às populações distantes dos grandes centros, e indica uma mudança política significativa, capaz de de reaproximar o cinema brasileiro de seu público mais tradicional, libertando-o assim de certas exigências “de qualidade” a que precisou se submeter para chegar ao público mais letrado.
O crescimento do número de filmes de êxito que se dá neste século não abafa a reivindicação de uma maior diversidade, ou seja, da existência de filmes que atendam a núcleos menos amplos, porém não menos representativos de espectadores. Com uma política de ampliação do número de salas no interior e na periferia das grandes cidades, pode-se pensar em filmes de menor custo, de menor luxo na produção, mas não necessariamente de menor interesse e eventualmente, até, capazes de abrir caminho a uma presença mais intensa da produção brasileira em nível mundial.