Blog do Inácio Araújo

É sábado, na Cinemateca
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Inácio Araújo

A manifestação que a ABD marcou, em frente à sede da Cinemateca Brasileira, ''em defesa da própria'' acontecerá no sábado, às 16h.

Esperemos que os professores das escolas informem seus alunos da importância de aparecer por lá: não se trata de estar contra ou a favor de qualquer governo ou governante, mas de entender que a Cinemateca é um lugar onde se depositam filmes. E que se não tem direção, se não tem corpo técnico, os filmes tendem a deteriorar.

Os profissionais do cinema se sentirão naturalmente interessados na questão, que afinal diz respeito à preservação e difusão de seu trabalho.

Não gosto de difundir boatos, mas eles correm céleres e são os mais infelizes, a começar pela hipótese de um ''head hunter'' em busca do diretor geral perfeito.

Já disse mil vezes que uma coisa é investigar o que aconteceu na gestão passada. Isso é legítimo. Não se pode é, por isso, parar com tudo.

Como já disse alguém: você não tira alguém de um cargo como esse sem ter um substituto já engatilhado.

Em Portugal

A Cinemateca Portuguesa, que ao contrário da nossa é pequena e muito organizada, está em risco.

Por favor, quem se interessar pode procurar no arquivo, alguns posts atrás, como participar de um abaixo-assinado em defesa da instituição.


Dois livros e um texto
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Inácio Araújo

O livro do Junior

A Papirus acaba de publicar “A Mise en Scène do Cinema”, de Luis Carlos de Oliveira Jr.

Para o pessoal que acompanha a Contracampo é o Junior.

Só dei uma olhada na introdução até agora, mas já dá para ver que é o que se poderia esperar dele, uma coisa de alto nível.

O Junior é da segunda geração da Contra. Que está chegando este ano, aliás, aos 18 anos. Às vezes ela fica meio devagar, cambaleia, mas depois volta a caminhar legal.

Ele agora está indo (se já não foi) a Paris, preparando doutorado – se não estou errado. O mestrado ele fez com o Ismail, não sei se agora é só um sanduíche ou será tudo lá.

Enfim…

O que importa é o seguinte: vejo muito poucos livros de toda essa turma que em dado momento deu uma sacudida feroz na crítica.

Acho que acabou abalando os nossos críticos mais antigos, como o Merten, e mesmo os de meia-idade, como eu e o Zanin.

Bem, eu acho que esse pessoal devia publicar mais. Não quero particularizar esse ou aquele. Me parece que há gente muito talentosa e, lá vou particularizando, acho um pecado não haver livro do Ruy Gardnier por aí. Mas não só dele.

Isso acontece porque as edições de cinema são raras.

E porque até agora não havia um real empreendedor (um produtor) nesse meio.

Então, duas coisas:

1. Hoje há maneiras de editar livros em pequenas quantidades, atendendo a pedidos e tal. Isso sem que o custo decuplique, como antigamente.

2. O Leonardo Mecchi me parece o produtor que essa turma toda precisava.

Desculpem me meter. Mas umas antologias, umas coisas assim, não fariam mal ao cinema. A lembrar: Contracampo, Cinética e tutti quanti têm feito muito mais bem ao cinema do que se possa imaginar à primeira vista.

E a Luciana…

Pronto, eu tinha me esquecido do livro da Luciana Araújo sobre Joaquim Pedro, que saiu há mais ou menos um mês.

Mas explica-se o esquecimento: é que a Sheila se pôs a ler e eu mal vi a capa do livro.

Em todo caso, eu vivo falando do pessoal da Contracampo & da Cinética & das outras também, mas a Luciana é outro papo.

Ela é de Pernambuco. Digamos, o lado teórico do pessoal de Recife ligado a cinema ou que faz cinema, mas dá aula em São Carlos, na UFSCar, onde tem um pessoal aliás bem forte.

E o Orlando…

Quem me chamou a atenção foi a Rosário no seu “Almanakito”, então fui atrás da reportagem-perfil do Orlando Margarido sobre o Kleber Mendonça Fo., na “Carta Capital”, tendo como gancho o novo filme do KMF, que será de terror.

Um belo perfil, me parece, onde se fala também um bocado das coisas que marcaram o cineasta.

Mas não era isso o principal: há muito tempo quero falar de duas coisas que me chamam muito a atenção na revista: a crônica semanal do Zé Geraldo Couto, que gira em torno de um personagem ligado ao cinema, e as críticas do Orlando.

Quanto à crônica do JG Couto, nenhuma novidade. Mas o Orlando vem se superando: o espaço é em geral pequeno, mas ele dá conta com inteligência e sensibilidade do filme de que precisa dar conta.

 


Pela Cinemateca, Pelas Cinematecas
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Inácio Araújo

 

Vai sair, enfim, o ato promovido pela ABD em defesa da Cinemateca Brasileira.

Aqui vai o endereço com os dados:

https://pt-br.facebook.com/events/163974163797206/?ref=22

Seria interessante que essa fosse uma manifestação não só uma organização, mas do conjunto das pessoas que se interessam por cinema, que vivem dele e se preocupam por ele.

Não sei se vejo com alegria ou inquietação o anúncio de um grande ciclo, a começar agora em 7 ou de setembro na própria Cinemateca.

Se isso for indício de que as coisas se solucionam, muito bem.

Temo que seja uma cortina de fumaça.

O problema, neste exato momento, não é difusão, não são ciclos, nada disso: é a preservação dos filmes.

É o funcionamento regular da instituição.

Ninguém e contra se investigar qualquer problema havido na administração anterior, mas vamos com calma: isso não pode ser escudo para o MinC.

E já nem vamos falar da história da moda. Basta ler o artigo do Vladimir Safatle (na Folha, segunda ou terça passada).

E Portugal

E a pequena porém eficiente Cinemateca Portuguesa?

Quem passar por Lisboa terá de passar por lá: é agradável, tem um belo café, duas salas de projeção, boa programação, sem falar dos catálogos formidáveis (que hoje já imitamos aqui, graças ao CCBB sobretudo).

Já postei aqui um abaixo assinado em defesa dessa instituição, que o governo português pretende, na prática, extinguir.

Quem ainda não viu, quem quiser passar no seu facebook, por favor dê uma olhada no arquivo aqui do blog.

Eis uma instituição que não merece ser absorvida por órgãos que têm fama de mau administrados.


Os estranhos casos de Angélica e Marta
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Inácio Araújo

Foi decepcionante o lançamento de “O Estranho Caso de Angélica”.

Entrou em um cinema, o Espaço Itaú. Na sala 3, que é mais mixuruca do cinema.

E nem ao menos está em todos os horários.

Minha dúvida é: será que o espectador de hoje, mesmo o do Espaço, do Reserva, do Cinesesc, enfim, desses cinemas ainda mais dedicados ao cinema, rejeita um filme como esses? Ou será que a distribuição é excessivamente pobre (uma cópia…), ou será que o Espaço só deu ao filme esse espaço tão restrito?

E sua compensação

Em compensação (se é que dá para pensar em compensação nesses casos), “Las Acacias”, um belo filme argentino, vai entrar.

Pensei que já tivesse circulado comercialmente, mas não. Apenas passou na Mostra e foi lá que o vi.

O encontro entre um caminhoneiro e uma passageira que entra na Argentina clandestinamente é filmado com precisão, e à medida que entramos no filme vamos, muito delicadamente, conhecendo as personagens.

O Ministério e seu mistério

É muito boa a constatação do Valdimir Safatle, segundo o qual hoje se promove (o MinC referenda, se não promove) a confusão entre cultura, mercadoria e entretenimento.

Isso não vem de agora. E, vamos admitir, nós do cinema, que essa confusão começa, em grande medida, com o cinema mesmo, que mistura essas três coisas. Mas nunca sob a forma perversa de indústria cultural.

Num filme do Antonioni, até do Antonioni, pode-se perguntar onde termina o entretenimento e começa a cultura. Mas a indústria cultural promove a mistura meio que de caso pensado.

O que nossas leis de incentivo vão atrás é dessa confusão. Se há isenção de impostos, me parece que a intenção é promover a realização de filmes, peças, livros. A difusão em áreas carentes desses divertimentos, etc. e tal.

Não é para os bancos fazerem autopromoção.

Minha pergunta é: Marta Suplicy está lá para gerenciar a liquidação final da cultura? É isso?

Não bastasse o que o MinC da Marta está aprontando na Cinemateca, que ficou ao Deus dará, agora o incentivo se estende à moda…

Muito bem: que o ministério que atende à indústria o faça. Por que a cultura?

Tragam-me a cabeça…

O que corre, espero que seja um boato, ou o sonho de alguém, é que o ministério está contratando ou contratou um head hunter para encontrar o executivo ideal para a Cinemateca.

Mas deve ser gozação, só pode ser.

Em todo caso, o escolhido poderá estrear exibindo “Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia”, de Peckinpah, o Grande.

Manifestação

Alguém da ABD vem me garantir que não morreu a idéia de uma manifestação sonora em relação à Cinemateca.

Será em setembro.

Acho que outras associações de cineastas (e não só de São Paulo) deveriam pensar no assunto.

Sem falar das escolas. Essas, pelo que ouvi, já se dispuseram a liberar os alunos para a manifestação. Talvez não todas, mas algumas. Já é alguma coisa.

Há que colocar essa situação às claras, porque até hoje tudo me parece muito nebuloso.

Há suspeita de corrupção? É preciso investigar, claro. Mas não se pode paralisar os serviços de uma instituição como essa.

Se fosse com a moda, com os cabeleireiros… Ah, seria bem outra coisa.

 


A Máfia de branco
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Inácio Araújo

Vejo na TV um dirigente da classe médica.

Não sei porque, ele me faz lembrar, imediatamente, do título de um filme do Luigi Zampa aí dos anos 70: A Máfia de Branco.

Um belo título, por sinal.

O médico em questão desenvolve o pouco convincente discurso segundo o qual antes de instalar médicos em locais sem médicos o correto seria equipar decentemente os hospitais e postos de saúde.

Quanto à segunda proposição, sem dúvida, eu estaria disposto a partilhar.

Mas por que ela deve preceder a primeira? Isso não é explicado.

Um médico num lugar onde não há médicos será sempre um médico. Ao menos servirá para encaminhar o paciente para algum hospital, quando necessário.

Essa raciocínio do “antes tem que” é, por tradição, o de quem pretende mandar qualquer solução proposta para as calendas, sobretudo se ela faz sentido, sobretudo se ela corre o risco de beneficiar os pobres.

Desculpe o doutor, mas esse papo está com validade vencida.

Mais médicos? Médicos?

Como aquela não colou veio a seguinte: só nossos médicos curam.

Só nossos médicos dispõem de domínio da língua para entender nossos pacientes.

No meu entender isso é gozação. Tenho visto alguns deles fazerem as piores coisas, tanto eticamente quanto clinicamente mesmo.

Tenho uma conhecida que morreu porque, com câncer, marcavam os exames dela para dali a seis meses no SUS. Quem fazia isso eram médicos brasileiros brasileirinhos, ninguém duvide.

Ora, agora uma nova proposta, de uma associação de médicos creio que de Minas, se bem entendi.

Eles acreditam que, se o médico estrangeiro errar um diagnóstico, os nossos, nacionais, não devem corrigir o estrangeiro.

O paciente que se estoure, claro, pois ele é apenas uma peça nesse jogo de vaidades e interesses que cada vez mais se mostram absolutamente interesseiros.

Mais médicos!

Que venham os cubanos, os espanhóis, os portugueses e quem mais quiser.

Estou seguro de que vão ajudar a pobre saúde mais do que a maior parte dos nossos.

Afinal, o que eles pensam que têm de melhor que os outros?

Afinal, imaginam que só no Brasil se ensina a tratar doentes?

Não é bem isso.

O trote dos sádicos

O que é bem próprio dos nossos médicos, quando estudantes, é a prática de trotes homicidas contra os calouros que entram na faculdade.

Não tenho certeza, mas creio que foi proibida por lei.

Estranho código de ética o professado por médicos que se dispõem a deixar pacientes morrerem em nome da exclusividade de exercício da profissão no país, mesmo em locais de que eles sequer pretendem se aproximar.

Fala sério!

Se não querem ser decentes, ao menos que não sejam ridículos, não é?

A Cultura pela culatra

A propósito, o que se promete como programação nova para a TV Cultura me pareceu entre o ridículo e o lamentável.

É uma impressão e também uma desconfiança. Será preciso voltar a isso.


Flores raras, política e paisagem
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Inácio Araújo

“Flores Raras” traz dois aspectos do trabalho de Bruno Barreto de que ainda se pode falar.

O primeiro é o gosto pela natureza carioca, pela paisagem. Talvez por isso no início do filme pareça tão mais interessado em filmar do que na sua evolução, quando o filme entra num regime bravo de lenga-lenga.

O segundo é a discrição com que trata a política. O principal personagem masculino do filme é Carlos Lacerda, e o filme percorre momentos cruciais de sua carreira. Nos anos 50, comanda a campanha pela deposição de Getulio Vargas que resultaria no suicídio do presidente. Mais tarde, é um dos artífices civis do golpe de Estado de 1964, antes de ser cassado.

De todos os momentos políticos de Lacerda, o filme detém-se apenas em sua candidatura ao governo do Rio, fato incontornável, na medida em que de sua vitória resultou o parque que Lota de Macedo Soares projetou.

Talvez desviar o filme para a carreira de Lacerda, mesmo que rapidamente, pudesse ser dispersivo. Mas acho que não, primeiro porque bastariam discretas notações para situar Lacerda na história brasileira (e a história brasileira no filme). E segundo porque se há uma coisa que não falta no filme é falta de assunto.

Tenho a impressão de que BB não dá a mínima para política e evita esse tipo de assunto, que acaba sendo bem mais polêmico, no fim, do que homossexualismo, feminino ou não.

Por fim, e antes que eu me esqueça, Miranda Otto está muito bem dirigida, está muito bem no filme.


Do Capitão Nascimento ao sumiço de Amarildo
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Inácio Araújo

 

Já faz duas colunas, salvo erro, que Elio Gaspari aproxima “Tropa de Elite” do desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro.

Ele se refere em particular à cena em que a polícia coloca um saco plástico na cabeça de um suspeito. Uma cena, lembra, aplaudida pelo público. E uma cena repetida com Amarildo, segundo Gaspari (digo “segundo” porque não vi nem li a respeito) e, obviamente, detestada pela população.

Esse retorno à cena aponta a complexidade, nem sempre cinematográfica, do fenômeno.

Se existe um mérito pouco questionável em “Tropa de Elite” é o de ter chamado a atenção para outro modo de observar a criminalidade que não o tradicional do cinema. Tratava-se, enfim, não de compreender o fenômeno, mas de enfrentá-lo. Existe aí algo de razoável, pelo menos.

O problema é que, numa dramaturgia tradicional, o filme de José Padilha só faltava pedir a canonização dos policiais. Eles eram preparados para a guerra, à maneira do “Iwo Jima” de Allan Dwan. E faziam guerra seja ao tráfico e decorrências, seja à corrupção policial.

O problema do filme é não compreender, ou não querer compreender que o cinema é uma máquina diabólica. Ele carrega ao mesmo tempo a realidade e a ideia da realidade.

O público não só acredita no que vê (a cena de tortura, pois é disso que se trata na cena do saco de plástico), mas envolve-se com a ideia aí contida, de que isso é certo, pois o filme se constitui sobre a ideia de que a causa do Bope  é justa.

Sabemos o quanto, por exemplo, a ocupação de favelas via UPPs deve a esse mito do Bope criado pelo filme: quando eles chegavam, percebia-se no ar um sentimento de confiança. Os Intocáveis estavam chegando, com sua força e integridade!

Podia parecer “bom”, mas o perigo estava lá. Na montagem, no caso – para lembrar André Bazin. Com a montagem se faz com que negros sejam odiados (O Nascimento de uma Nação), os judeus parecerem seres intrinsecamente nocivos (o cinema nazi inteiro) e daí por diante.

O sentimento de otimismo diante do filme deveria ter sido mitigado de imediato. Os perigos deveriam ter sido expostos. Esse tipo de sentimento é perigoso. É realmente fascista, o que não significa que o filme seja. Todo filme montado assim é um perigo em potencial, alguns o exercem, por inconsciência (Padilha) ou cálculo (Goebbels).

É preciso lembrar que esse sentimento de mata-esfola já estava na população. Os aplausos eram sintomáticos disso.

A sociedade (a paulista, sobretudo, mais que a carioca, cujos ódios eu sinto mais localizados) não quer justiça, de jeito nenhum: quer aparência de justiça. Eis o que “Tropa” oferecia, uma imagem, uma aparência de justiça. Uma ampla parcela da população queria exatamente isso. Uma parcela é francamente saudosa da ditadura (pior: boa parte não a viveu – é a nostalgia do que nunca foi, para ficar perto de Fernando Pessoa), e é perigosa, sim.

Conceder essa crença à polícia é o que há de mais perigoso no mundo.

Conceder à hipótese de imagens e ideias se igualarem, muito perigoso, também.

DVD, minha alegria

Do que falar nessa entressafra de cinema? Entressafra, eu disse? Parece uma travessia do deserto.

Nada me anima a escrever, salvo esses filmes da Versátil, sobretudo. Agora, os Minnellis que eles estão lançando, e os Ozus programados. A Lume anda um pouco devagar, mas é sempre digna.

Há também os do Instituto Moreira Salles, que lançou a caixa preciosa do Nelson Pereira dos Santos.

E, desculpem dizer, é bom ficar de olho nessa coleção da Folha. Eu acho chato ficar fazendo promoção de um produto do jornal em que trabalho, mas o fato é que a coleção anterior, a dos filmes europeus, trazia coisas ótimas. Exemplo: em vez da cópia nojenta do “Potemkin” que havia em circulação, entrou uma muito boa (que não havia circulando antes provavelmente porque a cópia nojenta da Continental ocupara o lugar no mercado).

Há de se ressaltar que essas edições repulsivas, lançadas afobadamente, com imagem desigual, traduções não raro horríveis e também não raro emperrando na máquina, estragaram muito o mercado de DVD.

Nós piratas

Como se sabe, não existem piratas entre nós.

Só funcionários públicos e políticos. Todos somos honestos.

Compramos DVDs piratas não porque isso pareça uma economia, mas porque somos contra os impostos etc. que o governo cobra etc.

Mas compramos. As banquinhas em frente ao Espaço Augusta vivem lotadas.

Só uma coisa: se se quisesse acabar com a pirataria isso já teria acabado. Não existe nada mais público, mais exposto, mais à vista do que essas banquinhas.

Não entendo (ou antes: entendo) porque continuam a funcionar livremente ou quase.


Flores Raras
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Inácio Araújo

Ponto 1 – Logo na abertura, antes ainda do filme, aparece o brasão do governo do Rio de Janeiro (será do Estado? acho que sim) e a frase: “Juntando Forças”. Sério? Só se for juntando forças contra si.

Ponto 2 – Bruno Barreto sempre perseguiu um ideal clássico de cinema que, quase sempre, deu em cinema acadêmico. Aqui, no início, ele consegue chegar a algo realmente forte. Até o momento em que se manifesta o amor entre Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, inclusive com uma cena de amor bem ousada para os dias de hoje.

Embora se trate do amor entre duas mulheres ilustres, trata-se sempre de homossexualidade. E Bruno não amacia, não.

Depois, o filme se torna com efeito um filme “baseado em fatos reais”. Existe uma seleção no mínimo desigual (e no máximo de doer) das cenas de vida familiar envolvendo as duas mulheres e mais Mary, a ex-amante de Lota e amiga de Bishop desde quase a infância.

Ponto 3 – “História real” ou não, seria mais interessante mostrar uma Lota menos masculinizada, menos agressiva. Fiquei com  impressão, no início, de que era apenas uma mulher agressiva, decidida etc. Parece que à medida que o tempo passa a concepção vai mudando um pouco, e “força” vira um atributo masculino.

Ponto 4 – Penso que o final é bem infeliz, com aquelas frases todas. O que justifica o filme (dramaticamente) é o amor entre duas mulheres, não o fato de Elizabeth Bishop ser quem é. Comercialmente é outra história. O filme é sincero o bastante para que se possa dizer que é preconceituoso por causa desse final, claro. Mas fica a impressão de uma imposição comercial, de um vamos limpar a barra delas porque são excepcionais, etc. etc. Melhor esquecer aquelas coisas. Parece a abertura do “Scarface”, o primeiro.

Ponto 5 – Bruno Barreto não devia ter chamado Glória Pires, e Glória Pires nunca devia ter aceito o papel. A maior parte do tempo a gente fica vendo ela fazer o papel de Tony Ramos em “Se Eu Fosse Você”. Isso independe da qualidade de interpretação. De todo modo penso que ela era a atriz menos indicada para o papel.

Ponto 6 – Mas tudo isso é secundário. É o inferno da representação que assalta o filme. É a “vida real”. É aquele bebê chorando. São as bebedeiras de Bishop, os pitis de Lota, o gato, o bebê, os móveis do escritório e os prêmios de Bishop. A vida real não precisa da arte para existir. Ela existe e ponto. Fico pensando: digamos que, em vez daquela cena bestaem que Bishopescova os cabelos de Lota, Bruno imitasse o que faz Godard no “Alphaville”, e a cena irradiasse poesia. Fosse poesia. Seria muito mais fiel à realidade amorosa e poética das duas mulheres (e do cinema).

Ponto 7 – O filme ganha de novo no momento de ruptura das duas, quando Bishop decide dar aulasem Nova York.Arelação entre a lua e a iluminação do parque no Flamengo é boa, mas poderia ser melhor se não fosse tão manchada de “vida real”.

De todo modo, a parte final do filme é mais forte, chega a lembrar a inspiração do início, que foi abatida pela sensaboria posterior.

Ponto 8 – Dito isso, é um filme a ver. Não digo por condescendência. Me parece bem mais interessante do que as coisas no circuito comercial.

 


O X do Problema
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Inácio Araújo

O X é a incógnita que grupos como Mídia Ninja (são os mais evidentes agora, deve haver bem outros) buscam desvendar e que desafia o mundo da comunicação.

Uma coisa me parece clara: é no universo da imagem que se dá o essencial do trabalho hoje.

As pessoas querem ver.

Uma coisa que o pessoal no Roda Viva não entendeu: pensou que o fato de haver material não montado significa desleixo ou precariedade.

Não é isso: significa o desejo de não impor significados através de comentários ou supressões. Trata-se de desprostituir a imagem.

Ler e reler: “Montagem Proibida”, André Bazin.

Mas este ainda não é o X.

Talvez seja o fato de vivermos num mundo pós-ideologias.

Nas passeatas podia de tudo: vegetarianos, por mais direitos para os cães, contra a corrupção, por condução mais barata etc.

Antes, os jornais davam conta disso.

Dois ou três bastavam, mas até dado momento havia seis ou sete em cada cidade grande. Eram a favor ou contra o Getúlio, mais liberal ou mais conservador, mais otimista ou mais pessimista, a favor do comunismo ou contra ele etc.

Mas a clivagem era razoavelmente clara.

E depois vieram as TVs. Junto com os jornais, é verdade.

Mas na TV a palavra sempre veio na frente da imagem.

A TV sujou a imagem: fez dela apenas um reflexo, confirmatório, do que dizia o repórter ou o âncora no estúdio.

Agora são muitos os pontos de vista, as insatisfações, as prioridades.

Como dar conta disso?

E quem?

Não há dúvida que, nessas alturas, a garotada está na dianteira, com um raciocínio rápido, por vezes desconcertante, muito conectado às inovações tecnológicas.

Não só os jornalistas. Também os da imagem (do cinema) talvez tenham de correr atrás em busca de respostas: há uma nova comunicação se estabelecendo. Ou talvez uma nova incomunicabilidade (os impasses de cada um, de cada pequeno grupo, talvez se mostrem intransitivos). Um belo de um X, enfim.

(Sei que há quem esteja por conta com o Mídia Ninja ou com o Fora do Eixo – não sei onde termina um e começa outro – , inclusive a amiga Beatriz Seigner. Meu problema aqui não é a eventual honestidade ou desonestidade deles, apenas o raciocínio).

Fim da Bravo!

Já houve o tempo do jornalismo segmentado.

Agora, a julgar pelo fechamento de revistas da Abril, esse tempo está passando.

A Bravo fechou.

Talvez isso ajude a reforçar a Cult, que resta, até onde sei, como a única revista geral de cultura a circular.