Blog do Inácio Araújo

Arquivo : December 2010

Não tem nada a ver com cinema
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Inácio Araújo

Videla pegou perpétua em Córdoba.

E não só ele. Tem uns caras que a gente nem conhece, como o Menendez, que são uns monstros.

Acho que foram umas vinte prisões perpétuas por crime de lesa humanidade.

Haverá ainda outros processos.

Mas apenas este é exemplar.

Porque nos perguntamos todo o tempo porque os filmes argentinos, mesmo quando não tão bons, vão fundo, parecem perscrutar a alma das coisas.

Enquanto os nossos, mesmo os bons, derivam com facilidade para o drama psicológico e tal.

Não é culpa do cinema. Não do cinema apenas, em todo caso.

Se isso aconteceu é porque a Argentina se mobilizou de verdade até emparedar seus carrascos.

Aqui ninguém fez, nem faz nada. E ainda há quem ache tortura o máximo.

Já disse, aqui no Brasil não aconteceu nem um centésimo das atrocidades, das monstruosidades que ocorreram na Argentina.
Nem por isso essa atitude, de fazer vistas grossas, está correta.

Aliás, Vladimir Safatle já lembrou, essa atitude brasileira começa a nos trazer problemas em cortes internacionais.

Nós, que nos proclamamos campeões de direitos humanos e tal e coisa, quando se sabe muito bem como as coisas se passam não mais com presos políticos, mas com presos comuns.

Essas coisas afetam o cinema cem vezes mais do que falta de dinheiro.


Condenação de Jafar Panahi é obscena
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Inácio Araújo

Jafar Panahi definiu sua prisão, em março deste ano, como “obscena”. O que de fato era.

O governo do Irã, que já se afastara dos princípios mínimos de convivência decente, mostrava então que também não se importava com o seu cinema.

Não que dependa dele para existir. Depende do fundamentalismo mais retrógrado. Mas o cinema era capaz de mostrar uma imagem tremendamente simpática das pessoas, de seu modo de vida, dos costumes aliás nada exóticos.

Bem, essa janela parece já estar fechada, também.

Panahi foi condenado agora a 6 anos de prisão, 20 de interdição como cineasta e, claro, está impedido de sair do país.

O regime iraniano parece se afundar na barbárie e, o que é pior, se comprazer nisso.


Adeus, Blake Edwards
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Inácio Araújo

Não bastava Mario Monicelli. O fim de ano ainda nos reservou a morte de Blake Edwards.

A primeira coisa que vem à lembrança são as comédias, o burlesco fabuloso de “A Pantera Cor-de-Rosa” (a série toda) e “Um Convidado Bem Trapalhão” ou ainda “Anáguas a Bordo”.

Mas isso seria esquecer que foi ele quem fez “Bonequinha de Luxo”, comédia dramática absolutamente sensível por qualquer ponto que se queira ver. Talvez o mais leve dos filmes feitos sobre prostituição.

Há ainda o setor dramático mesmo: “Vício Maldito” (na época era a bebida, não o cigarro). Não gosto de filme de bêbado, mas Edwards tornou a coisa um pouco mais leve.

E depois o renascimento dele, no musical, “Victor ou Victoria”, renascimento também de Julie Andrews. Dá de dez no “Tootsie”, por exemplo, que é um filme mais ou menos sobre a mesma coisa.

Jean Douchet, salvo erro, foi quem percebeu o registro agridoce de Edwards. Nenhum riso, nem no burlesco mais rasgado, vinha sem uma contrapartida amarga, fosse pela burrice do Clouseau, fosse pela injustiça que todo o tempo vitimava Dreyfus (não será por acaso esse nome!). Douchet, como de costume, acerta em cheio.

Enfim, o DVD nos suprirá. Como com Monicelli, de quem acaba de sair “Os Companheiros”. Mas é sempre um pouco deprimente receber a notícia da morte de criadores que a gente ama.


O cinema de volta ou Godard é sempre grande
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Inácio Araújo

Como não consegui, até agora, ter novas idéias sobre “Film Socialisme”, o último e notável Godard, vai abaixo o comentário que foi publicado pela Ilustrada na época da Mostra, ok?

Também abaixo o texto que saiu sobre “Abutres”.

* * *

Chama-se ‘Film Socialisme‘, o novo Godard. Poderia se chamar, com mais razão, ‘notícias sobre o estado do mundo‘, caso esse não fosse um título aplicável a quase todos os seus filmes recentes.

Mais especificamente, é à Europa que se dirige Godard, ao que mudou nos últimos anos, às suas perspectivas. E mudou pouca coisa, simplesmente agora os canalhas podem ser sinceros, para citar aquilo que por duas vezes é dito ao longo do filme.

Pobre Europa. Ainda um centro do mundo, mas esse centro doentio, na visão de Godard. Talvez um continente ocupado pelo excesso de livros, de literatura. Uma questão: como botar um pouco de realidade em tantos livros? Só as imagens trazem a realidade: esse é o ponto que ele defende (e não é de hoje: nos livros, mesmo os não ficcionais, a realidade não entra).

Dito isso, estamos em um cruzeiro que parte de Alger com destino a Barcelona, mas deve fazer um trajeto que passa pelo Oriente Médio e por Nápoles, antes de chegar a seu destino.

Alguém pergunta a razão desse périplo. A razão é clara. Trata-se de viajar, não em linha reta. Visitar os lugares próximos da Europa onde estão as crises, as guerras, as dores. Toda essa parte é dominada pelo azul e pelo mar repetidamente filmado e de uma beleza arrebatadora. (Acrescento: alguém lembra – já não lembro em que artigo, desculpe – o quanto é importante a Grécia nesse trajeto. É o começo de tudo, mas também o epicentro da crise atual).

Mas também estão lá nossos hábitos: a corrida, a discoteca etc. Tudo que faz a vida do turista contemporâneo. Esse primeiro segmento se chama ‘Coisas Assim‘. O segundo, ‘Nossa Europa‘, é menos interessante: uma equipe de TV registra a vida de uma família no interior da França. É algo que acontece com Godard, não raro: achados fortes e a impressão de não chegar bem ao ponto. (Ainda assim, na crítica que o Barcinski publica na “Ilustrada”, ele diz que há um lhama preso no posto de gasolina. Fantástica imagem em que o mais moderno e problemático, o automóvel, o petróleo, cruza com o arcaico. Notável: o lhama volta, porque gasolina acaba com a gente e acaba com ela própria).

O filme se fecha com o segmento ‘Nossas Humanidades‘, uma espécie de revisão histórico-cinematográfica da Europa, dos tempos de revolução (1917) e Ocupação (1940-1944). Do cinema também. Momentos fascinantes, como a revisita à escadaria de Odessa, a escadaria do ‘Potenkim‘, as águas agitadas em que se movia o Potenkim, em contraste com as águas plácidas, conformistas do cruzeiro no início do filme.

Há algo de paradoxal que se desprende de cada um dos filmes-ensaio de Godard nos últimos anos: ao ceticismo em relação a nossas humanidades, a uma solidão que se confunde com autossuficiência, corresponde o olhar de todo vivo, agudo como sempre, distante, bem-humorado (virá o humor do distanciamento?).

Um filme raramente ‘chato‘, no sentido que se costuma aplicar aos de Godard, mas que também não altera profundamente o olhar que temos sobre sua obra recente. Um filme que navega – com brilho e cheio de interrogações a propor. Mas que, como norma, dá sequência a ideias que tem cultivado nos últimos anos: a antipatia por Israel não é a menos obsessiva delas.

Abutres

“Abutres” marca o retorno de Pablo Trapero à observação desses personagens que vivem numa zona cinzenta (meio vítimas, meio malandros etc), que havia desenvolvido de forma muito feliz em seu filme de estréia, “Do Outro Lado da Lei”. Aqui, Sosa (Ricardo Darin) é o sujeito que vive de procurar vítimas de acidentes automobilísticos (pobres e pedestres, de preferência), a fim de arrancar um dinheiro das companhias de seguros. É o que no filme chamam abutre.

Na verdade, ele é um advogado com a licença cassada, portanto impedido de trabalhar, que sobrevive desse tipo de expediente. Sua vida desatinada parece ganhar um sentido quando encontra a dra. Luján (Martina Gusman), jovem médica de pronto atendimento.

Eles se apaixonam. Por quê? Eis aí uma pergunta que vem ao caso: ele é um tipo desprezível, o que ela não ignora, no entanto aceita a corte do homem e se envolve com ele. E envolver-se, no caso, significa passar a fazer parte de uma vida não muito honesta. É verdade que envolver-se também significa partilhar os esforços de Sosa para cair fora do esquema. E é o que ele tenta depois que reavê a licença de advogado.

Temos aí, basicamente, a primeira e ótima metade do filme, onde a câmera ágil de Trapero nos vai familiarizando com a atividade dos pronto-socorros, dos médicos, com as vicissitudes da saúde nos países “em desenvolvimento” (vulgo Terceiro Mundo). Mas também com baixezas que quase se integram à vida “normal”, de tão normais que parecem.

A segunda parte é um pouco mais problemática. Trapero trabalha ali com múltiplas questões, abarcando desde o romance Sosa/Luján até o caráter mafioso da atividade dos abutres. Esse é, de longe, o aspecto mais interessante do filme: de início parece que estamos às voltas com uma atividade quase artesanal, mas aos poucos descobrimos as muitas ramificações mafiosas que vão da polícia aos motoristas de ambulância. Trata-se de um sistema de corrupção que parece atingir toda a república.

Essa segunda parte é em ritmo de tango: agressões, mortes, ameaças, tensão, perigos vividos pelos protagonistas. Tudo, enfim, que conforma um filme de ação e agrada aos produtores. Mas há algo de bem convencional nisso tudo: a começar pela história do sujeito errado que tenta largar a contravenção e entrar na linha por amor a uma mulher… Já vi isso em algum lugar, dirá quem viu uns dois ou três filmes na vida.

Trapero se debate para dar conta dessa bobagem e, ao mesmo tempo, desenvolver os seres reais que a primeira parte do filme nos promete. É o aspecto mais interessante do filme que sai perdendo, como se lhe faltasse aquele tempo preguiçoso dos primeiros trabalhos do realizador argentino para se fixar nas paisagens, interiores e exteriores, da Argentina. Ainda assim, “Abutres” é bem acima da média.


O cinema nacional na primeira década do século 21
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Inácio Araújo

A primeira década do século 21 não pode ser entendida, em termos de produção nacional, senão como continuação da década de 1990, em que, após o fechamento da Embrafilme, articulou-se uma política de retomada tendo por base a renúncia fiscal.

O centro desse projeto era a retirada do Estado – suspeito de corrupção, protecionismo e ineficácia – das decisões sobre a produção cinematográfica. Um projeto emergencial, de certa forma, já que a realização de filmes estivera praticamente paralisada nos anos Collor e no início da administração Itamar Franco, mas que deixava sem solução problemas como o da exibição, da distribuição e mesmo da internacionalização dos filmes.

O projeto visava, em última análise, passar à esfera da sociedade a decisão sobre que filmes fazer. Por sociedade, no caso, entenda-se o capital. Rendeu poucos resultados expressivos, tanto estética como economicamente, o mais relevante sendo “Central do Brasil”, de Walter Salles, exibido em 1998, num momento em que o Plano Real gerava justa euforia entre as pessoas (e não muito tempo antes de uma desvalorização cambial desmontar as esperanças daquele instante): tratava-se de ver o país regenerado e sem grandes dores, afinal de contas.

O século 21 trouxe algumas novidades, a começar por um governo que dava ao mesmo tempo mais importância à questão cinematográfica (ou audiovisual, como se diz) e à presença do Estado nesse tipo de atividade. Não será de estranhar que se consolidaram como principais investidores no setor não as empresas privadas, mas as públicas, Petrobrás,  BNDES e Eletrobrás sendo as que mais se destacam.

Uma outra medida essencial consistiu em estender às distribuidoras ligadas a redes de televisão (ou seja, Globofilmes), o direito de captar recursos das leis de renúncia fiscal.

Esses dois instrumentos permitiram à produção brasileira entrar, pouco a pouco, mas de maneira aparentemente definitiva, na era do blockbuster, isto é, do filme lançado com grande publicidade e grande número de cópias.

Entramos, no século 21, num ciclo que vai de “Cidade de Deus”, ainda em 2002, a “Tropa de Elite 2” (2010), passando por “Carandiru”, “2 Filhos de Francisco”, “Se Eu Fosse Você”, “Chico Xavier”, “Nosso Lar”.

Esses filmes de muito sucesso (e outros de êxito relativo, como “A Mulher Invisível”, “Divã” etc.) tiveram o mérito principal de reatar a ligação de confiança do espectador brasileiro em relação a seus filmes. Ou antes, no que diz respeito às classes mais instruídas, de criar esse elo. Mais recentemente, com a ascensão social de um público que havia sido afastado dos cinemas pelos altos preços, pode-se pensar mesmo em um reencontro do público menos letrado com o filme brasileiro.

Algumas coisas podem ser levantadas como ainda irresolvidas:

1.      o prestígio internacional do filme brasileiro continua extremamente modesto;

2.      nacionalmente, verifica-se um abismo entre esses filmes de grande bilheteria e os demais.

Os desafios para a próxima década parecem ser, nesse sentido, a consolidação da frequência aos filmes brasileiros, por um trabalho mais articulado de distribuição, capaz de incluir os filmes menos “populares” em pacotes daqueles destinados a ter grande bilheteria. É claro que nesse trabalho de distribuição inclui-se necessariamente uma alocação maior de verbas publicitárias, capazes de viabilizar esses produtos “médios”.

Ao mesmo tempo, não se deve deixar de dar ênfase à disposição da presidente eleita em ampliar de maneira significativa a rede de cinemas do interior.

A se concretizar, essa hipótese possibilitará a chegada desse instrumento de cultura e convivências às populações distantes dos grandes centros, e indica uma mudança política significativa, capaz de de reaproximar o cinema brasileiro de seu público mais tradicional, libertando-o assim de certas exigências “de qualidade” a que precisou se submeter para chegar ao público mais letrado.

O crescimento do número de filmes de êxito que se dá neste século não abafa a reivindicação de uma maior diversidade, ou seja, da existência de filmes que atendam a núcleos menos amplos, porém não menos representativos de espectadores. Com uma política de ampliação do número de salas no interior e na periferia das grandes cidades, pode-se pensar em filmes de menor custo, de menor luxo na produção, mas não necessariamente de menor interesse e eventualmente, até, capazes de abrir caminho a uma presença mais intensa da produção brasileira em nível mundial.


De volta ao cinema
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Inácio Araújo

A programação, que andava bem jururu, de repente se reanima com três filmes bem fortes.

Começo pelo mais popular, “A Rede Social”, de David Fincher, que está sendo considerado por muitos críticos nos EUA o melhor filme do ano.

Não sei se é. O pior, certamente, não é. Longe disso.

Conta-se ali, como todos já sabem, a história do inventor do facebook.

Mas não é bem isso que interessa a Fincher e ao filme, nem mesmo os desdobramentos jurídicos da história, com o inventor sendo alvo de uns tantos processos.

O principal, me parece, é uma certa trajetória contemporânea do gênio. Mark Zuckerberg é, sem dúvida, genial. Distingue-se entre os estudantes de Harvard. Trabalha com computadores melhor do que qualquer um.

Qual seria a trajetória do gênio em outros tempos? Um Freud, Einstein, uma Mme. Curie, etc., iriam trabalhar em algum laboratório, em alguma universidade, formular hipóteses fantásticas, descobrir doenças e curas e mais o que fosse.

O gênio contemporâneo é instantâneo e lucrativo. Zuckerberg teria 20 anos, se tanto, e era não mais que um nerd chato quando criou o facebook. Hoje é um bilionário.

Bem, o filme gira em torno disso. Gira, por exemplo, em torno da saída de Harvard, do soturno, gélido e aplicado ambiente universitário para a Califórnia do sol, das oportunidades. E do espetáculo, claro. Lá estão os bilhões.

Mas o que fazer desse conhecimento? E desses bilhões?

Muito bom ter idéias lucrativas, absurdamente lucrativas como o mundo da internet promete e, não raro, cumpre.

Fincher não parece muito disposto a elevar essa categoria ou essa aplicação do gênio aos céus. Esse é um gênio solitário, por um lado, e inútil, por outro.

O sucesso do Facebook é característico dos tempos da internet, ou seja, maníaco. Mas o fato é que poderíamos viver muito bem sem ele. Digamos que Freud criou a psicanálise. Não é necessário ir ao divã para saber que o mundo foi afetado de maneira profunda por isso. Será que criações como o Facebook nos levam a alguma parte, ou só a novas criações que substituirão um dia o Facebook?

Em um nível, não importa: o cara é um quaquilionário.

Em outro, o filme fala dessa mistura de narcisismo e solidão que envolve esse tipo de atividade.

A parte da solidão é a mais bonita. Porque tudo gira em torno, a rigor, da perdas de Zuckerman, isto é, as feridas que carregará consigo: a impossibilidade de participar de determinada confraria (dessas que existem nas faculdades dos EUA), e o fora que leva da namorada.

Nenhuma das duas é minimamente profunda, o que talvez ilustre o que é, para Fincher, o destino da humanidade deste século.

A conferir nos próximos capítulos.

Volto para falar depois do novo Godard, “Film Socialisme”, e de “Abutres”, o filme argentino de Pablo Trapero.


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