Blog do Inácio Araújo

Começo de ano: o sim, o não, o talvez

Inácio Araújo

 

 

Um fim de semana para ficar em dia, mais ou menos em dia, com o que está passando nos cinemas, depois mais uns dias de folga, isto é, de fome. Ou ambos.

O Som ao Redor – Sim

Eu já havia falado deste filme, notável estreia de Kleber Mendonça.

A história de uma rua de Recife, a rigor, com a sua diversidade de personagens e aqueles horríveis prédios da orla, todos nessa nueva subarquitetura horrorosa, meio novo rico, ou bem novo rico da cidade.

Mas, à medida que conhecemos os personagens vamos ver se desenhar, atrás de toda co-existência harmônica a história de sangue e violência do Nordeste.

Se o cinema pernambucano tem se destacado até aqui como o melhor desde os anos 1990, o melhor do Brasil, o mais consequente, tenho a impressão de que esta estreia nos diz muito, entre outras coisas porque se percebe que não foi um tour de force isolado, que o autor ainda tem muito a dar e, inclusive, a caminhar.

Em suma, uma unanimidade que me parece justa.

HaHaHa

Sheila, que costuma ser certeira na síntese, saiu-se com esta: “Não vi nada que a nouvelle vague já não tivesse feito”.

Com efeito, esse cineasta coreano, xodó da atual (e muito fraca, no geral) geração dos Cahiers, está muito próximo das coisas que a gente já viu ali nos anos 1960.

E no entanto… Desde a narração, desde aquelas fotos que resumem a conversa, entrando de tempos em tempos, algo é inédito nisso tudo.

Eu diria que, pelo menos, a personagem da menina, a garota com suas hesitações amorosas, seu vai e vem entre os dois caras, é muito, muito bom.

No (Eu digo No ao No?)

Não propriamente um filme sobre o Não dos chilenos a Pinochet, mas sobre o peso da publicidade na política.

Mas trata-se mais de fazer o elogio dos publicitários do Não do que de demonstrar como ideias semelhantes podem ser enunciadas diferentemente.

Ou, mais ainda, de como ao enunciar diferentemente certas ideias elas próprias tornam-se outras. Melhores ou piores, não importa, mas outras.

No caso, o que parece claro no filme é que vencer o Sim significava, em grande medida, enterrar o passado sanguinário da ditadura.

(Em todo caso, menos do que aqui, isso é certo).

Dito isso, eu também digo No a Pinochet. O que não significa que deva engolir, senão como informativo, esse filme bem mau estruturado, com uma série de falsos problemas (a questão familiar do Gael García só serve para encher lingüiça, por exemplo), que procede por saltos que mal compreendemos, onde mal nos localizamos, com uma câmera horrorosamente preguiçosa.

Na saída, Bernardo Carvalho arrisca a hipótese de que o filme seria feito à maneira da TV ou da publicidade da época, mas me parece difícil. No fim dos 80? Não.

Talvez a ideia fosse justamente se afastar dessa estética publicitária que o roteiro, afinal, consagra. Mas é só bem mal filmado.

Dito isso, quando a gente vai ver um filme sem esperar nada acaba não raro ao menos se divertindo um tanto. Eu também.

Pi

Por falar em B. Carvalho: ele odiou As Aventuras de Pi.

E declinou início e final, sobretudo, aquela história besta de encontrar a Deus, essas coisas, como horrorosas.

No que eu concordo inteiramente.

Mas isso é o que Macedonio Fernandez chamaria de “para agradar al comisario”.

É o que é preciso para um filme caro se pagar: Hollywood enfia umas mensagens idiotas e tal.

O que importa é o fantástico do filme: desde a bela cena de naufrágio, ao encontro com a ilha carnívora.

E, sobretudo , a permanente dúvida em que o filme nos deixa. Essa história de Pi, contada por Pi, é verdade ou é uma fantasia?

Nada disso me parece nulo. E a convivência do rapaz com o tigre no bote é muito boa.

B. Carvalho vê no tigre uma metáfora do rapaz. Pode ser. Eu vejo um tigre faminto.

Mas devo dizer que essas divergências do Big B. são sempre empolgantes. Sobretudo porque são acessórias.

Ego Trip

Já falei do Biccelli? Ego Trip é o relato de uma viagem de poeta ao Nordeste.

Em 1983. Um diário de viagem. O interesse vai e vem. Mas vai e vem que nem maré. É uma coisa necessária. Do que li nos últimos tempos, de nosso, é o que mais me encantou.

É uma vontade de vida feroz, invejável, que se faz escrita.

Até breve, amigos, e um grande, belo 2013.