Gustavo Dahl, o bravo guerreiro
Inácio Araújo
Estou no paraíso da cinefilia: correndo atrás de tudo que acontece, mas é impossível. Anoto tudo para, quando tiver tempo, relatar a maravilha que é isso aqui, Bolonha durante o Cinema Ritrovato.
Estava nisso. Mas a morte de Gustavo Dahl é outra historia.
Quem foi ele? Bem, na última vez que estivemos juntos, eu tive a má idéia de voltar a pé do restaurante ao hotel onde estávamos. Gustavo topou. Sofreu muito mais do que eu imaginava, não por causa do coração, mas da perna, que tinha doente.
No dia seguinte fui pedir desculpas pela gafe, porque achei que seria agradável voltar a pé, sem calcular o quanto isso poderia ser dolorido para ele. E Gustavo disse: – Mas Inácio, de que vale Ouro Preto se a gente não fizer um bom passeio?
Era isso, Gustavo Dahl. Talvez o grande conciliador do cinema brasileiro.
Não fosse por ele, por sua capacidade de aproximar as idéias mais disparatadas do mundo e disso tirar um conjunto, o Congresso do Cinema Brasileiro de Porto Alegre não teria dado em nada. Era impressionante a paciência que tinha, tanto quanto a sapiência.
Mas seu prazer estava além disso. Gostava de pensar nos filmes e de vê-los. No tempo daquelas reuniões inúteis do Conselho da Cinemateca era um consolo quando chegava para mim e dizia: ''Mas o Biáfora, hein, Inácio…
E começava a falar dos ensinamentos ora geniais e ora malucos do Ruben Biáfora. Porque Gustavo era um raro caso de paulo-emiliano radical que, talvez por ter sido diretor, entendia o que significava o ensinamento de Biáfora. Foi nesse tempo, por sinal, que nos aproximamos.
(Aliás, um de seus últimos textos, belíssimo, esta na ultima Filme Cultura, é dedicada ao s seus tempos de cinefilia, ao Biáfora).
Agora, Sheila está escrevendo suas memórias. Não sei se o trabalho estava completo, mas tenho certeza de que será cheio de vida, porque acompanhei um pouco do trabalho que faziam e as coisas que tinha a dizer são vitais. Dizem respeito à formação do Cinema Novo, à Embrafilme, à cinefilia, à critica, à busca da institucionalização do cinema brasileiro.
Gustavo Dahl passou por tudo isso sem perder o humor.
Ah, e fez três filmes. Um deles, o ultimo, eu acho ruim. Talvez ele tenha parado por achar também isso. Talvez porque tivesse mais gosto cuidando da distribuição, sei lá.
Mas, mesmo num filme errado, ele sabia o que era mise-en-scène tanto quanto sabia ver um filme.
Fará falta ao cinema brasileiro. E pessoalmente considero sua morte muito dolorosa.
Vamos em frente. Não há mais o que fazer, não é assim?