Blog do Inácio Araújo

Não se pode ver tudo

Inácio Araújo

No Paraíso da Cinefilia – Final

Uma das razões para ir a Bolonha foi a retrospectiva Boris Barnet, o cineasta russo que Godard tanto admira. Acabou que não vi senão uns dez minutos de um de seus filmes, que parecem ter bastante humor e um tipo de olhar mediado pela linguagem, que não deixa de lembrar o cineasta francês.

Da mesma forma, deixei de lado Alice Guy, tida como a primeira cineasta do mundo, que filmava, se bem me lembro, para a Pathé ainda no fim do século 19. Houve uma retrospectiva de Albert Capellani, que Gian Luca Farinelli, o diretor da Cineteca di Bologna, anunciava como talvez o primeiro grande cineasta, antes de Griffith.

Pelo que ouvi: Alice Guy, sim. Capellani, no geral, não. E perto de Griffith, então, nem se fala.

Outra diferença a tirar: “Cais das Sombras”, de Marcel Carné. Cópia nova para este filme de que Godard dizia maravilhas. Nem Sheila, nem Junior, nem eu nos encantamos com a coisa. Parece que existe um abismo entre Renoir e o resto dos cineastas franceses dos anos 1930. Não todos, mas quase todos.

No “Cais das Sombras” estamos de novo diante daquele texto floreado, meio pegajoso, de Jacques Prévert. E o restante, digo, a imagem, não conserta as coisas.

Mais esperta, a Liciane foi ver um dos quatro filmes de Luigi Zampa em retrospectiva e voltou falando muito bem.

Zampa é um desses cineastas da grande fase do cinema italiano. Começa ainda no fascismo e vai embora, até a década de 70, e no que eu tinha visto sempre com aquela energia que caracteriza a segunda linha, a honrosíssima segunda linha, dessa cinematografia em seu grande momento.

A gente via Zampa, aqui, em outros tempos. Nem sempre dava muita bola. Me lembro que “A Máfia Branca” (1973) era muito forte e suscitou uma bela crítica do Carlos Reichenbach.

O Cinema Ritrovato apresentou três filmes da série “Gli Anni”: Fui ver, então, “Gli Anni Ruggenti”, o último deles.

Antes ele havia feito “Anni Difficili” (sobre o imediato pós-guerra) e “Anni Facili” (sobre o momento da recuperação econômica).

“Gli Anni Ruggenti” trata do período fascista e é uma adaptação do “Inspetor Geral” de Gogol.

Durante o fascismo, anuncia-se a vinda, numa corrupta cidadezinha do sul do país, a vinda de um inspetor de Roma. Como ele viria incógnito, todos tomam providências para saber quem seria ele. O único a ter se registrado no hotel da cidade é Nino Manfredi, que passa a ser tratado com todas as honras e com tudo mais. Mas trata-se de um engano de que Zampa tira partido com todo o humor do mundo: ele era apenas um vendedor de seguros.

É admirável como esses cineastas italianos filmavam sem aspirar à “grande arte”, ou mesmo à “arte”. Tratava-se de divertir a si mesmos e ao público com imagens consequentes de um país ainda em convulsão.

A informação antes do filme diz que este foi o segundo filme a tratar abertamente do período fascista na Itália (o primeiro foi “O Fascista, de Luciano Salce, de 1961, portanto um ano antes). A explicação: nos anos 50 havia muitos antigos fascistas incrustados na administração e filmes assim não passavam pela censura.

Lubitsch

É impossível não fazer uma menção ao “Romeu e Julieta” de Ernst Lubitsch (1920), primor de inteligência que transforma a tragédia em comédia.

Valeria só pela primeira cena: o velho Capuleto e o velho Montecchio esperam o resultado de um processo judicial entre ambos. Em vista disso, tratam de levar subornos ao juiz. Que não se faz de rogado: coloca os subornos numa balança para ver quem deu mais. O resultado, porém, é empate.

E daí por diante.

O cinema de propaganda

Uma das sessões da mostra é “Centi Anni Fa” (Há cem anos). Filmes de 1911. A Itália estava em guerra com a Líbia, que era parte do império otomano.

São um escândalo os filmes de propaganda. Como sempre, aliás, mas com a diferença de que talvez esse seja o primeiro uso da propaganda como arma de guerra (dizia-se que seriam os alemães na 1ª. Guerra, mas esta é anterior).

Um pequeno filme volta ao de sempre: os bárbaros líbios atacando a ilibada mulher italiana. Sempre o ataque do estrangeiro à mulher…

E por aqui ficamos

Desculpe a quem não interessaram esses relatos, mas me senti na obrigação de repartir, mesmo que precariamente, o que experimentei por lá nesses dias muito especiais de um festival muito especial.

  1. renato tardivo

    21/07/2011 16:49:57

    oi, inácio, interessante a postagem...eu te acompanho na folha há tempos. tenho escrito sobre cinema no site "página cultural". te convido a dar uma olhada na minha coluna.http://paginacultural.com.br/author/renato-tardivo/um abraço, renato

  2. valente

    20/07/2011 19:51:28

    inácioobrigado por estes posts.abraçosduda

  3. Liciane Mamede

    18/07/2011 23:00:59

    o filme que vi neste dia, ao invés do carné, "l'arte di arrangiarsi" foi uma verdadeira descoberta.

  4. Jeferson Araújo Pereira

    18/07/2011 19:09:53

    Cinema Ritrovato: acompanhei todos os posts e senti uma certa "inveja saudável" por você ter assistido tantos filmes.Valeu!

Os comentários não representam a opinião do portal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Leia os termos de uso